14.11.25

A greve inevitável

 


«Luís Montenegro acusou o PCP e o PS de usarem as centrais sindicais para marcar uma greve geral. Não se informou junto dos sindicalistas do seu partido que aprovaram a adesão da UGT a esta greve. Por unanimidade. Poucas greves gerais terão sido tão inevitáveis como esta. Nem a que se fez durante a troika. Porque nem então se propôs, como agora, que não ficasse pedra sobre pedra do direito do trabalho. Juntas, as quase 150 alterações do Código do Trabalho e de outras leis laborais permitem, na prática e de forma mais ou menos dissimulada, o despedimento quase livre, a precariedade eterna e uma vida familiar ainda mais difícil. Se os sindicatos de todas as cores não fizessem uma greve por isto, o direito à greve não serviria para grande coisa. É irónico, aliás, que esta proposta apareça quando, com o Código do Trabalho em vigor, temos pleno emprego, crescimento económico, aumentos de salários e a grande dificuldade é conseguir mão de obra. Prova que a economia não precisa destes radicalismos legislativos.

A AD não disse ao que vinha nas eleições. Pelo contrário, anunciou, no programa eleitoral, “relações laborais estáveis”, “uma melhor conciliação da vida pessoal, familiar e profissional” e “concertação so¬cial”. Agora é tudo ao contrário. Em vez de contratos mais estáveis, as várias modalidades de contratação a prazo são prolongadas no tempo e com portas mais largas para recorrer a ela. A de nunca ter conseguido, por exemplo, um contrato permanente, o que quer dizer que, por ter-se começado precário, se pode ficar precário até à reforma. Até os contratos de muito curta duração (até 35 dias), antes pensados para o turismo e para a agricultura, são alargados a todos os sectores. Quanto à família, a proposta deixa de proteger, no trabalho noturno e aos fins de semana, os pais com filhos com menos de 12 anos ou deficientes, introduz limitações no direito à amamentação e quer repor o banco de horas individual, que é uma forma de desregular, pela porta do cavalo, os horários. Se são contra a imigração e dificultam a natalidade, expliquem como não seremos seis milhões em 2100. E reduzem-se as horas de formação profissional obrigatórias. Porque a escolha é proteger uma economia de baixos salários, baixas qualificações e alta precariedade.

Se juntarmos a norma que retira ao trabalhador o direito de optar pela reintegração se o tribunal declarar o despedimento ilícito, a redução da capacidade de defesa em caso de despedimento por justa causa (quem despede não tem de apresentar provas, quem é despedido não pode recorrer a testemunhas) e a redução da intervenção da Autoridade para as Condições do Trabalho, temos, na prática, despedimentos mais livres, contornando a proibição constitucional do despedimento sem justa causa. É só pagar a indemnização a quem chega à idade mais complicada ou levanta a cabeça. Mesmo em caso de acordo para despedimento, o empregador recupera e reforça o poder de chantagear o despedido para que prescinda de tudo o que tenha em dívida. Permite-se o recurso ao outsourcing para substituir trabalhadores objeto de despedimento coletivo ou de extinção de posto de trabalho. Descriminaliza-se o trabalho não declarado para domésticas e recua-se na capacidade de os trabalhadores das plataformas digitais e outros falsos recibos verdes reivindicarem um contrato de trabalho. E, como se reduz o direito à greve e o papel da contratação coletiva, serão, depois desta contrarreforma, muito menores os instrumentos legais para defender o que restar do direito do trabalho.

Há quem diga que a greve é extemporânea. Que deveria acontecer quando tudo já estivesse aprovado e já nada se pudesse travar. Que ainda está tudo em negociação. Só que não. Há meses que o Governo empurra a negociação com a barriga, adiando reuniões e não respondendo aos parceiros. E há pontos de partida impossíveis, sobretudo quando se diz que o ponto de chegada não pode ser muito diferente. A ministra mais radical deste Governo, que sonha com um “Código Palma Ramalho”, disse aos sindicatos que não negoceia as “linhas mestras” da sua proposta. E essas “linhas mestras” são tudo o que é inaceitável para os sindicatos. Queria negociar pormenores com a UGT para a poder exibir na fotografia. Se a UGT não quisesse cumprir esse papel, ia para o Parlamento sem acordo e o Chega cumpria a sua função, recebendo umas vitórias simbólicas e irrelevantes para salvar a encomenda dos patrões. Só perante a marcação da greve o primeiro-ministro acordou. Tarde demais. O ponto de partida é tão inaceitável que não chega ceder aqui e ali. O problema são mesmo as “linhas mestras” da ministra.»


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