24.6.23

Portas e vitrais

 


Porta de sala de estar Arte Nova, com vitrais da Joalharia Ruys. Antuérpia, 1902.
Arquitecto Ferdinand Truyman.

Daqui.
.

Tudo a correr normalmente

 


As TVs já substituíram o Titan por Prigozhin.

N. B. – Está o mundo inteiro cautelosamente à espera do desenvolvimento dos acontecimentos e, nas redes sociais portuguesas, não se resiste a dar ou pedir bocas sobre o futuro, como se não existisse um dia de amanhã que todos desconhecemos.
.

Em dia de canícula

 

.

Multibancos em linha reta

 


«Não há maternidades, não há estradas, não há serviços públicos, não há escolas, a rede de comunicações é, em muitas latitudes, deficiente, há poucos espetáculos, faltam os fundos e as gentes e, a enlaçar este bouquet, a certeza de que quase metade do país não tem uma caixa multibanco.

O problema não é novo, mas tem vindo a agudizar-se. Um levantamento recente feito pelo Banco de Portugal concluiu que 42% de freguesias não têm acesso a nenhum terminal e que há vários municípios, rurais e urbanos, obrigados a desembolsar centenas de euros por mês para garantir um serviço que devia ser prestado pelos bancos (não há muitos anos, era a Banca que dispensava centenas de euros às freguesias para ter uma caixa).

Para uma fatia considerável da população menos familiarizada com o homebanking, o multibanco continua a servir para efetuar pagamentos essenciais, como a energia e as telecomunicações. O ato de efetuar operações bancárias físicas, e à cabeça a necessidade de ter acesso a dinheiro vivo para cumprir rotinas básicas, como comprar pão, fruta ou o jornal, não devia constituir uma excentricidade.

A Banca, todos o sabemos, não está preocupada com a coesão territorial. Basta, de resto, atentarmos no critério usado para a instalação dos terminais, segundo o qual a distância até ao multibanco deve ser entre 10 e 20 quilómetros em linha reta. Algo que no Alentejo até pode fazer sentido, mas que em Trás-os-Montes ou na serra da Estrela se revela um perfeito absurdo. Em sua defesa, os bancos, que estão a abandonar o território há anos, alegam que Portugal é dos poucos países da Europa onde não se cobra uma taxa de levantamento.

Mas se esse argumento, embora pífio, até possa ser aceitável para muitas instituições, exige-se que a Caixa Geral de Depósitos, como banco do Estado, faça muito mais. Pelas razões óbvias, mas sobretudo porque teve um lucro de 843 milhões de euros. Contribuir para a coesão nacional também é uma forma nobre de distribuir dividendos.»

.

23.6.23

Janelas

 


Janela de vitrais na Vila Kőrössy. Budapeste, 1899-1900.
Arquitecto: Albert Kálmán K Archrössy, Vitrais: Miksa Roth.


Daqui.
.

Não passarão, mas tem dias

 

«O quase insignificante episódio da escala de Costa em Budapeste dissolveu-se no ar. Todas as mais sorrateiras justificações têm eco popular: o homem gosta de futebol, e quem não gosta; em calhando, até foi lá apalavrar em segredo um campeonato em Portugal, depois da Jornada Mundial da Juventude precisamos de um novo desígnio nacional e não há melhor do que a bola; no mínimo, foi cumprimentar um colega com quem tem “relações de trabalho”, diz o comunicado oficial. Tudo é leve e, portanto, passa depressa. O que restou, no entanto, foi a pergunta mais difícil: e o “não passarão”, entoado em tom heroico em comícios ainda há pouco, aliás até repetido no Parlamento como um chamamento às armas, em cenas que deixam o país suspenso, agora é que chega a vias de facto? Que é feito dessa promessa garbosa de um levantamento antifascista, de uma intransigência moralizante, de uma aliança progressista europeia — o termo foi mesmo usado repetidamente — e de um combate valente contra as forças das trevas? Nada, pois era o que se esperava.»

.

Boris Vian morreu num 23 de Junho

 


Boris Vian morreu com 39 anos em 23 de Junho de 1959. Escritor, engenheiro mecânico, inventor, poeta, cantor e trompetista, teve uma vida muito acidentada e ficou sobretudo conhecido pelos livros de poemas e alguns dos seus onze romances, como L’écume des jours e L’automne à Pékin.

Célebre ficou também uma canção – Le déserteur – que foi, durante muitos anos, uma espécie de hino para todos os que recusavam a guerra, incluindo muitos portugueses.

Alguns vídeos, incluindo o da canção referida, AQUI.
.

E se o submarino transportasse refugiados?

 


«O espaço mediático do submersível desaparecido junto aos destroços do Titanic, com cinco pessoas a bordo, remete-nos para uma espécie de banalização das tragédias. Inconsciente, mas reveladora de alguma insensibilidade para o drama daqueles que há anos, dia após dia, enfrentam a escolha entre a miséria e a guerra.

É natural que o resgate dos ocupantes do submarino mereça toda a atenção, tal como aconteceu, por exemplo, com a saga dos 33 chilenos que ficaram presos numa mina em San José, e que foram salvos após 69 dias. Ou, mais recente, a história de Rayan, o menino marroquino de cinco anos que esteve preso num poço com 32 metros de profundidade, e que acabou por ser resgatado sem vida.

O Mundo acompanhou estes dramas com ansiedade, minuto a minuto, e com expetativa. Os “33”, número que batizou o grupo dos mineiros, ou Rayan são pessoas como nós. Podiam ser nossos pais, irmãos, filhos.

Essa preocupação, atenção, e até carinho, não é a mesma para com aqueles que fazem viagens longas e perigosas para escapar a conflitos armados, violência, pobreza e aos efeitos tenebrosos das alterações climáticas. Aqueles que procuram tão-só o direito a viver. Que encontram no mar Mediterrâneo a sua última morada, o seu cemitério.

O Dia Mundial do Refugiado foi assinalado pelas Nações Unidas na terça-feira. Sem pompa ou circunstância. Entre portas ou fora delas.

Estes cidadãos, com os mesmos direitos do que qualquer um de nós, não abandonam as suas casas à procura de luxo, nem de bons salários, nem de boas habitações, nem de bom tempo. Procuram sobreviver. Como os mineiros, como Rayan, como os ocupantes do submarino perdido.

O tema dos refugiados não se pode tornar spam. Eles não são lixo, mesmo que sejam descartáveis para uma grande parte dos governantes.»

.

22.6.23

Edifícios

 


Edifício Félix Potin, Arte Nova. Paris, 1904.
Arquitecto: Félix Auscher.

[Mais sobre este Edifício aqui.]


Daqui.
.

Não acreditamos nisto, pois não?

 


Le Monde, 21.06.2023
.

Vigilância nas democracias europeias

 


«Há poucos anos, Shoshana Zuboff notabilizou-se pelo seu livro “Capitalismo de vigilância”, que descreve como, atualmente, os dados pessoais são objeto de um processo de vigilância massiva na internet, levada a cabo por empresas que nos fornecem serviços online gratuitos, como os motores de busca (Google) e as plataformas de redes sociais (Facebook). Estas empresas recolhem e analisam os nossos comportamentos em linha para produzir dados que podem ser posteriormente utilizados para fins comerciais, monetizando-os. Na maior parte das vezes, não conseguimos ter noção da extensão da vigilância de que somos alvo. Apesar de tudo, trata-se de plataformas relativamente às quais podemos exercer o nosso direito de opt-out.

Contudo, outro tipo de vigilância, mais invasivo, relativamente ao qual não existe opting out, e, em alguns casos, efetuado diretamente pelos Estados e entidades públicas, à margem ou em violação da lei, foi revelado por um consórcio de jornalistas e ONGs, demonstrando que não só países terceiros mas também Estados europeus utilizaram o Pegasus e spyware de vigilância similar contra jornalistas, membros da oposição, diplomatas, advogados e atores da sociedade civil.

Na sequência da constituição de uma comissão de inquérito do Parlamento Europeu para investigar a utilização do software espião de vigilância Pegasus e equivalentes, chegou-se a conclusões alarmantes. Em Espanha, muitas figuras pró-independência catalã foram visadas por duas categorias de software espião, incluindo o primeiro-ministro, o ministro da Defesa e o ministro do Interior, no âmbito do Catalangate. Embora as autoridades espanholas aleguem ter visado cerca de 18 pessoas com autorização judicial, até à semana passada não divulgaram os mandados nem divulgaram quaisquer outras informações, invocando a segurança nacional para justificar a utilização de software espião para efetuar vigilância de pessoas em Espanha.

Na Grécia, este tipo de práticas foi utilizado praticamente deste o início do governo de Kyriákos Mitsotákis, que chamou a si a coordenação dos serviços secretos, os quais mantiveram sob vigilância jornalistas e membros da oposição. Também o governo polaco admitiu a utilização do software, alegadamente utilizado, de modo rotineiro, contra membros da oposição. Na Hungria, a utilização deste tipo de software de espionagem é qualificada como um elemento estrutural de um sistema concebido para controlar e oprimir a oposição, os jornalistas e qualquer denunciante do regime.

Estas práticas denotam a utilização de tecnologias de vigilância por entidades governamentais para violar direitos humanos e minar o processo democrático. Uma resolução aprovada pelo Parlamento Europeu, na semana passada, a 15 de junho, considera que o comércio e a utilização de software espião deve ser objeto de uma regulamentação rigorosa. Essa resolução conclui também, contudo, que nem os Estados-Membros, nem o Conselho Europeu, nem a Comissão Europeia parecem interessados em maximizar os seus esforços para investigar plenamente o abuso de software espião, acabando, por essa forma, por proteger conscientemente os governos nacionais que violam os direitos humanos. Perante a tensão entre segurança e soberania nacionais e direitos humanos, o pêndulo da balança continua desequilibrado.

Em Portugal, o Governo já esclareceu, na Assembleia da República, pela voz do ministro da Administração Interna, que não utiliza nem pretende utilizar o Pegasus. Contudo, o relatório do Parlamento Europeu alude a uma investigação divulgada pela Lighthouse Reports que revela que Portugal, juntamente com outros países, tem sido exposto à atividade da Tykelab, uma empresa sediada em Roma que utiliza um software que explora vulnerabilidades nas redes telefónicas que permitem a terceiros ver a localização dos utilizadores e, potencialmente, intercetar as suas chamadas sem que seja deixado qualquer registo de compromisso nos seus aparelhos. A quem são prestados estes serviços? Quem é vigiado? Não se sabe. Mas, atendendo a que esta investigação é de agosto de 2022, ninguém parece muito interessado em saber.»

.

Mariana Mortágua sobre SNS

 



Ontem na AR.
.

21.6.23

Interiores

 


Interior da Casa Manel Felip. Barcelona, 1901.
Arquitecto: Telm Fernández & Janot.


Daqui.
.

Separação

 

.

Solstício

 


Há alguns anos, vivi o dia mais longo da minha vida bem ao Norte, na belíssima cidade norueguesa de Bergen. O bom gosto chegou lá e instalou-se. As casas, o verde, a água, a luz, as cores do mercado – nada destoa, tudo parece ter sido inventado para se completar, nessa cidade de pouco mais de 270.000 habitantes, onde 15h30 é hora de deixar empregos e regressar a casa («pega-se»» às 8).

Diz-se feliz por não ser demasiado fria quando comparada com outras, nem tanto assim por ter fama de ser a mais chuvosa da Europa (já contou com 85 dias consecutivos com água a cair dos céus…). Mas quando lá estive tive sorte: apanhei Sol, quase sempre Sol.


.

Futebol: os podres que se escondem à vista de todos

 


«Trancados com cadeados numa academia de futebol, aos grupos de dez a doze jovens amontoados em beliches em cada quarto, com o passaporte confiscado à entrada, sem acesso à escola onde nunca foram inscritos e sem poder sair a não ser para ir treinar. Era este o ambiente concentracionário, onde imperava a pressão psicológica e ameaça física, que se vivia na BSports, uma academia agora desmantelada pelo Ministério Público com a acusação de envolvimento no tráfico de pessoas. O relato é de um jovem guineense com 20 anos, Kelly, que fugiu da academia quando percebeu o esquema de enganos e mentiras em que se tinha visto envolvido. Tinha o sonho de percorrer o caminho do seu primo, Ansu Fati, estrela do Barcelona e internacional por Espanha.

Como diz Joaquim Evangelista, presidente do Sindicato dos Jogadores de Futebol, numa entrevista ao “Público”, “este caso abala os alicerces do futebol”. Tem razão. O dono da academia é Mário Costa, presidente da Mesa da Assembleia Geral da Liga Portuguesa de Futebol Profissional até ter renunciado ao cargo, depois de ter sido constituído arguido.

O principal patrocinador da academia era a empresa que dá o nome à Liga de Honra, o segundo escalão mais importante do futebol em Portugal, e o presidente Sapgem detém uma participação na Sociedade Anónima Desportiva do Lusos DB, um dos clubes associados ao centro liderado por Mário Costa.

O esquema montado revela uma verdadeira economia circular. Um dos principais dirigentes da Liga adquire pequenos clubes na zona norte do país para aí colocar a rodar jovens que vai aliciar a África, Ásia e América Latina, a quem cobravam entre 600 e 2000 euros por mês. Joaquim Evangelista diz que este caso, embora com ligações ao mais alto nível do futebol, é a ponta do icebergue da exploração ilegal de jovens estrangeiros que o sindicato tem vindo a denunciar.

Do conflito de interesses que devia ser evidente, mas nunca preocupou a Liga e os clubes, ao grau zero de moralidade que revela sobre o mundo que gravita à volta do futebol, é exemplar sobre a tolerância e falta de escrutínio que impera na atividade que ocupa maior tempo de antena no país.

O futebol é o único caminho que muitos jovens miseráveis imaginam para sair de um mundo de privações. É um sinal de esperança para milhões para conquistarem um lugar na vida onde só cabem muito poucos. Por cada Ronaldo, Messi ou Fati há um exército de jovens prostrados nos seus sonhos e um sem número de Kellys, explorados por todo o tipo de oportunistas sem escrúpulos.

Num país onde o futebol ocupa um espaço mediático sem paralelo, são raras as vezes que se discute o que por ali realmente acontece. Os negócios, os esquemas e o que gravita em seu redor. Porque a comunicação social aceita ficar-se pelo papel de parceira de um espetáculo que vale muito dinheiro. E porque é impossível discutir o que quer que seja que envolva Benfica, Porto e Sporting.

Mário Costa era um dos dirigentes mais poderosos do futebol português, mas não estava ligado a nenhum dos “grandes”. Se estivesse, logo se alinhariam, nas redes sociai, exércitos em defesa do mérito do trabalho da BSports na integração e formação de jovens. Neste ambiente tóxico, tudo é pretexto para o confronto tribal, alimentado por “diretores de comunicação”, em que se cauciona tudo o que se critica fora do mundo da bola, da corrupção à violência.

É o medo que este clima inspira ao poder político, mediático, económico e até policial e judicial que explica que o lado obscuro do futebol se vá escondendo à vista de todos. O poder do futebol advém deste sentimento de impunidade, da ideia que se move por outras regras e está sujeito a um escrutínio diferente ao aplicado a outras atividades. É assim que figuras do calibre de Mário Costa chegam a cargos de topo sem qualquer rebuço moral e sem que alguém os questione sobre os conflitos de interesses nos seus negócios, evidentes muito antes de se conhecer a exploração da dignidade humana em que assentavam.

No início desta época desportiva, em setembro, foi notícia que Fábio Lopes, um popular apresentador de rádio, tinha deixado dezenas de jogadores dos distritais na miséria, depois de uma série de promessas irrealistas que nunca foram cumpridas. Os contornos do caso são bem diferentes, bem sei, mas vale a pena lembrar como depois da indignação momentânea, tudo voltou ao lugar de partida como se nada tivesse acontecido. Escondido à vista de todos. Como sempre.»

.

20.6.23

Mais um vaso

 


Vaso de vidro esmaltado, Áustria, fim do século XIX.
Ludwig e Josef Lobmeyr.


Daqui.
.

JMJ – Mas o que é isto?

 


Temos pessoas que servem a escola pública forçadas a se sacrificarem por causa de um encontro de católicos com um papa?


«De acordo com o pré-aviso, o objetivo é "denunciar e impedir o recurso forçado dos trabalhadores não docentes das escolas da rede pública para funções relativas à Jornada Mundial da Juventude", o "impedimento do gozo de férias na última semana de julho e a primeira semana de agosto que lesam os trabalhadores e prejudicam a organização do próximo ano letivo" e o facto "ilegal" dos mapas de férias não estarem afixados no prazo previsto na lei (15 de abril). (…)

Os trabalhadores querem "impedir o recurso abusivo" a trabalho suplementar, exigir o "respeito pelos trabalhadores não docentes relativamente ao seu conteúdo funcional, que devem estar em funções para a comunidade educativa".»
.

João Semedo

 


Seriam 72. Obrigada, uma vez mais, João.
.

Preparamos os nossos filhos para viverem sem nós?

 


«Além de atividades como comer sentado à mesa, usar o banheiro e dormir a noite inteira — que ensinamos a nossas crianças ao longo dos primeiros anos de vida — há muitas outras informações e conhecimentos necessários de serem passados de mãe para filho, de ser humano mais velho para ser humano mais novo, que talvez estejamos deixando para trás.

A jornada de sobrevivência de quatro crianças na floresta amazônica na Colômbia, resgatadas após 40 dias de um acidente aéreo no qual três adultos morreram, incluindo a mãe delas, me tocou.

A grande heroína foi a irmã mais velha, de 13 anos, que conseguiu manter os mais novos com vida utilizando o que aprendeu com a mãe, no dia a dia, no trato com os irmãos. E isso me fez refletir se estamos realmente criando nossos filhos para sobreviverem caso não estejamos presentes.

Preparamos os nossos filhos para viverem sem nós? Temos treinado nossas crianças, especialmente nas grandes cidades, para que tenham posicionamento relevante na sociedade, o que é muito importante, mas atividades do dia a dia nem sempre têm feito parte dos ensinamentos de muitas famílias.

Não estar mais aqui não significa necessariamente morrer. Além disso, não estou defendendo um treinamento de sobrevivência na selva. Seja ela a natural ou a "selva de pedra". Podemos não estar presentes se precisarmos viajar por um tempo mais longo, ou se formos acometidas por problemas de saúde que nos impeçam de fazer atividades básicas ou nos levem a ser internadas.

Não gostamos de pensar na finitude humana — especialmente das mães — e ainda encaramos a morte como um tabu. Mas é preciso saber que não somos eternas. Essa questão me pegou muito forte quando, em 2022, precisei passar por duas cirurgias um tanto severas, que levaram 16 pedaços de mim.

Minhas meninas tinham, na época, 10 e 15 anos. Desde então — desde que a possibilidade de não estar mais presente na vida delas se tornou algo muito real mesmo que momentaneamente — tenho não apenas pensado no que é necessário ensinar, mas tratado disso de forma clara em nossas conversas, sem assustá-las.

Saber cozinhar, cuidar das próprias coisas, pensar duas vezes antes de fazer ou dizer algo, respeitar o seu corpo e as suas escolhas são ensinamentos necessários para a vida delas com ou sem mãe. Mas ter noção da sobrevivência básica vai além disso.

Não tenho aqui a lista completa e exata do que deveria ser ensinado, mas creio que o mínimo sobre se alimentar, cuidar do corpo e de si, evitar doenças, saber quando comer algo e que tipo de remédio tomar em emergências é essencial. São coisas que aprendemos com nossos antepassados e que precisamos prestar mais atenção se estamos passando para frente.

Não creio que a mãe colombiana tenha treinado as crianças para sua morte. Ela apenas transmitiu a seus filhos ensinamentos básicos sobre a existência humana, ligados especialmente à natureza. Além dos quatro pequenos guerreiros, essa mulher deixou uma lição: filhos não são um membro do nosso corpo, embora pareçam representar nosso coração. Eles são seres humanos que merecem viver e precisam ser preparados para a vida, mesmo que seja sem nós, mães.»

Exclusivo PÚBLICO/Folha de S.Paulo
O PÚBLICO respeitou a composição do texto original, com excepção de algumas palavras ou expressões não usadas em português de Portugal.

.

19.6.23

Mais um jarro

 


Jarro de vidro com montagem em prata maciça, cerca de 1900.
Nancy Daum.


Daqui.
.

Vítor Wengorovius

 


Chegaria hoje aos 86. Um ser maravilhoso que tive a sorte de conhecer bem.
.

Chico chega hoje aos 79!

 


Chico Buarque da Holanda nasceu em 19.06.1944. Vi-o pela primeira vez em 1966, em Lisboa, em «Morte e Vida Severina», estreada no Brasil pouco antes, com poema de João Cabral de Melo Neto e música do Chico. É até difícil imaginar que este tinha então apenas 22 anos!

Muitos o recordarão hoje de outras formas, eu prefiro esta:


.

Costa, Orbán, futebol e não só

 



Eu faço a pergunta que ainda não vi: a UEFA convidou TODOS os PMs que iam a caminho da Moldávia para a reunião do dia seguinte? Porquê Costa? Inventem outra, esta não pega
.

A escapadinha orbanista de António Costa

 


«A ida de António Costa à final da Liga Europa, na Hungria, fazendo escala na participação na II Cimeira da Comunidade Política Europeia, em Chisinau, Moldávia, tem três dimensões e as três são condenáveis.

A primeira é usar meios do Estado (o Falcon 50 da Força Aérea) para o que só poderia ter sido uma visita particular. Nem o Roma, nem o Sevilha são clubes portugueses e o apoio a um treinador ou um jogador português é um pretexto absurdo. O primeiro-ministro não faria outra coisa na vida se isso servisse de argumento para estar em jogos de futebol sem ser a título pessoal.

A segunda é esta escala não ter sido incluída na agenda oficial – e por isso só é notícia agora –, atentando contra a transparência do Estado. O facto de tal não ter acontecido demonstra, aliás, que o primeiro-ministro tinha plena consciência do absurdo desta escala.

A terceira é, por causa desta presença, o líder do governo português ter sido obrigado, como era previsível, a estar no camarote presidencial do Puskás Arena, em Budapeste, ao lado de Viktor Orbán. Há quem ache que era esse o desejo. Não me aventuro em conjeturas.

Fui dos que compreenderam a posição do primeiro-ministro quando, em rondas negociais para a distribuição de fundos europeus, defendeu que o respeito pelo Estado de Direito não podia ser critério na distribuição de dinheiro. A violação da democracia não se compra. Se a Europa assume que a Hungria não é uma democracia, deve expulsá-la da União. Não vai inventando critérios para distribuir recursos comuns. Hoje são estes, amanhã são os que derem mais jeito a quem parte e reparte e fica sempre com a melhor parte. Já há informalidade que chegue numa União que não respeita, ela própria, os princípios mais básicos das regras democráticas, como bem se recordam os gregos. Eu acho que a Hungria e a Polónia não preenchem as condições políticas para continuarem na UE. Mas, enquanto fizerem dela parte, são membros de pleno direito.

É natural que António Costa se encontre com todos os líderes europeus, mesmo com os mais detestáveis. As relações diplomáticas assim o exigem. Temos relações com os regimes saudita e chinês. Encontros diplomáticos não implicam proximidade política, como Paulo Portas pode explicar, quando se encontrou (e bem) com Nicolás Maduro.

Mas isto vale para encontros oficiais em que os Estados tratam dos seus interesses. Bem diferente é ver António Costa sentar-se ao lado de Viktor Orbán para assistir a um jogo de futebol em que o nosso país nem sequer está envolvido. Não sei se Costa foi a Budapeste porque lhe apetecia descomprimir da intensa vida política nacional ou para continuar a alimentar uma boa relação com a extrema-direita húngara pensando nas suas ambições europeias. Em qualquer dos casos, foi isso, ia às suas custas. Sei que, num e noutro caso, o Estado português não devia ter sido envolvido.

O primeiro-ministro merece censura, não merece os censores que andaram com Orbán ao colo enquanto ele violava todas as regras democráticas, convivendo com ele no seu próprio partido europeu. Mas é compreensível que a direita não perca a oportunidade de apontar a António Costa, que faz da falta de clareza do PSD em relação ao Chega o centro da estratégia política do PS, as suas próprias contradições. É o mesmo de sempre: quando não estão em causa os seus interesses, Costa não pensa para lá do momento.»

.

18.6.23

Mais um candeeiro

 


Candeeiro Arte Nova de metal dourado, Alemanha, cerca de 1900.
Ferdinand Schmitz para Orivit.


Daqui.
.

Para uma tarde de domingo

 


.

18.06.46 – Maria Bethânia

 


Chega hoje aos 77 com quase 60 anos de uma carreira iniciada em 1963, quando o seu irmão Caetano Veloso a convidou a participar na peça «Boca de Ouro». Foi nessa época que, tal como Caetano, conheceu Gilberto Gil e Gal Costa, e com eles entrou em «Nós, Por Exemplo» (Agosto de 1964).

E continua…

Para recordar, clicar AQUI para ver alguns vídeos.
.

O tweet de Guterres

 


«No dia em que Nova Iorque foi coberta de fumo originado nos incêndios do Canadá, António Guterres publica um tweet com uma fotografia sua acompanhada de uma legenda. Na fotografia, tirada numa sala das instalações da ONU, vê-se em primeiro plano uma mesa ladeada de cadeiras vazias; mais ao fundo, à esquerda, recorta-se a silhueta de Guterres, que olha através de uma grande janela quadriculada para os arranha-céus que assomam por entre o fumo. A legenda diz: “Com as temperaturas globais a aumentar, a necessidade de reduzir urgentemente o risco de incêndios florestais é urgente. Temos de fazer as pazes com a natureza. Não podemos desistir.”

Este dever de “fazer as pazes com a natureza” pode ser facilmente visto como um banal floreado, quando, na realidade, traduz um dever cujo incumprimento compromete seriamente o lado prazeroso de se estar vivo. A imagem, por sua vez, é única nos tweets de Guterres, e quem a tirou soube avaliar o valor estético e político que aquele quadro particular representava. De uma janela da sede da ONU, Guterres olha para o cenário proto-apocalíptico que se estende à sua frente. Interrogamo-nos sobre o que poderá estar a pensar e a sentir, para além da legenda.

Nos últimos anos, Guterres tem-se desdobrado em esforços que muitos consideram ineficazes, indicando a falta de operacionalidade da gigante e datada organização de que é secretário-geral. O que pode estar bem longe da verdade. Não só Guterres conhecerá bem os seis relatórios do IPCC, Intergovernmental Panel on Climate Change, como terão também a si chegado outras investigações relativas às frentes que a organização estabeleceu em 2016, nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Destes vários tópicos e de toda a sua outra atividade, chegar-lhe-á informação sobre o combate à pobreza; migrações; racismo; qualidade da educação; igualdade de género; luta por energia limpa e por cidades e comunidades sustentáveis; guerra e paz; geopolítica; equidade e justiça.

Só talvez a confluência e cruzamento de toda esta informação possa proporcionar um voo analítico geral sobre as realidades desconcertadas e assimétricas da cultura humana, que desembocam na tripla crise que vivemos — alterações climáticas, perda de biodiversidade e poluição. Talvez seja esse voo de pássaro o que permite a Guterres, como a nenhuma outra personalidade da atualidade política, fazer os diagnósticos corretos e comunicá-los: “É imoral que as petrolíferas e as empresas de gás estejam a fazer lucros recordes a partir da crise energética à custa de pessoas e comunidades, com um custo enorme para o clima (...) Exorto as pessoas em todo o mundo a enviarem uma mensagem clara à indústria dos combustíveis fósseis e a todos os seus financiadores: esta ganância grotesca está a castigar as pessoas mais pobres e vulneráveis, enquanto destrói a nossa única casa.”

Entretanto, fazendo ouvidos de mouco, desconfia-se de que os jovens ativistas estejam apenas a viver os seus “400 coups", entretidos com ideias revolucionárias para passar o tempo. Há também quem desconfie de que o ativismo climático se reduz ao efeito-melancia — verde por fora, vermelho por dentro. São suspeitas cinzentas que, com boa vontade, se acabam por entender. Mas não confiar no que António Guterres nos tem vindo repetidamente a dizer é apenas descabido: será apenas uma questão de iliteracia ambiental — a raiar o comportamento de uma avestruz.

Falta-nos procurar saber pelo menos quase tanto como António Guterres e, com ele, olhar para Nova Iorque coberta de fumo com perplexidade — e resolução para agir.»

.