16.1.22

O frenesim e a impotência política

 

@Edvard Munch

«Nas últimas semanas fomos tomados pelo frenesim mediático em torno dos debates da pré-campanha eleitoral. Para quem guardou algum distanciamento, o que se vislumbrou provocou apenas melancolia, pela dissociação entre a excitação em torno das performances e do desenho de cenários políticos depois das eleições, e a escassez de novidades. Não faltam partidos políticos. Não falta agitação. Mas é tudo algo artificial ou previsível. Os problemas são comprimidos. E não apareceram ideias, empenho mobilizador e outras possibilidades para superar os impasses.

O mundo mudou. O modelo neoliberal dominante e consensual durante décadas tem revelado erosão. Produz-se muito, mas as desigualdades avolumam-se. A democracia é agredida. Estamos imersos numa crise ambiental e a tentar sair da pandemia – mas nos debates nada disso se entreviu. Claro que existem muitas diferenças de conteúdo e de estilo entre as diferentes propostas, mas sente-se cristalização nas respostas políticas. Fala-se até à náusea de carga fiscal, mas nunca da aplicação dos nossos impostos, se para bens públicos, saúde, educação, cultura e ciência de qualidade para todos, ou para subsidiar uma mão-cheia de empresas.

Tal como se discorre sobre crescimento económico, visto como a solução de todos os problemas, mas sem um desenho global. Todos desejam que a economia cresça, mas mesmo nas economias mais estáveis o crescimento é hoje residual, se compararmos com o que acontecia há dez ou 20 anos. Por outro lado, vivemos com a consciência de que o crescimento não é infinito, pela situação ambiental. O crescimento deve ser meta, mas em coabitação com novos cenários de desenvolvimento e redistribuição, tendo em atenção as desigualdades e os recursos limitados do planeta.

Nos debates o que se viu foi a repetição do mantra do crescimento económico como se estivéssemos nos anos 80 dos yuppies. É como se quiséssemos resolver os problemas, recorrendo aos princípios que estiveram na sua origem. E depois falou-se também muito da Justiça e do Serviço Nacional de Saúde. Ainda bem. São fundamentais. Mas também a educação, a cultura, a habitação, a sustentabilidade do Estado social, a Europa, a transição digital, a emigração, as discriminações e exclusões, e disso falou-se pouco ou nada. Até nessa conformidade de não nos desviarmos da lógica doméstica, do aqui e agora, faltou discutir-se com mais profundidade os fundos europeus.

E, quando se afloraram algumas novidades, como o rendimento básico incondicional, imperou a preguiça de alguns, sempre prontos a cunhar de “delirantes” tais propostas, quando toda a gente sabe que o mercado de trabalho passa por profundas transformações. Não são apenas os vencimentos baixos. É como reduzir a carga horária sem que isso signifique reduzir salários. É como fazer com que as inovações tecnológicas não constituíam um problema, mas sejam solução para a criação de trabalhos mais criativos e ajudar a abolir os automatizados.

Em 2015, em Portugal, houve um momento em que pareceu que era possível romper com esta cristalização política, quando o PS e os partidos à sua esquerda, por norma excluídos do chamado “arco da governação”, viabilizaram uma solução governativa. Foi um arrojo parcial, mas que serviu para mostrar que a ladainha do “não existe alternativa à austeridade” era um equívoco. A solução estava em devolver, e não em cortar, rendimento às famílias. Não foi uma revolução, mas foi importante, até internacionalmente, para mostrar que há outras opções para enfrentar alturas de crise.

Agora, durante os debates, a sensação é que voltamos para uma zona de paralisia. Até a pandemia, um acontecimento com profundo impacto, e que impõe reflexões de mudanças de paradigma, foi abordado como se fosse um mero acidente de percurso. As eleições legislativas deviam ser oportunidade para pensar o futuro. Não se duvida que alguns políticos levem a sério esse propósito, mas até agora a exaltação mediática apenas tem sublinhado uma certa impotência, quando precisávamos da criação de horizontes.»

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