11.4.15

Brumas – e vão 8



Oito anos de vida tem este blogue e este é o 9326º dos posts que fui publicando e que foram escritos nesta casa e nos muitos países por onde fui andando.

Cresci a ouvir dizer que sou teimosa. Mas um amigo disse-me um dia que admirava a minha tenacidade e nem ele sabe como deu assim um ar de virtude ao meu grande defeito de infância. Seja como for, é talvez por isso que esta barraca continua activa quando tantas outras, na vizinhança, fecharam portas ou as mantêm apenas entreabertas. Chamem-me excêntrica que eu gosto.

Muito obrigada a todos os que passaram por cá nestes oito anos, ficam já agradecimentos antecipados para os que continuarem a fazê-lo.

La nave va!

A cooperativa PRAGMA, há 51 anos



Se é totalmente incorrecto fazer coincidir o início da oposição dos católicos ao salazarismo com a década de 60, não há dúvida que foi nela que se deu a verdadeira explosão de actividades daquela oposição. Dois factores contribuíram decisivamente para que isto acontecesse: dentro da Igreja, as perspectivas de abertura criadas pelo Concílio Vaticano II e o conservantismo da Igreja portuguesa; na sociedade em geral, a ausência de liberdades elementares e a manutenção da guerra colonial, com todas as insuportáveis consequências que arrastou. Ao invocarem a sua condição de católicos em iniciativas cada vez mais radicais, aqueles que o fizeram atingiram um dos pilares ideológicos mais fortes do regime e este foi acusando o toque.

É certo que se tratou de uma oposição que manteve sempre uma certa informalidade organizativa. Concretizou-se em iniciativas e instituições, mais ou menos ligadas entre si através dos seus membros, mas, em parte propositadamente, sem uma estruturação sólida e definida. Daí derivaram fraquezas e forças e, definitivamente, características específicas.

A Pragma foi uma dessas instituições – com uma importância e projecção ainda relativamente desconhecidas. Foi fundada por um grupo de católicos, em 11 de Abril de 1964, como uma «Cooperativa de Difusão Cultural e Acção Comunitária». Porquê uma cooperativa? Porque foi a forma de tirar o partido possível de uma lacuna legislativa: as cooperativas não tinham sido abrangidas pelas limitações impostas ao direito de associação e, por essa razão, nem os seus estatutos eram sujeitos a aprovação legal, nem a eleição dos seus dirigentes a ratificação pelas entidades governamentais. Forçando uma porta entreaberta por um lapso do poder, os fundadores da Pragma puseram mais uma peça no puzzle da oposição ao regime – cuidadosa e imaginativamente.

Desde o seu núcleo inicial, a Pragma não se restringiu ao universo «intelectual» e incluiu também sócios provenientes do meio operário, nomeadamente dirigentes e militantes das organizações operárias da Acção Católica. Os horizontes abriram-se rapidamente e muitos dos seus futuros membros nem sequer seriam católicos. Aliás, a Pragma acabou por funcionar também como uma espécie de plataforma aglutinadora de elementos da esquerda não-PC que, por não estarem integrados em qualquer estrutura organizativa, nela identificaram um espaço de debate e de encontro (foi o caso, por exemplo, de muitos activistas das lutas estudantis de 1962).

Subjacente a este novo projecto estava, obviamente, um posicionamento de oposição ao regime como um todo, à falta de liberdades, à guerra de África. Pretendeu-se explorar mais uma janela legal de oportunidades, complementar outras iniciativas, criar possibilidades para acções concretas e úteis, aumentar a consciência política e social de um número cada vez maior de pessoas.

Mais detalhes aqui.
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Mais uma candidata?


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Andam a vender pó marado à AT

Tempos excepcionais (II)



Na sequência de um texto publicado há duas semanas e que aqui referi, Manuel Loff escreve hoje, no Público, um segundo artigo de opinião sobre os mesmo temas. Ambos se inscrevem na linha do Manifesto para uma esquerda que responda por Portugal, de que foi o primeiro subscritor.

«Desde que a crise se instalou no nosso país, os eleitores portugueses passaram a castigar mais duramente cada governo na eleição seguinte do que o fizeram no passado. Até 2011 não deixaram de usar os dois jogadores do rotativismo para o fazer: o PS contra o PSD, o PSD contra o PS. Ao fim de quatro eleições desde 2002, verificam, mais rapidamente que no passado, que não têm conseguido mudança alguma. Muda o condutor, mas o trajeto é o mesmo.

A grande maioria de quem votar, não se duvide, vai querer castigar a direita de Passos e Portas como já o fez, por muito menos, em 2005. A grande diferença é que o velho instrumento que usavam – o PS – parece-lhes ainda menos fiável do que antes. Já em 2011, ele próprio foi castigado por ter começado a mesma austeridade que a direita logo veio agravar. Só quem acredita que os portugueses escolherão simplesmente entre o mau e o menos mau acredita que o PS de Costa ganhará o apoio deste oceano de descontentes e vencerá confortavelmente as eleições. 2015 não é 2005, muito menos os anos 80 ou 90. (...)

A mudança também não virá daqueles que têm alimentado esta mentira de que o PS não dança à esquerda porque não tem par disponível. Quem deixou voluntariamente de estar à esquerda não quer dançar com ela. É por isso que os novos pretendentes a dançar com o PS não são nenhuma versão portuguesa do Podemos espanhol ou do Syriza.

A mudança que mude a sério o curso da nossa vida colectiva, emancipe o Estado da tutela de Bruxelas, do FMI e dos grupos económicos que já sequestraram uma parte importante dos nossos recursos, e retome o caminho da democracia social, só chegará se a esquerda que nunca deixou de ser de esquerda e que se compromete a romper com a austeridade reunir força política suficiente para obrigar à viragem. A tal ponto que seja alternativa viável ao PS e à direita. Aqui como em Espanha, como na Grécia, como em toda a Europa. Essa esquerda – a CDU e o Bloco, fundamentalmente – pode continuar a apresentar-se separada às eleições, apesar de ter saído junta à rua nas grandes manifestações dos últimos anos, partilhar militância sindical, votar da mesma forma no Parlamento. Mas acho que já deveria ter percebido que, dessa forma, limita a sua capacidade de atracção de muitos daqueles que querem forçar a mudança mas que não acreditam que ela se faça no mesmo quadro político que até agora tivemos. Este deveria ser o momento para discutir, abertamente e sem sectarismos, a cooperação entre quem, ao longo destes anos, assegurou o enorme esforço de resistência à devastação social, mas que, oferecendo em separado propostas coerentes e sem ambiguidades contra a austeridade, arrisca-se muito a não conseguir transformar em votos a maioria da mobilização cidadã destes anos. A memória das tensões vividas na resistência e na Revolução é muito da identidade de comunistas e bloquistas – mas não é uma memória vivida na primeira pessoa pela grande maioria dos seus activistas e dos seus eleitores. O Bloco nasceu cheio de preconceitos políticos e culturais contra o PCP; uma grande parte dos comunistas responde(u)-lhe na mesma moeda. Ao fim de 16 anos, e das tensões internas por que os dois partidos passaram (o PCP em 2000-02, o BE em 2011-13), a verdade é que se têm encontrado no mesmo lado da barricada. Em tempos excepcionais, parece-me evidente que deveriam dar passos excepcionais. E mostrar a quem não se resigna a que tudo fique na mesma que eles partilham um espaço comum onde, no respeito da diversidade, se não trai a confiança. E que pode ser decisivo.» (Realce meu.) 
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Dica (35)




«We wouldn’t be fit for the purpose if we were not prepared to take the political costs which are necessary to stabilize Greece and lead it to growth, but let me be very precise on this, we are prepared to make all sorts of compromises, we are not prepared to be compromised.» (Yanis Varoufakis) 
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10.4.15

Desgeopolitizados



«Hoje a poeira está mais assente do que ontem. que estava tudo muito excitado a cascar na ida de Tsipras ao salão de Putin, mas é impressivo (para não usar palavras menos caridosas) que muito comentariato europeu ache que os periféricos não têm "activos geopolíticos" e que, por isso, que algum desses ex-PIIGS queira fazer algo em torno do tema seja, de imediato, gozado, insultado, ridicularizado. O ponto de "desgeopolitização" chegou tão baixo na escala que só Merkel ou Hollande, para esse comentariato, têm direito a jogar esse monopólio seja em Beijing, em Moscovo, em Teerão ou Tel-Avive, por exemplo. Quanto muito, aos periféricos "desgeopolitizados", é concedido o favor de fazerem algum caixismo-viajante de feira exportadora ou promoção de vistos gold. Ora, quando se empurram países que têm história e activos geoestratégicos reais (não de ficção) para a sarjeta, o feedback da coisa daqui a algum tempo não vai ser educado.» 

Jorge Nascimento Rodrigues, no Facebook.
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Recordar é viver



A Capital, 11.04.1975, recordado no Expresso diário de hoje.
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Socialistas nunca, nunca desiludem

E a cultura?



«A recente morte de Manoel de Oliveira e de Herberto Hélder, que motivaram horas de abertura nos telejornais televisivos e a semântica do nada dos políticos pesarosos, poderiam dar a noção que Portugal é um País sitiado pela dívida e pelo défice, mas florescente em termos culturais. Um equívoco. O panorama televisivo, onde a generalidade dos portugueses bebe o seu conhecimento, é revelador da mediocridade reinante. A cultura portuguesa serviu sempre como medalha da classe política em tempos eleitorais, perante a própria comiseração dos criadores, muitos deles a encararem a produção cultural como uma obrigação única do Estado. (...) Os homens falam mais a partir de "smartphones" do que entre si, as frases foram substituídas por "slogans" no Twitter. As leituras são superficiais e feitas na internet. O património só é encarado em termos de lucro turístico. Nada que admire: as nossas elites são há muito um exemplo de falência cultural. (...)

Numa era em que a sociedade de emprego desapareceu (mas ainda se finge que é um desígnio político), em que a economia de mercado foi substituída em parte por uma economia especulativa, em que a sociedade de consumo foi transformada num fosso em que os que têm muito consomem pouco e os que desejam o consumo não têm dinheiro para o fazer, a cultura deixou de fazer parte das prioridades. Porque é-se alguém de sucesso pelo que se tem, não pelas ideias que traz ou partilha. (...)

A fraca inteligência da elite política nacional, pobre até na forma como se despediu de Manoel de Oliveira e Herberto Hélder, mostra o desastre em que vivemos. Tudo ficou exemplarmente explicado quando o ministro Aguiar-Branco disse, sobre a morte de Silva Lopes, que "era uma felicidade ter partido no mesmo dia de Manoel de Oliveira".»

Fernando Sobral

9.4.15

Dica (34)

Fluxo de inconsciência



Ricardo Araújo Pereira, na Visão de hoje, a propósito das declarações de Aguiar Branco sobre a «felicidade» que Silva Lopes teve de partilhar o momento da morte com Manoel Oliveira:

«É possível recolher, na estranha amálgama de vocábulos proferidos pelo ministro, três magníficos conceitos novos.
O primeiro conceito é o do óbito sincronizado. (...)
O segundo conceito é o do falecimento de prestígio. (...)
O último conceito é o do defunto pendura. Não se pode ignorar que, neste jogo de passamentos, há um defunto mais prestigiado que dá uma boleia de status ao outro, a caminho da eternidade. Quando pensávamos que a morte nos torna iguais uns aos outros, Aguiar Branco consegue descobrir ainda um restinho de desigualdade, uma pole position rumo ao infinito.»

Na íntegra AQUI.
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Amadora. Aqui mesmo à porta de um destino turístico de excelência



Como bem se vê na foto, não é? «A Câmara disse aos jornalistas e às instituições que as casas estavam vazias. Esta é a sua nova estratégia: surpreender tudo e todos, fazer o trabalhinho sujo depressa e depois dizer que as casas estavam vazias, fingindo que desconhece que ali vive gente e há muito tempo.»

A ler, na íntegra:  

Abre-te, Sésamo?



«A Europa já não é a caverna cheia de tesouros descoberta por Ali Babá. Escusa-se de dizer: "Abre-te, Sésamo!" A Grécia do Syriza descobriu isso: disse a frase mágica, mas a porta não se abriu e não teve hipótese de partir para junto dos eleitores gregos com um saco cheio de ouro.

A Europa fechou-se sobre si mesma e só fica com pele de galinha quando Alexis Tsipras apanha o avião para Moscovo e em troca do dinheiro que Vladimir Putin não tem (mas do gás a preços mais baixos que pode disponibilizar) testa a frágil Linha Maginot da Europa: a aliança com a UE e a NATO pode ser trocada por uma outra com o Kremlin. E é aí que os Estados Unidos, que têm uma estratégia, fazem soar as sirenes, enquanto os europeus continuam a olhar apenas para a caixa registadora, que transformaram no símbolo da ideologia europeia.

No meio de tudo isso, Tsipras aproveita para arrepiar os alemães contabilizando as "indemnizações da ocupação nazi" devidas à Grécia. Se isto não é uma Europa comum, com uma moeda única, o que será a integração europeia? A crise económica europeia transformou-se numa desidratação política e moral do Velho Continente. O modelo de vida criado no século XVIII está a desmoronar-se completamente e a Europa, face aos poderes e práticas emergentes em todo o mundo, afunda-se, com a cabeça enterrada na areia. Afinal tudo se reconduz a interesses particulares. (...) O problema grego é apenas a borbulha mais visível, e que mais depressa rebentará, nesta Europa de interesses privados disfarçados de interesse comum. Onde todos fingem uma vontade única. A Europa foi, em tempos, um "Abre-te, Sésamo!". Hoje é uma caverna fechada, cheia de teias de aranha. E sem ideias de futuro.»

Fernando Sobral

8.4.15

Dica (33)



O Estado ao serviço da dívida.

«Portugal, por leviandade, incompetência e autismo, ficou à mercê da Europa suposta defensora da solidariedade e da coesão e capitulou vergonhosamente aceitando juros de usura alegremente recebidos por todo o arco da governação.

Com os juros avultados impostos pela ‘troika', que são um valor absoluto, e os prazos de amortização inquestionáveis e inexequíveis, foi-nos imposta uma taxa de esforço inimaginável que tornou o país exangue e congelou severamente a economia. Assumimos um serviço da dívida incomportável que absorve todos os recursos financeiros disponíveis e o resultado visível foi o desemprego galopante e a miséria social crescente.» 
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Brel, 86



Exactamente: Jacques Brel nasceu em 8 de Abril de 1929 e morreu em 1978, bem antes de envelhecer.

Um dos meus monstros absolutamente sagrados, que tive a sorte de o ver e ouvir, em pessoa, era ele bem jovem e eu muito mais ainda... Em Lovaina/Leuven, num espectáculo extraordinário para sempre guardado no baú das minhas memórias preciosas.

A recordar:








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A aliança da esquerda


Este texto de Francisco Louçã, hoje publicado, inscreve-se na linha do Manifesto para uma esquerda que responda por Portugal, do qual fui subscritora. Aqui fica na íntegra.


Como argumentei ontem e anteontem, haverá uma coligação de direita e ainda uma política do PS absorvendo os seus partidos periféricos, para depois se aliar ao PSD que sobrar de Passos. E poderia haver uma terceira convergência, só que, ao invés das duas anteriores, esta é de difícil concretização: a da esquerda que se une.

Seria natural porque é a que decorre da convergência sobre políticas essenciais, no campo alargado que se tem oposto à liberalização das leis do trabalho, às privatizações e ao desgaste dos serviços públicos. E, mais importante, os principais partidos desta área apresentam propostas construtivas que são próximas: recusando o Tratado Orçamental, defendem em consequência a única resposta concreta que pode fundamentar uma governação de esquerda, a reestruturação da dívida, sabendo que entra rapidamente o conflito com o euro.

Seria natural ainda, e não é de menos, porque responderiam à exigência, essa sim natural senão desesperada, do “unam-se”. Por isso, é difícil compreender o seu acantonamento eleitoral. E haverá um preço a pagar por uma persistência de contraposições que estão ao arrepio da exigência do momento político: a esquerda precisa de força e corre o risco de se apresentar fraca. Nenhum discurso de auto-suficiência ou auto-satisfação pode disfarçar a arreliante sensação de fragilidade da postura dos partidos de esquerda. Como se interroga Manuel Loff, “a pergunta evidente é saber se o PCP e o Bloco podem, desta vez, interromper o círculo vicioso da desilusão e baralhar o cálculo perverso do voto útil no PS”.

Esta convergência, ao contrário das outras, desarrumaria. As outras procuram consolidar o regime na sua era de austeridade, esta procuraria uma alternativa à austeridade. As duas primeiras alianças confirmam e confiam na alternância entre o PSD e o PS, enquanto este polo político, pelo contrário, desafiaria o rotativismo, o que a esquerda parece ter desistido de fazer até agora. Multiplicaria a capacidade de influência de curtíssimo prazo (condicionar as decisões da governação e ajudar o fôlego do movimento popular) e de curto e médio prazo (apresentar uma alternativa de governo depois de um novo governo do PS que governe como o velho). Responderia ao “voto útil” no PS e, portanto, passaria a ser uma alternativa clara.

No entanto, para se realizar, contra a rotina do fechamento da esquerda, a convergência tinha que superar as tradições dos partidos e isso é o mais difícil. João Oliveira, líder parlamentar do PCP, tem de facto razão ao perguntar se uma simples coligação diminui em vez de aumentar (sugerindo que assim aconteceria). Embora o exemplo da coligação do PS na Madeira seja pouco transponível, provou-se aí mais uma vez que o que soma é a credibilidade com propostas e com as pessoas para essas propostas e não simplesmente uma soma de coligação, porque esta pode ser uma subtração. No entanto, ficar tudo na mesma também não é opção.

Eu vou mais longe: uma limitada e ocasional coligação só entre o Bloco e o PCP diminuiria e não vejo nela nem viabilidade nem vantagem. Em contrapartida, um pólo envolvendo-os com uma parte importante da esquerda social multiplicaria, porque seria a única novidade da campanha e, sobretudo, porque seria portadora da alternativa mais consistente: Portugal contra a dívida e contra uma Europa destrutiva. De facto, essa proposta é a única que tem soluções para Portugal, é a única que resolve o problema orçamental e financeiro, é a única que pode pagar uma política de investimento e emprego, é a única que enfrenta a subserviência da elite nacional perante Berlim.

Se esse polo, como quer que ele se apresente (e sobre isso não faço agora nenhuma sugestão, para não condicionar nem influenciar ninguém, nem discuto aqui a evidente importância das eleições presidenciais para novos sinais de novos tempos), envolver independentes e activistas, quem esteja farto da austeridade e da sua missa cantada e não aguente a mentira europeia, então ele contará.

Desse modo, esse polo faria o que nunca se fez e responderia a uma crítica que, por muito que custe, tem fundamento: a esquerda ainda não aparece a ninguém, nem aos seus militantes, como portadora da capacidade de governar e da preparação para o fazer e, portanto, do empenho em criar a relação social favorável para esse poder. A solução de alguns analistas é pedir à esquerda que aceite a austeridade e os “compromissos europeus” e, portanto, que se torne social-democrata para “parecer governamentável”. Ou seja, dizem-lhe que mostrará estar pronta para governar se se tornar igual aos partidos e políticas que quer vencer. Ora, sobretudo para quem recusa a facilidade da transigência, é exigível fazer mais do que “parecer governamentável”: é preciso apresentar um programa consistente, com pessoas credíveis, disputando a relação de forças e mostrando por onde se pode caminhar. A Grécia demonstrou que, se e quando for eleito um governo de esquerda, o confronto será uma vertigem e, se a esquerda quer ganhar, tem de enfrentar imediatamente Merkel e os seus obedientes. Só a esquerda unida o pode fazer, se é que se leva a sério a ideia de um “governo patriótico” ou de um “governo de esquerda”.

Não é evidente que nos partidos de esquerda haja vontade suficiente ou audácia para uma aproximação que configure esse polo, porque teria que partir deles. Podem mesmo escolher justificar-se com o povo que não vota ou que descrê. Ou podem contribuir para apresentar ao povo uma proposta que leva a sério a necessidade de vencer a austeridade neste tempo que conta. Eu prefiro a luta pela vitória contra o situacionismo que apodrece Portugal. 
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Deve a Alemanha pagar a dívida à Grécia?



A propósito de tudo o que está a ser dito e escrito sobre a exigência que os governos gregos (não só o actual, mas também alguns que o precederam) têm vindo a apresentar à Alemanha para que este país pague as indemnizações de guerra de que é devedora, recorde-se a História com quem sabe. 

Em entrevista, ontem, à RTP2, Fernando Rosas afirmou «que o tratamento dado às dívidas soberanas dos países periféricos é o oposto do que foi proporcionado à Alemanha no fim da Segunda Guerra Mundial». Explicou detalhadamente o que foi concedido a este país, sublinhando que o acordo de que então beneficiou «é a oposição do está a fazer a troika actualmente. É um acordo que perdoa 50 por cento da dívida da Alemanha, parcela a dívida por um período de 30 anos em matéria de pagamento e há uma parte da dívida que pode ser paga para lá de 30 anos». 

Mas vale a pena gastar uns minutos e seguir AQUI a entrevista. 
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7.4.15

Dica (32)



Tsipras e Putin: UE à beira de um ataque de nervos. 

Ou a UE a semear ventos e a colher tempestades.
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«A verdade está em marcha e nada a deterá»



Vale muito a pena ler, na íntegra, este texto de James K. Galbraith:  


Excertos:

«What the Greeks have done, and this is what has attracted me to become as engaged as I could be in this situation, what they’ve done in the past few months, is astounding. They have dismantled – I think definitively – and banished an entire previous political class. (...)

There is a spirit of dignity in Athens that is worth a great deal more than money. That’s something very profound to observe. I’ve only observed it on maybe two or three occasions in a lifetime. And that is a spirit which is contagious and it may be felt in Spain, and it may be felt in Portugal and it may be felt in Ireland, and elsewhere before long.

So I hope that you will not find me too portentous if I convey to you just how much this particular moment, and the chance to participate in it, has meant to me by closing with the words of Zola: la vérité est en marche et rien ne l’arrêtera. Merci.»
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Jornalismo de mentecaptos ignorantes




Como se António Costa não fosse também filho de um «histórico comunista». E Ricardo Costa, director do Expresso, que publica a notícia, também – e do mesmo pai, imagine-se! Os comunistas sempre fizeram filhos e não os comeram todos ao pequeno almoço. 
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Como se as eleições resolvessem o essencial da questão



«Enquanto, no país real, o Fisco se entretém a penhorar gaiolas de pássaros e cotonetes de devedores de impostos, o condomínio irreal da elite nacional discute ardorosamente quem poderá ser o próximo Presidente da República.

Há, claramente, um fosso entre o país pilhado pelos impostos e o que, com luvas de pelica, debate qual deve ser o perfil do futuro mais alto magistrado da nação. É este o pântano em que o regime vai desaparecendo enquanto a orquestra toca e os dançarinos evoluem nos seus fatos brilhantes. (...)

No horizonte, só se continua a ver dívida e défice e quem quer que vá para Belém terá de gerir as pontes entre os partidos que se alternam a governar o Estado. Não há esperança à vista (nem sequer nos discursos pré-eleitorais), nem destino, nem modelo económico ou de sociedade. Discutem-se pessoas que, como PR, não deixam que os nós e os laços da estrutura de poder em Portugal se desfaçam.

O que custa é esta madura forma de sobreviver. Fernando Pessoa escrevia que: "Vivemos em decadência, não sou homem de fundos, não posso salvar nada, integro-me, portanto". O país parece estar a viver tempos de espera, como se as eleições resolvessem o essencial da questão. Discute-se a sobrevivência, sem nos molharmos entre os intervalos da chuva. Falta discutir que país efectivamente queremos.».

Fernando Sobral

6.4.15

Páscoa 2015


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Dica (31)





 «Many officials — up to and including some eurozone finance ministers — have suggested privately that only a decision by Alexis Tsipras, Greek prime minister, to jettison the far left of his governing Syriza party can make a bailout agreement possible. 

The idea would be for Mr Tsipras to forge a new coalition with Greece’s traditional centre-left party, the beleaguered Pasok, and To Potami (The River), a new centre-left party that fought its first general election in January.» 
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Candidatos presidenciais



À espera de apoios.
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Grécia em tempos de Páscoa



«A UE está sentada (não é piada à Schäuble), à espera que a Grécia recue. Tem sido um triste espectáculo. Do meu ponto de vista, a Grécia é um náufrago dentro de água em alto mar que quer salvar o bote da Europa, avisando que está a meter água, mas os que estão no bote dão-lhe com o remo porque pensam que ela quer é salvar-se, subir a bordo e ficar-lhes com a comida. Fiquei enjoado, e não foi da ondulação.

Sei que pode parecer estapafúrdio, mas é para isso que me pagam: eu acho que, de certa maneira, os gregos são Jesus Cristo. Obviamente, vão acabar por morrer para nos salvar dos nossos pecados. É uma pena, mas vai ter de ser. E nós, de certa forma, no momento em que fomos considerados, por Schäuble, como exemplo do sucesso da política de austeridade, sem que a nossa ministra das Finanças tivesse um ataque de riso, ou de profundo choro, acabámos por fazer um belo Judas. (...)

Varoufakis está, neste momento, a ser julgado por ter andado a dizer que ia salvar o mundo e que fazia milagres. Teorias novas, que nunca tínhamos ouvido porque não havia alternativa aos nossos deuses. Teorias que assentavam na preocupação com os pobres e os que menos têm. Varoufakis afirmava ter multiplicadores capazes de fazer o tal milagre da multiplicação. O que faz Juncker quando apanha o Cristo Varoufakis no seu tribunal? Lava as suas mãos. O Schäuble que decida. (...)

Poderá a Grécia erguer-se do túmulo ao fim de três dias? Parece-me demasiado optimista. E em três anos? Se isso acontecer, poderá a palavra de Varoufakis espalhar-se pelo mundo e mudar tudo? Não faço ideia, e só consigo justificar o caminho que este texto tomou com o facto de eu gastar do mesmo talho que o João César das Neves. Devem andar a pôr drogas no acém. »

João Quadros

Quénia


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5.4.15

Antes que o dia acabe



«Have a lovely Easter. And remember, if you don't sin, then Jesus died for nothing.»

Ricky Gervais no Facebook.
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Um 5 de Abril na Praça Tiananmen



Bem antes de 1989, em 5 de Abril de 1976, a célebre praça de Pequim foi palco de uma forte repressão policial, para impedir comemorações em honra de Zhou Enlai que morrera poucos meses antes.

Em Cisnes Selvagens, Jung Chang refere assim os incidentes:

«A 8 de Janeiro de 1976, faleceu o primeiro-ministro Zhou Enlai. Para mim e para muitos outros chineses, Zhou representara um governo relativamente liberal e são de espírito que se esforçava por fazer o país funcionar. Nos anos negros da revolução Cultural, Zhou tinha sido a nossa única e débil esperança. (…)
[Na Primavera] Em Beijing, centenas de milhares de cidadãos reuniram-se na Praça de Tiananmen durante dias seguidos, para honrar Zhou com coroas de flores especialmente preparadas, leitura de versos apaixonados e discursos. Através de simbolismos e numa linguagem que, apesar de codificada, toda a gente compreendia, deram largas ao seu ódio contra o Bando dos Quatro, e até contra Mao. Os protestos foram esmagados na noite de 5 de Abril, quando a polícia atacou a multidão, prendendo centenas de pessoas. Mao e o Bando dos quatro chamaram a este movimento “um levantamento contra-revolucionário do tipo húngaro”».

13 anos mais tarde, foi o que se sabe.
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Dica (30)



Lagarde finds Varoufakis in a basket of Easter Eggs. 


«Rumors that Varoufakis will go to the meeting dressed as Easter Bunny do not confirm and lack any basis.» 

(EhEhEh!)
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O pior é se a Grécia se safa



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Quénia? Não é futebol, nem política caseira




Morrem 147 pessoas num terrível ataque e os nossos meios de comunicação social dão um lugar mais do que secundário à notícia, mas repetem, ad nauseam, venturas e desventuras dos clubes de futebol ou boas intenções de putativos candidatos à Presidência da República. E não ouvi qualquer dos comentadores televisivos encartados, pagos a peso de ouro, referir-se a esta mortandade que nos devia fazer corar todos de vergonha, em pleno século XXI.

Somos todos quenianos? Ora!...
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