22.6.23

Vigilância nas democracias europeias

 


«Há poucos anos, Shoshana Zuboff notabilizou-se pelo seu livro “Capitalismo de vigilância”, que descreve como, atualmente, os dados pessoais são objeto de um processo de vigilância massiva na internet, levada a cabo por empresas que nos fornecem serviços online gratuitos, como os motores de busca (Google) e as plataformas de redes sociais (Facebook). Estas empresas recolhem e analisam os nossos comportamentos em linha para produzir dados que podem ser posteriormente utilizados para fins comerciais, monetizando-os. Na maior parte das vezes, não conseguimos ter noção da extensão da vigilância de que somos alvo. Apesar de tudo, trata-se de plataformas relativamente às quais podemos exercer o nosso direito de opt-out.

Contudo, outro tipo de vigilância, mais invasivo, relativamente ao qual não existe opting out, e, em alguns casos, efetuado diretamente pelos Estados e entidades públicas, à margem ou em violação da lei, foi revelado por um consórcio de jornalistas e ONGs, demonstrando que não só países terceiros mas também Estados europeus utilizaram o Pegasus e spyware de vigilância similar contra jornalistas, membros da oposição, diplomatas, advogados e atores da sociedade civil.

Na sequência da constituição de uma comissão de inquérito do Parlamento Europeu para investigar a utilização do software espião de vigilância Pegasus e equivalentes, chegou-se a conclusões alarmantes. Em Espanha, muitas figuras pró-independência catalã foram visadas por duas categorias de software espião, incluindo o primeiro-ministro, o ministro da Defesa e o ministro do Interior, no âmbito do Catalangate. Embora as autoridades espanholas aleguem ter visado cerca de 18 pessoas com autorização judicial, até à semana passada não divulgaram os mandados nem divulgaram quaisquer outras informações, invocando a segurança nacional para justificar a utilização de software espião para efetuar vigilância de pessoas em Espanha.

Na Grécia, este tipo de práticas foi utilizado praticamente deste o início do governo de Kyriákos Mitsotákis, que chamou a si a coordenação dos serviços secretos, os quais mantiveram sob vigilância jornalistas e membros da oposição. Também o governo polaco admitiu a utilização do software, alegadamente utilizado, de modo rotineiro, contra membros da oposição. Na Hungria, a utilização deste tipo de software de espionagem é qualificada como um elemento estrutural de um sistema concebido para controlar e oprimir a oposição, os jornalistas e qualquer denunciante do regime.

Estas práticas denotam a utilização de tecnologias de vigilância por entidades governamentais para violar direitos humanos e minar o processo democrático. Uma resolução aprovada pelo Parlamento Europeu, na semana passada, a 15 de junho, considera que o comércio e a utilização de software espião deve ser objeto de uma regulamentação rigorosa. Essa resolução conclui também, contudo, que nem os Estados-Membros, nem o Conselho Europeu, nem a Comissão Europeia parecem interessados em maximizar os seus esforços para investigar plenamente o abuso de software espião, acabando, por essa forma, por proteger conscientemente os governos nacionais que violam os direitos humanos. Perante a tensão entre segurança e soberania nacionais e direitos humanos, o pêndulo da balança continua desequilibrado.

Em Portugal, o Governo já esclareceu, na Assembleia da República, pela voz do ministro da Administração Interna, que não utiliza nem pretende utilizar o Pegasus. Contudo, o relatório do Parlamento Europeu alude a uma investigação divulgada pela Lighthouse Reports que revela que Portugal, juntamente com outros países, tem sido exposto à atividade da Tykelab, uma empresa sediada em Roma que utiliza um software que explora vulnerabilidades nas redes telefónicas que permitem a terceiros ver a localização dos utilizadores e, potencialmente, intercetar as suas chamadas sem que seja deixado qualquer registo de compromisso nos seus aparelhos. A quem são prestados estes serviços? Quem é vigiado? Não se sabe. Mas, atendendo a que esta investigação é de agosto de 2022, ninguém parece muito interessado em saber.»

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