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22.1.22
Chile e as voltas que a história dá
Maya Fernández Allende, neta de Salvador Allende nascida em 1971, foi ontem nomeada ministra da Defesa, no governo de Gabriel Boric, presidente do Chile, que há cerca de um mês derrotou o candidato de extrema-direita. Maya terá poderes sobre as forças armadas no país em que estas puseram fim à democracia a que o avô presidia e que provocaram a sua morte.
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Escolhas à Esquerda
«Em 2015, ao quebrar-se o tabu do velho "arco da governação", ficou claro que se o Partido Socialista (PS) quiser governar à Esquerda pode perfeitamente fazê-lo.
Essa pecha da democracia foi ultrapassada pela convergência de posições de várias forças e atores políticos, tendo sido determinante a disponibilidade de António Costa, enquanto secretário-geral do PS. Foi um ato de alcance estratégico na nossa vida política e gerou excecional esperança por duas razões fundamentais: as propostas de política social e económica rompiam com os desastres da Direita; e largos segmentos da sociedade sentiram que não iam continuar abandonados.
Entretanto, o programa assumido foi-se mostrando demasiado minimalista nos planos sociolaboral e socioeconómico. Ainda na primeira legislatura, o BE e o PCP começaram a manifestar desconforto com a gestão de Orçamentos de Estado (OE) em que parte do que era negociado não era cumprido. Em 2019, os resultados eleitorais mostraram que a solução de 2015 merecia aprovação, mas foi o PS que mais beneficiou, passando a dispor de uma maioria relativa que trouxe sinais de autossuficiência e de menorização da negociação. Apesar de tudo, em vésperas do chumbo do OE para 2022, a solução de governação mais desejada pelos portugueses continuava a ser o entendimento das forças da Esquerda.
O positivo património da governação à Esquerda não pode ser descartado. Trata-se de uma responsabilidade de todas as forças que participaram no processo - nenhuma está isenta e o passa culpas é mau caminho. A catalogação dada por António Costa ao BE e ao PCP como forças "não confiáveis" é incorreta, pois responsabiliza-as em absoluto pela rutura e induz fechamentos para o futuro. Acrescentem-se três observações: i) a experiência da vida confirma que jamais o PS sozinho, assente numa maioria absoluta gerida ou não por António Costa, está em condições de "prosseguir o caminho" antes partilhado; ii) constituirá pesado retrocesso voltar-se ao anacrónico "arco da governação" e ao centrão de interesses, em velha ou nova versão; iii) será erro de palmatória uma aliança do PS com forças cujos focos programáticos - merecedores de respeito - se situam longe do que é prioritário, secundarizando segmentos da sociedade com força transformadora.
O grande desafio que temos pela frente é a recuperação socioeconómica. Trabalho, emprego, proteção social, saúde, educação e o perfil de especialização económica têm de ser temas centrais de um programa de governação. É a partir daí que podem ser trabalhadas as respostas a outros importantes problemas como os ambientais e demográficos, o combate à fragmentação da sociedade, a necessidade de uma postura ofensiva na União Europeia e a gestão dos impactos do perigoso contexto internacional.
O desfecho de 2021, com a não aprovação do OE, não foi assim tão surpreendente. Além disso, na política como em muitas áreas da vida em sociedade, como é o caso das relações de trabalho, a rutura não é um mal absoluto, desde logo, porque ela pode ser necessária para reformular e projetar novos compromissos entre os atores envolvidos. A convergência com tensão interna, gerida com sabedoria e determinação, trará sempre virtualidades bem dinâmicas à sociedade.
A 30 de janeiro, derrotemos a Direita, reforcemos com objetividade a Esquerda, e assumamos que nesta grande área vai ter de se aprofundar e articular a mobilização e a ação social e política.»
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21.1.22
Sessões de trabalho online ou sessões de espiritismo?
- Zé, estás aí?
- João, se consegues ouvir-me diz alguma coisa.
- Sandra, estamos a perdê-la.
- Mário, consegues ouvir-me?
Alice Coutinho no Facebook
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Quem não tem voto caça com gato
«Vai boa a campanha nas redes. Pelo menos no que diz respeito ao humor de alguns candidatos. Mas, no final do mês, quantos gostos, partilhas e comentários dão votos?
"Aquilo que eu pretendo é brincar. Não têm sentido de humor? Têm de ter sentido de humor". Esta foi a defesa de Rui Rio aos ataques de que não sabia como funcionava o voto em mobilidade, após ter publicado um tweet onde escreveu que o voto antecipado de António Costa no Porto se tratava de uma "forma airosa de evitar ter de fazer o que sabe que não é bom para Portugal; ter de votar nele próprio".
Daqui até aos gatinhos só foram precisos três dias. Eis que entram em cena o Zé Albino, o Camões e a Bala. O Zé Albino porque "anda desolado com esta aproximação do PAN ao PS", segundo o líder do PSD, e o Camões porque "anda eriçado com as hesitações do PSD com a extrema-direita", segundo o candidato do Livre Rui Tavares. Já a cadela Bala, "anda muito entusiasmada com o crescimento da IL e com a hipótese de reformarmos o país a sério nos próximos quatro anos!", segundo o liberal João Cotrim de Figueiredo.
Goste-se mais ou menos das piadas, considere-se mais ou menos apropriado que um candidato a chefe do Governo faça piadas com gatinhos ou cãezinhos nas redes sociais, quando o que está em cima da mesa no dia 30 é demasiado sério, na verdade o recurso a esta simpatia clicável nem é inocente nem confere em si qualquer novidade.
Primeiro, porque os gatos sempre foram virais. O próprio criador da World Wide Web considerou os "gatinhos" como o conteúdo que mais o surpreendeu na rede. Segundo, porque o recurso a animais em publicações nas redes sociais de políticos tem sido usado e abusado para conquistar empatia.
Recorrer a estas técnicas de marketing político não tem mal nenhum. Faz parte. É fácil e simples. Mais difícil é usar as redes sociais em benefício da comunidade. Falar, responder, partilhar, agradecer. Interagir. E de interação com os eleitores estamos conversados. Publiquem mais gatinhos.»
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20.1.22
Amílcar Cabral
Em. 20.01.1973, Amílcar Cabral foi assassinado em Conacri. Tivesse a morte esperado um pouco mais e ele teria assistido ao 25 de Abril.
Mais informação AQUI.
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Nuno Teotónio Pereira – 6 anos sem ele
Um texto que escrevi quando chegou aos 90, com um brevíssimo resumo da sua biografia e com este vídeo com uma intervenção que fez um ano antes, numa homenagem que lhe prestámos.
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As ideias ou a falta delas
«Os debates políticos numa campanha para uma eleição legislativa são, devem ser, mais do que um momento de ataque e contra-ataque entre candidatos. Representam uma oportunidade de confronto democrático entre propostas e visões de desenvolvimento para a sociedade portuguesa.
Nos partidos da governação, PS e PSD, as diferenças são de dose ou de tonalidade. António Costa e Rui Rio defenderam a manutenção do Estado social tal como está, com ligeiras diferenças. Segurança Social pública, acesso e estrutura do Serviço Nacional de Saúde nos mesmos termos (com alterações de complementaridade mas mínimas), redução de impostos (um entende que a descida deve ser primeiro no IRS, o outro no IRC), mas ambos acreditam no atual modelo de progressividade com imensos escalões (IRS) e defendem a escola pública. Ou seja, PS e PSD acreditam no mesmo status quo, dizem é que aplicariam outra racionalidade. As suas propostas não representam portanto uma diferença, muito menos uma mudança, mas sim uma oferta de gestão diferenciada.
Não estão neste texto em causa visões ideológicas, mas tão-somente olhar para o que nos foi servido nos debates.
Na verdade, as novas propostas políticas que podem representar uma mudança de paradigma surgiram dos pequenos partidos.
Vejam-se, só para citar dois exemplos, as ideias da Iniciativa Liberal para a redução significativa de impostos sobre pessoas (flat tax); seguro de saúde universal que garanta liberdade de escolha na Saúde e um sistema misto de financiamento de pensões. Ou, à Esquerda, o Livre, que avançou com o rendimento incondicional, atribuição de subsídio de desemprego a quem se despede (mediante condições específicas).
Merece também reflexão a quase ausência de debate sobre temas com impacto na vida das pessoas, como as questões da habitação e o problema da escalada de preços de aquisição e arrendamento.
Ou a inflação, que implica o aumento dos custos da energia e de bens essenciais, já para não falar da natalidade e da demografia, da coesão territorial ou da regionalização. Espaço para apresentar ideias não faltou. Mas parece que faltam as ditas, que nos poderiam fazer olhar de outra forma para o futuro.»
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19.1.22
800.000 eleitores confinados?
Expresso, 19.01.2022
Nem comento as decisões de última hora, hoje anunciadas: votação de isolados e infectados «aconselhada» das 18 às 19h.
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Nara Leão – Seriam 80
Nara Leão chegaria hoje aos 80 e morreu em 1989 com apenas 47. Estreou-se em 1963, mas a sua verdadeira consagração deu-se depois do golpe militar de 1964, em «Opinião», um espectáculo de crítica à repressão policial. Foi passando de musa da Bossa Nova a cantora de protesto.
Canções? Muitas, com destaque para «O Barquinho», «Com Açúcar e com Afecto» e a inesquecível interpretação de «A Banda» com Chico Buarque da Holanda. Podem ser vistos neste post de 2019.
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Aumentar a produtividade pelo crescimento dos salários
«A produtividade do trabalho aferida como a produção média de uma hora de trabalho em cada país é uma medida do grau de sofisticação e especialização das diversas economias. Ela não mede o esforço colocado pelo trabalhador, mede antes em que setores a economia se concentra e o grau de mecanização e digitalização da economia. Um cavador energético e esforçado não consegue competir com um trabalhador preguiçoso e sonolento da agricultura moderna com rega automática e doseada e com tratores e maquinaria de ponta.
A falácia de que a produtividade depende do mero esforço humano mantém-se ridícula mesmo quando repetida mil vezes pelas entidades patronais e pelos governantes.
O cerne da produtividade do trabalho está, como sempre esteve, do lado das empresas. Da forma como investem em organização e em maquinaria, robotização e digitalização e, muito pouco, no que exigem de longas jornadas de trabalho, horas extraordinárias não pagas, precariedade laboral e baixos salários. Esta super exploração laboral é fruto da ineficácia das empresas em investir.
Enquanto as empresas não forem responsabilizadas e penalizadas pela baixa produtividade nacional o país vai continuar a empobrecer e a resolutamente entrincheirar-se na cauda da Europa.
Em 2014 a produtividade nacional era de 79% da produtividade média europeia, em 2020 era de 74,6%, isto é piorou. Em contrapartida só para citar um ou dois países a produtividade da Polónia era de 73,5% da média europeia em 2014 e de 81,6% em 2020. Não só não desceu
como a nossa mas cresceu e ultrapassou-nos. A Roménia que tinha uma das mais baixas produtividades europeias passou de 56,9% da média europeia para 75,2%, isto é também nos ultrapassou (dados do Eurostat).
Ainda estão 6 países atrás de nós, mas em muitos deles a produtividade está a crescer, a nossa vantagem é pequena e em breve seremos ultrapassados por mais alguns.
Enquanto a nossa produtividade se afunda nós continuamos no caminho do declínio convencidos como estamos que a governação foi um êxito e que somos cada vez mais europeus.
É preciso, pois, outra política. Em vez de sustentar a produtividade na super exploração laboral, que tem incentivado uma emigração em larga escala (um milhão de pessoas na última década, já superior à emigração dos passados anos sessenta) e que, no mundo tecnológico atual, pura e simplesmente não funciona, o que é preciso é o investimento massivo em tecnologias, organização e na atualização das condições laborais dos trabalhadores.
As atuais politicas laborais são um incentivo à decadência e obsolescência tecnológica assente na miragem de um competitividade pelo baixo custo da mão-de-obra. Uma competitividade que já nem o capital estrangeiro atraí porque poucos querem investir num mercado minguado nem em países em retrocesso.»
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18.1.22
Ary dos Santos
Deixou-nos há 38 anos, num 18 de Janeiro.
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Costa a sugar a Esquerda
«Mesmo tratando-se de um momento com tanto de marcante como de escusado, aquele erguer de mão de António Costa com um Orçamento de Estado defunto na mão, no final do debate com Rui Rio, merece reflexão.
O Governo caiu na sequência do chumbo deste documento, num divórcio com os parceiros da Esquerda que parece estar para durar. De outra forma, o líder do PS não faria daquele Orçamento bandeira de campanha. Se o recusaram uma vez, por que razão Bloco de Esquerda e CDU haveriam de o deixar passar dentro de meses?
Atendendo a estes sinais e à forma como decorreram os debates com as peças da finada "geringonça", António Costa parece apostar tudo numa maioria absoluta que, segundo as sondagens, será pouco provável. Mas os socialistas acreditam, o que é legítimo e compreensível. Surpreendente mesmo só a estratégia que estão a utilizar para a conseguirem, procurando entrar a fundo no eleitorado à esquerda do PS. Ao não ceder um milímetro às correções propostas por comunistas e bloquistas, tudo o que Costa conseguiu foi "provocar" eleições, que, numa espécie de teoria da responsabilização, resultam em perdas para estes dois partidos e ganhos para o PS.
Depois de dobrar com a vela aberta as tormentas que poderiam ser os debates televisivos, agora, com a campanha na estrada, Costa pensará apenas em manter o ritmo, sendo bem possível que continue a tentar minar o caminho às forças que, teoricamente, o podem ajudar a formar Governo. Aliás, até o PAN já pode considerar-se vítima, quando viu o ainda primeiro-ministro aconselhar quem não vota no PS a optar pelo bloco liderado por Inês Sousa Real. A melhor maneira de desmobilizar o eleitorado de um partido pequeno é fazer acreditar que votar noutro maior vai dar ao mesmo. E Costa, na sua demanda de sugar a Esquerda, parece estar a fazer isso bem.»
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17.1.22
17.01.1944 – Françoise Hardy
Françoise Hardy chega hoje aos 78. Leio que continua a sofrer de efeitos graves da radioterapia e não só e que afirmou, há alguns meses, que gostava de recorrer ao direito de morrer com dignidade: «Gostaria de ter essa hipótese, mas, dada a minha pequena notoriedade, ninguém vai ainda querer correr o risco de ser expulso da ordem dos médicos».
Seja como for, quando desaparecer, nós, «les garçons et les filles de son âge», ficaremos para sempre a dever-lhe memórias de ternura e de inocência. Voltar a ouvi-la, nos seus primeiros tempos, devolve-nos uma ingenuidade que parece hoje irreal, quase impossível que alguma vez tenha existido.
Ler mais e ver alguns vídeos neste post do ano passado.
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Votómetro
O Votómetro está a encher as redes sociais e também lá fui. É um questionário bem feito, embora incompleto, que dá ao próprio a imagem das suas tendências de voto em função das respostas a 21 perguntas.
Bingo, no meu caso, quanto à primeira escolha, mais ao menos coerência quanto ao resto.
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Costa mais arrogante, mas Rio não fala para os eleitores que precisa
«O momento mais triste do debate de quinta-feira foi quando, mesmo no fim, de uma forma um pouco infantil, António Costa exibiu a sua proposta de Orçamento do Estado para 2022. Esse gesto remetia para o que tinha sido dito uma hora antes, quando Costa mostrou aos portugueses a arrogância que muito provavelmente teve nas negociações: independentemente do resultado de 30 de janeiro, que traduzirá a vontade popular quanto à correlação de forças entre os vários partidos, se ele for, como indicam as sondagens, primeiro-ministro, o OE será exatamente aquele. Disponibilidade para negociar depois de ouvir o povo? Zero. Espero que quem tivesse dívidas quanto ao passado recente as tenha finalmente esclarecido. Talvez tenha sido este o tom no processo negocial.
A quem conseguirá Costa impor esta arrogância prévia? Aparentemente, sabe que a ninguém, por isso quer governar sozinho. Pode ser com maioria absoluta ou sujeitará o país ao pântano que escolheu, depois de quatro anos de estabilidade baseados em acordos escritos, em 2019. No meio, apela ao voto no PAN, o segundo momento mais absurdo do debate.
Sim, estou cansado de tanta arrogância. É ela que explica as críticas que desde 2019 faço a Costa, baseadas no pântano em que quer continuar a governar se não aceitarem a sua vontade. Pelo menos até haver uma vaga na Europa para fugir de um cargo de que parece estar farto. Mas há uma coisa que não faço: tomar este meu cansaço com o primeiro-ministro pelo estado de espírito da maioria país.
Nenhum dado em nenhuma sondagem (e nem me refiro especialmente às intensões de voto, mas mais a outras avaliações) nos permite concluir que o país está farto de Costa. O governo estará naturalmente mais desgastado, mas o primeiro-ministro não tem grandes índices de rejeição. E o problema de grande parte das análises que ouvi e li aos debates é basearem-se nesta convicção, que não tem outra fonte que não seja o sentimento dos próprios comentadores.
Costa sempre foi mau em debates (e em campanhas) e mesmo assim ganhou eleições. Na quinta-feira, foi péssimo a defender o legado deste governo. Mas o legado deste governo é amplamente conhecido e a avaliação da maioria parece ser consistentemente positiva. As incógnitas são outras: as condições políticas de governabilidade e o que tem o concorrente de Costa para oferecer. Quanto à primeira questão, Costa enfiou-se num beco ainda mais estreito. Os eleitores não costumam gostar de ser chantageados. Mas na segunda, as coisas não se podem resumir à desenvoltura da prestação de cada um.
Sim, Rui Rio esteve bem melhor do que é seu costume e as espectativas eram baixas. Ligo pouco a notas artísticas, mas até é possível que tenha estado melhor na forma do que Costa. Serve para animar os convencidos, é pouco relevante para o voto. Para o voto, quando se está a quase 10% de distância (em três sondagens de três empresas diferentes), conta a capacidade de atrair boa parte do eleitorado do lado de lá. Ou pelo menos desmobiliza-la, desdramatizando os riscos que dali pode vir. Tinha de se colocar ainda mais ao centro do que na campanha interna do PSD. Mais importante do que a posição geométrica: tinha de não assustar aqueles que votaram em Costa depois de quatro anos de geringonça e que até agora não mudaram de opinião. Não me parece que tenha conseguido conforta-los.
Não conseguiu quando manteve as críticas ao aumento do Salário Mínimo Nacional que não fez perder um emprego ou atrasou a economia, mas afastou milhares de trabalhadores da pobreza. E Costa até perdeu a oportunidade de o confrontar com a posição do PSD sobre a redução do passe social ou das propinas, apesar de as ter referido. É curioso, aliás, que estas bandeiras que o primeiro-ministro agita para sublinhar o aumento de rendimento indireto não estavam no programa do PS de 2015. São conquistas daqueles com quem não quer falar. Mas servem-lhe bem em campanha.Rio também não conseguiu falar para lá do seu campo quando prometeu uma queda do IRC (sem qualquer critério económico e social), deixando o IRS na mesma, aumentando assim o peso relativo do fardo fiscal sobre os trabalhadores. Não conseguiu quando Costa sacou da proposta de revisão constitucional e demonstrou que o PSD mantém a ideia de pôr fim ao SNS tendencialmente gratuito para a classe média – só assim pode ser lida a sua substituição pela garantia de que o “acesso a cuidados de saúde do SNS não pode em caso algum ser recusado por insuficiência de meios económicos”. E não conseguiu contrapor um horizonte com propostas concretas perante o estado de negação em que Costa vive em relação ao que está a acontecer no SNS. Tudo temas que dizem muito as pessoas.
A pergunta não é se os eleitores de Rio ficaram satisfeitos com a sua prestação, depois de 15 dias a fazer-se de morto. É se algum eleitor que em 2019 votou para reeditar uma aliança do PS com o BE e o PCP e que entretanto não mudou se opinião se sentiu confiante e confortável para mudar para Rio, mesmo que até o possa considerar mais genuíno (tanto que exibe sem filtros a sua ignorância em relação ao voto antecipado em mobilidade). Não o vi onde, sobretudo perante a distância que separa os dois. Terá sido ao agitar o “papão” de Pedro Nuno Santos? O maior desgaste a Costa foi causado pela arrogância de Costa. O que até pode ter causado mais estragos no flanco esquerdo do eleitorado do PS.»
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16.1.22
PS e PAN
«A abertura manifestada por António Costa no frente-a-frente televisivo com Rui Rio de poder vir a coligar-se com PAN, caso não consiga a maioria absoluta nas legislativas, deixou a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) indignada e com vontade de fazer campanha para boicotar o voto no PS nas eleições do dia 30 de Janeiro. (…)
Indignado com a situação, o secretário-geral da CAP disse este sábado ao PÚBLICO que está a apelar aos agricultores para o “risco enorme de votarem no PS”. “Votar no PS é comprometer a continuidade das actividades agrícolas tendo em conta as exigências que o PAN tem no seu programa eleitoral”, apontou, sublinhando que “esta posição de António Costa de governar em coligação com o PAN é uma linha vermelha para a Confederação dos Agricultores e pode custar ao PS entre 300 a 400 mil votos”.»
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O frenesim e a impotência política
@Edvard Munch
«Nas últimas semanas fomos tomados pelo frenesim mediático em torno dos debates da pré-campanha eleitoral. Para quem guardou algum distanciamento, o que se vislumbrou provocou apenas melancolia, pela dissociação entre a excitação em torno das performances e do desenho de cenários políticos depois das eleições, e a escassez de novidades. Não faltam partidos políticos. Não falta agitação. Mas é tudo algo artificial ou previsível. Os problemas são comprimidos. E não apareceram ideias, empenho mobilizador e outras possibilidades para superar os impasses.
O mundo mudou. O modelo neoliberal dominante e consensual durante décadas tem revelado erosão. Produz-se muito, mas as desigualdades avolumam-se. A democracia é agredida. Estamos imersos numa crise ambiental e a tentar sair da pandemia – mas nos debates nada disso se entreviu. Claro que existem muitas diferenças de conteúdo e de estilo entre as diferentes propostas, mas sente-se cristalização nas respostas políticas. Fala-se até à náusea de carga fiscal, mas nunca da aplicação dos nossos impostos, se para bens públicos, saúde, educação, cultura e ciência de qualidade para todos, ou para subsidiar uma mão-cheia de empresas.
Tal como se discorre sobre crescimento económico, visto como a solução de todos os problemas, mas sem um desenho global. Todos desejam que a economia cresça, mas mesmo nas economias mais estáveis o crescimento é hoje residual, se compararmos com o que acontecia há dez ou 20 anos. Por outro lado, vivemos com a consciência de que o crescimento não é infinito, pela situação ambiental. O crescimento deve ser meta, mas em coabitação com novos cenários de desenvolvimento e redistribuição, tendo em atenção as desigualdades e os recursos limitados do planeta.
Nos debates o que se viu foi a repetição do mantra do crescimento económico como se estivéssemos nos anos 80 dos yuppies. É como se quiséssemos resolver os problemas, recorrendo aos princípios que estiveram na sua origem. E depois falou-se também muito da Justiça e do Serviço Nacional de Saúde. Ainda bem. São fundamentais. Mas também a educação, a cultura, a habitação, a sustentabilidade do Estado social, a Europa, a transição digital, a emigração, as discriminações e exclusões, e disso falou-se pouco ou nada. Até nessa conformidade de não nos desviarmos da lógica doméstica, do aqui e agora, faltou discutir-se com mais profundidade os fundos europeus.
E, quando se afloraram algumas novidades, como o rendimento básico incondicional, imperou a preguiça de alguns, sempre prontos a cunhar de “delirantes” tais propostas, quando toda a gente sabe que o mercado de trabalho passa por profundas transformações. Não são apenas os vencimentos baixos. É como reduzir a carga horária sem que isso signifique reduzir salários. É como fazer com que as inovações tecnológicas não constituíam um problema, mas sejam solução para a criação de trabalhos mais criativos e ajudar a abolir os automatizados.
Em 2015, em Portugal, houve um momento em que pareceu que era possível romper com esta cristalização política, quando o PS e os partidos à sua esquerda, por norma excluídos do chamado “arco da governação”, viabilizaram uma solução governativa. Foi um arrojo parcial, mas que serviu para mostrar que a ladainha do “não existe alternativa à austeridade” era um equívoco. A solução estava em devolver, e não em cortar, rendimento às famílias. Não foi uma revolução, mas foi importante, até internacionalmente, para mostrar que há outras opções para enfrentar alturas de crise.
Agora, durante os debates, a sensação é que voltamos para uma zona de paralisia. Até a pandemia, um acontecimento com profundo impacto, e que impõe reflexões de mudanças de paradigma, foi abordado como se fosse um mero acidente de percurso. As eleições legislativas deviam ser oportunidade para pensar o futuro. Não se duvida que alguns políticos levem a sério esse propósito, mas até agora a exaltação mediática apenas tem sublinhado uma certa impotência, quando precisávamos da criação de horizontes.»
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