«A verdade é que, no meio desta enxurrada de análises e pseudo-análises e confrontos mais ou menos pacíficos e mais ou menos esclarecidos, e educados, de opiniões, Bob Dylan ainda não se pronunciou sobre o assunto, nem mesmo na quinta-feira à noite, quando subiu ao palco do Chelsea at The Cosmopolitan, em Las Vegas, para mais um concerto. Irá ele dizer “não”, não e não? Ou irá, por outro lado, aceitar o prémio? Aliás: irá ele, sequer, falar alguma vez sobre o Nobel?»
. 15.10.16
Portugal e as Nações Unidas
«É por demais evidente a diferença entre Guterres na ONU e Durão na UE. E é muito curiosa esta (quase) unanimidade doméstica em torno da eleição de Guterres para a secretaria-geral das Nações Unidas. Curiosa porque este é o país onde, a despropósito, se gosta das tiradas sobre a “ineficácia” e a “hipocrisia” da ONU (retórica que já vem dos tempos de Franco Nogueira no Palácio das Necessidades), quer porque o seu sistema de tomada de decisão impede o Ocidente de fazer com a ONU o que faz com a NATO, quer porque a grande maioria dos Estados-membros representam populações que até há 40-70 anos não eram mais do que súbditos coloniais, pelo que, com todo o paternalismo e preconceito rançoso que por aí predomina, é uma maçada ter de discutir com eles...
No âmago da nossa política externa predomina quem sempre menosprezou (ou simplesmente detesta) a ONU: primeiro porque ela apoiou empenhadamente o fim da hegemonia colonial da Europa e do Ocidente sobre o planeta; depois porque ela, e em particular as suas agências, assumiu uma leitura crescentemente social do mundo, de que, em certa medida, o Guterres alto-comissário para os Refugiados foi um porta-voz que nunca agradou a esta gente; finalmente, porque a ONU está fundada na ilegitimidade essencial dos comportamentos expansionistas e imperiais dos gendarmes do mundo, enquanto quem se arrogou o exclusivo de pensar e gerir a posição de Portugal no mundo entende que o nosso futuro passa por se colar aos grandes “do nosso lado”, sejam eles os norte-americanos desde 1945, possam eles ser hoje os alemães na UE.
A grande maioria da história da política externa portuguesa desde que entrámos na NATO (1949) e desde que pedimos para entrar na CEE (1977) foi gerida por governos que se empenhavam em colocar-se em bicos de pés para ver o que caía do prato dos mais poderosos do Ocidente. (...)
Durante a ditadura, o Governo português afrontou a ONU e tudo quanto de sistema internacional de gestão da paz e prevenção da guerra ela significava. Teimosa e abertamente partidário da preservação da hegemonia ocidental e da “supremacia branca” sobre o sistema internacional, Salazar, uma vez conseguido o ingresso na ONU (1955), nunca assinou a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e não só se recusou a aplicar a Carta das Nações Unidas, negando possuir colónias e, portanto, a prestar informação sobre elas, como sabotou o bloqueio internacional ao regime de minoria branca imposto na Rodésia em 1965. Mais grave ainda, sabotou uma das primeiras, e maiores, operações de paz da ONU, no Congo (1960-64), apoiando com armas e logística a secessão armada do Katanga alimentada por antigos colonos belgas. O próprio secretário-geral Dag Hammarskjöld foi assassinado quando o seu avião foi abatido na Zâmbia (ainda sob domínio colonial britânico), segundo os últimos dados da investigação (2011 e 2014) por mercenários belgas com o conhecimento de norte-americanos e britânicos. Marcelo, o Caetano, abandonou a UNESCO em 1971. Que a África do Sul tenha permanecido quase o único aliado de Portugal contra todas as sanções aprovadas pela ONU nos anos da Guerra Colonial diz bem do canto do sistema internacional para onde o Estado português se atirara. E ajuda a perceber porque é que os nossos governos se opuseram às sanções internacionais contra o regime do apartheid sul-africano, quer nos tempos de Salazar, quer nos de Cavaco Silva (e que vergonha este, com semelhante passado, se tenha atrevido a fazer o elogio póstumo de Mandela!).
O desprezo vem de há muitos anos e ainda não cessou.»
Manuel Loff
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14.10.16
Regressemos à saga dos táxis
A ler: este texto de Fernanda Câncio no DN de hoje:
Táxis uber alles?
«Haver muitas regras e não serem cumpridas porque ninguém as faz cumprir ou haver poucas ou nenhumas: nenhuma das opções é aceitável, nenhuma é justa. O Estado serve para mais do que aprovar leis. Tem de garantir que são cumpridas. E se por essa razão é escandaloso que o secretário de Estado da tutela diga (na RTP) que não tem de ter opinião sobre se a Uber e Cabify estão ilegais "porque isso é com os tribunais", é igualmente escandaloso que se permita há décadas a desobediência do setor de táxi às exigências legais, incluindo a do respeito pelos direitos dos trabalhadores - e dos clientes, que também são gente. O capitalismo selvagem e a roubalheira devem ser denunciados e combatidos quer usem boné e unha do dedo mindinho comprida quer não tenham rosto.»
. Dica (413)
Battle for Aleppo How Syria Became the New Global War. (SPIEGEL Staff)
«As the noose around Aleppo tightens -- and the Assad regime and its Russian allies continue to bomb the city -- the extremely dangerous nature of this proxy war is becoming more apparent than ever. Could escalation between Moscow and Washington be on the horizon?»
. 14.10.1964 - Nobel da Paz para Luther King
O Nobel da Paz foi atribuído a Martin Luther King em 14 de Outubro de 1964.
«Aceito o Prémio Nobel da Paz num momento em que 22 milhões de negros nos Estados Unidos estão envolvidos numa batalha criativa para encerrar a longa noite da injustiça racial. Aceito este prémio em nome de um movimento de direitos civis que está avançando com determinação e um majestoso desprezo pelos riscos e perigos de estabelecer um reino de liberdade e um sistema de justiça. Estou ciente de que uma pobreza debilitante e asfixiante aflige o meu povo e o acorrenta ao degrau mais baixo da escala económica. Portanto, devo perguntar porque é que este prémio está a ser concedido a um movimento que é comprometido com uma luta incessante; a um movimento que não conquistou a própria paz e fraternidade que é a essência do Prémio Nobel. Depois de pensar a esse respeito, concluí que este prémio que recebo em nome desse movimento é um reconhecimento profundo de que a não-violência é a resposta à questão moral e política crucial de nosso tempo: a necessidade do homem superar a opressão e a violência sem recorrer à violência e à opressão (...).
Ainda creio que superaremos tudo isso. Essa fé dá-nos a coragem de enfrentar as incertezas do futuro. Dá forças aos nossos pés cansados enquanto continuamos a nossa marcha rumo à cidade da liberdade. Quando os nossos dias se tornarem lúgubres e cobertos por nuvens e as nossas noites se tornarem mais escuras que mil meias-noites, saberemos que estamos vivendo no tumulto criativo de uma civilização genuína que luta para nascer.»
Ainda creio que superaremos tudo isso. Essa fé dá-nos a coragem de enfrentar as incertezas do futuro. Dá forças aos nossos pés cansados enquanto continuamos a nossa marcha rumo à cidade da liberdade. Quando os nossos dias se tornarem lúgubres e cobertos por nuvens e as nossas noites se tornarem mais escuras que mil meias-noites, saberemos que estamos vivendo no tumulto criativo de uma civilização genuína que luta para nascer.»
(Excertos do discurso proferido em Oslo, em 10 de Dezembro de 1964)
. O pipi dele
«As eleições nos EUA estão na recta final e esta semana ficou marcada pelo segundo, e penúltimo, debate entre os candidatos e a divulgação de um vídeo, com 10 anos, onde, resumindo, Donald Trump diz que não aguenta ver mulheres bonitas e que as pode beijar e "grab them by the pussy", mesmo contra a sua vontade, só porque é uma celebridade. Falando por mim, garanto-vos que não é assim.
Trump confunde conversa de balneário com paleio de sarjeta. Vê-se bem que ele está gordo e não faz desporto. Nos nossos dias, a conversa de balneário é sobre quem levanta mais peso, tomou proteína ou fez flexões em menos tempo. A conversa de Trump não é de quem anda de fato de treino a malhar no ginásio, é de quem anda de gabardina no apalpanço nos transportes públicos.
De repente, Trump vê-se abandonado, em parte, pelo Partido Republicano, por dizer, em privado (numa gravação de dois minutos), que é um cão de Pavlov com mãos de gorila e cérebro de coelho quando há mulheres giras por perto. Percebo o choque, mas este é o mesmo Trump que falou sobre expulsar todos os muçulmanos, sobre o uso de bombas nucleares contra países, sobre como todos os mexicanos são violadores e ladrões e a maioria dos negros criminosos. É o mesmo Trump que falou sobre torturar prisioneiros. Tudo isto foi dito, não como conversa de balneário mas como discurso e ideias para o futuro da maior potência mundial. A moral do partido republicano é muito estranha. É como aquelas pessoas que adoram cozido à portuguesa mas toucinho, nem pensar! Que nojo! (…)
O debate não foi o banho de sangue que todos esperavam. Hillary acabou por quase deixar empatar um jogo que, antes de começar, já vencia por 7-0. Quando vejo Hillary e Trump, lembro-me daquelas eleições no meu SCP onde tinha de escolher, respectivamente, entre o Bettencourt e o Paulo Pereira Cristóvão. Na altura, não votei mas é evidente que uma pessoa no seu perfeito juízo, e apesar de tudo o que representa Hillary, tem de votar contra Trump. Neste caso, é mesmo uma questão de vida ou de morte.»
João Quadros
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13.10.16
Frankenstrump, uma história menos conhecida de Mary Shelley
O texto de Ricardo Araújo Pereira, na Visão de hoje, é a tal ponto delirante como um todo, que sou incapaz de destacar qualquer excerto. É sobre Trump, como é visível - e excelente, na minha opinião.
Na íntegra AQUI.
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13.10.1921, Yves Montand
Não sei se Yves Montand teria alguma hipótese de ganhar um qualquer Nobel se fosse vivo, mas permito-me duvidar – e muito. Mas faria hoje 95 anos e isso merece comemoração.
Paris, Paris:
Porque é tempo delas:
E, inevitavelmente:
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Nobel da Literatura???
Esta atribuição do Nobel a Bob Dylan não é uma espécie de Uberização da Literatura?
Ouvindo alguns livreiros...
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Ouvindo alguns livreiros...
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As barbas da sobretaxa
«As barbas já foram um motivo de orgulho. E, em tempos, foram mesmo um sinal exterior de riqueza. Por isso tornaram-se um alvo perfeito para a criação de impostos. Em 1535, o rei inglês Henrique VIII criou o primeiro imposto sobre as barbas.
Quanto maior era, mais imposto pagava. A barba era um símbolo de estatuto e quem tinha cabedal não a iria cortar por causa do imposto. Com ele, o rei argumentava que poderia redistribuir a riqueza pelos mais necessitados. A sua filha, Isabel I, tornou o imposto ainda mais refinado: quem estivesse duas semanas sem fazer a barba, passava também a pagar. Pagavam menos, numa lógica de escalões fiscais. A macumba não mudou com os séculos. Chegámos assim à fabulosa invenção da sobretaxa de IRS, feita para tapar buracos fiscais de forma provisória. Aqueles momentos provisórios que, se ninguém reparar, se tornam definitivos, como é muito típico aqui no sítio.
Segundo conta a lenda, o actual Executivo prometera acabar com a sobretaxa a partir de 1 de Janeiro de 2017. Como alguns portugueses ainda acreditam no Pai Natal, julgou-se que isso seria uma prenda de Natal. Talvez não seja bem assim, segundo parece. (…) É um truque simples, mas que transforma um dia (o 1 de Janeiro) em 365 dias. Nem David Copperfield conseguiria este feito. Nem Cronos, o deus grego do tempo, conseguiria explicar este feitiço.»
Fernando Sobral
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12.10.16
Barrancos – Lista de portugueses vítimas do franquismo
(Na fotografia, António Augusto Seixas.)
O projecto «Todos (…) Los Nombres» entregou recentemente à Câmara Municipal de Barrancos e à antropóloga e historiadora Dulce Simões a lista dos portugueses assassinados pelo regime franquista, que figura na base de dados do projecto (bem como de cinco outros que morreram à fome no campo de La Algaba).
Os restos mortais dos portugueses identificados podem ser resgatados por familiares, amigos, ou entidades municipais, que queiram honrar e dignificar a sua memória como vitimas do genocídio espanhol.
Mais informação AQUI.
Dica (412)
Explaining The Populist Revolt. (Joseph S. Nye)
«In many Western democracies, this is a year of revolt against elites. The success of the Brexit campaign in Britain, Donald Trump’s unexpected capture of the Republican Party in the United States, and populist parties’ success in Germany and elsewhere strike many as heralding the end of an era. As Financial Times columnist Philip Stephens put it, “the present global order – the liberal rules-based system established in 1945 and expanded after the end of the Cold War – is under unprecedented strain. Globalization is in retreat.”
In fact, it may be premature to draw such broad conclusions.»
. O sapato de Nikita
Foi há 56 anos, em 12 de Outubro de 1960, durante uma agitadíssima Assembleia Geral da ONU, que Nikita Kruschev tirou um sapato e bateu furiosamente com ele na sua bancada.
O incidente produziu-se num momento de grande tensão na Guerra Fria, cinco meses depois de um avião-espia americano ter sido abatido em territorio soviético e quando o recentíssimo governo de Fidel Castro se aproximava cada vez mais da URSS.
Na origem do gesto de Kruschev esteve uma intervenção do representante das Filipinas, em que este acusou a União Soviética de «colonizar» os países da Europa de Leste e os privar de direitos civis e políticos.
Seguiu-se uma sequência rocambolesca: Nikita protestou com o sapato, o presidente da Assembleia tentou controlá-lo batendo na mesa com um martelo, partiu-o, apagou a comunicação das traduções simultâneas e interrompeu a sessão.
Nos dias que se seguiram, não se falou de outra coisa - num mundo muito menos mediático do que hoje, foi «um sucesso».
(Fonte)
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O milagre do perdão fiscal
«Há uma tradição muito democrática e muito portuguesa que diz que em tempos de penúria orçamental se criam perdões fiscais.
Mesmo que tenham outro nome, porque nesse aspecto os ministros das Finanças têm uma imaginação semelhante à de Stephen King e capacidades de criar efeitos especiais que fariam corar Steven Spielberg. O perdão fiscal surge assim disfarçado, como numa festa de Carnaval, de Gata Borralheira, de Batman ou de Pirata da Perna de Pau. O actual Governo, para não ser acusado de falta de criatividade, também comprou numa loja dos 300 a sua fatiota para o baile dos perdões fiscais. Vestiu-se de Madame Min, porque a forma como tenta disfarçar que o perdão fiscal que inventou não o é leva a que ninguém acredita que não se trata de uma bruxaria que algum secretário de Estado aprendeu no Youtube.
Compreende-se a ânsia do Governo: umas centenas de milhões de euros vêm mesmo a jeito para dar fôlego ao milagre que se prepara para o fim do ano: colocar António Costa a caminhar sobre as águas anunciando 2,5% de défice. Ou menos. O primeiro-ministro está salvaguardado de ondas inesperadas: a oposição actual fez o mesmo quando estava no Governo. Ou seja, mais uma vez as necessidades orçamentais fazem com que se diga agora que o perdão é um pitéu quando antigamente era um produto tóxico. E vice-versa. Como sempre a política choca com o bolso das pessoas e com a moral dos impostos: quem paga a tempo e horas o que deve ao Estado é penalizado pelo seu rigor e esforço. Quem, por diferentes razões, não paga no prazo é, mais uma vez, beneficiado. É nestes momentos que o Estado mostra a sua grotesca face. Entra em modo de "poupança de energia", o mesmo que fazia o robô R2D2 perante a ausência de Luke Skywalker. Em nome do milagre do défice, o Estado diz-nos que todos somos iguais. Mas que, lamentavelmente, há sempre uns mais iguais do que os outros.»
Fernanda Sobral
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11.10.16
A Oeste, nada de novo
«Para o fim, como sempre, fica a cereja. Não é que o Banco Central Europeu, o arauto da intransigência, responsável por desastres como o do desfecho do Banif ou da chantagem contra o Governo grego, resolveu dar uma borlazinha ao Deutsche Bank? Para ajudar o banco alemão nos testes de stress, o BCE aceitou contabilizar mais-valias de uma grande operação que ainda não tinha sido concluída.
Banco ou Governo, nesta União são todos iguais. O Deutsche Bank é o mais igual de todos.»
. Dica (411)
Lamento pelos taxistas que se perdem. (Ferreira Fernandes)
«Um taxista a dizer no aeroporto que a sua causa é justa tem o crédito de Trump a dizer que é um cavalheiro.»
. Os manuais escolares são de todos nós
«A entrevista que a secretária de Estado da Educação dá hoje ao PÚBLICO é reveladora da determinação com que o Governo quer enfrentar um dos sectores que há mais tempo goza da complacência do Estado na frente educativa: o da edição em geral e dos livros escolares em particular, onde um punhado reduzido de editores tem beneficiado do status quo há muito vigente à custa dos orçamentos familiares de muitos portugueses.
Ninguém sabe ao certo quanto vale o mercado da edição de livros escolares em Portugal e isso diz muito sobre a opacidade do sector. O que se sabe e o que poucos questionarão é que todos os anos milhares de portugueses são forçados a gastar o que têm e o que não têm em dezenas de manuais novinhos em folha, quando há alternativas menos onerosas para as famílias e para o ambiente. Os exemplos abundam e até nos são próximos: na Europa são vários os países que oferecem manuais aos seus alunos e o próprio Conselho Nacional de Educação já por três vezes indicou que este é o caminho a seguir. A multiplicação de bancos de partilha gratuita de manuais e os esforços de muitas câmaras para oferecê-los mostram que esse caminho não só é viável como há muitos portugueses dispostos a percorrê-lo.
O actual Governo fez, por isso, o que há muito devia ter sido feito: dar início a um programa verdadeiramente inclusivo de oferta gratuita de manuais escolares com vista à sua reutilização, para já exclusivo dos alunos do 1.º ciclo mas que se espera venha a ser alargado progressivamente aos restantes ciclos de ensino. (…)
É preciso agora que o mesmo Governo que parece apostar numa mudança de paradigma dê também o exemplo que tem faltado ao longo dos anos: uma nova política para o livro escolar não dispensa políticas educativas estáveis e programas que perdurem no tempo, para que a cada novo ciclo governativo tudo deixe de mudar, inclusive os manuais escolares.
Num país em que a educação tem sido vezes demais palco de disputas ideológicas, quando muda o Governo mudam os programas e as editoras fazem a festa. O desafio agora é que sejam as famílias a festejar.»
Tiago Luz Pedro
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Para onde vamos?
«Para alguns, Portugal deveria ser a Califórnia da Europa. Para outros, que sonham mais com o turismo, este país poderá transformar-se na Florida do Velho Continente. Para a Alemanha, está provado, deveremos ser um relógio de cuco dócil.
Só que a eleição de António Guterres mostrou que, como dizia o padre António Vieira, no seu célebre sermão de Santo António aos peixes, nascer português era morrer peregrino. Ou seja, livre de amarras de quem nos olha como um protectorado obediente. Portugal defronta-se, mais uma vez, com o seu destino: qual deve ser o seu lugar na Europa e no mundo? Se ficar acomodado à Europa, já se percebeu, Portugal será um aio de Berlim e de Bruxelas, acorrentado ao círculo vicioso de austeridade para pagar a dívida e equilibrar o défice enquanto fica sem dinheiro para fazer crescer a economia. Nunca sairá daqui.
Talvez por isso Portugal precise de se sentar junto ao Atlântico e voltar a partir para não acabar como as fábulas dos irmãos Grimm para crianças. De outra forma Portugal devorar-se-á a si próprio. O país vive um momento de equilibrista sem rede por baixo. Do estrangeiro pede-se para se cortar, já não nas gorduras, mas no osso. No interior exige-se que se distribuam gorduras que são difíceis de encontrar. O caminho estreito de António Costa e do seu Governo que tem de ser Hyde e Jekyll ao mesmo tempo faz-se por aí. É um trilho minado e difícil. Mas isso não apaga os desvarios que se vão observando. O OE está a tornar-se uma nova Praça da Ribeira: tudo é anunciado e negociado aos gritos. Parece o regresso, como farsa, do OE do queijo limiano. Não é um bom sinal. Para onde caminhamos? É isso que continua a não se discutir neste país que continua a ser um torpe herdeiro do cobrador do fraque: tudo o que reluz pode ser taxado. Vive-se do curto prazo, de ideias curtas e de políticas vãs. Com postais da Califórnia e da Florida como ilusão. Portugal precisa é de ser Portugal.»
Fernando Sobral
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10.10.16
Cerco Taxista a Lisboa (2)
Vou contar uma história. Há poucos meses, apanhei um táxi na rua, à noite, e assim que entrei vi que o motorista tinha uma máscara dos Anonymus. Ia brincar com o facto insólito, mas ele não se calava e percebi logo que estava bem ganzado. O percurso era curto e cheguei a casa.
Porque conto isto? Porque há taxistas de todas as espécies, mas não me lixem hoje como se fossem mártires e santos bem-comportados. Aliás, basta vê-los hoje nas TV: a Uber já ganhou o dia. Precisam de concorrência, sim – justa, mas forte. E o resto são histórias de passadismo bacoco.
- Cerco Taxista a Lisboa (1)
Se não me engano, a razão pela qual se deve participar o percurso de determinada manifestação é a gestão do trânsito. Julgo que não estava de todo previsto que o acesso ao Aeroporto estivesse praticamente bloqueado durante várias horas. Passou a ser normal?
10/10, 14h..
A desglobalização já está aqui
«A política nunca é certa. Mesmo assim, do Brexit a uma inquietada Zona Euro, até à retórica isolacionista que está a permear as eleições norte-americanas, um facto é claro: os mantras anteriores da globalização e da desregulação estão a ganhar uma oposição crescente.
Os eleitores de todo o mundo desenvolvido estão a manifestar a visão de que os benefícios de operar a uma escala internacional são compensados por salários mais baixos, perspetivas mais fracas de emprego e uma desigualdade crescente. Este sentimento geral ainda não forçou a globalização a uma reversão. Porém, o seu abrandamento tem implicações significativas para cidadãos, governos e também investidores. (…)
Os estímulos fiscais deveriam ser fiscalmente responsáveis. Os fracos níveis de crescimento económico global estão a ser satisfeitos com pedidos crescentes de despesa fiscal e de infraestrutura ao nível local. No entanto, estes deveriam ser compensados com idênticos níveis de preocupação sobre a capacidade para tais gastos. Serão com certeza necessários investimentos massivos nas grandes economias do futuro, como a Índia, Indonésia e África, para não mencionar a reparação e a manutenção necessárias no mundo desenvolvido. Todavia, ao invés de serem financiados por mais dinheiro emprestado, estes investimentos deveriam ambos cobrir os custos de financiamento e acrescentar prosperidade económica e produtividade a estas regiões. De outra forma, equivalem apenas a esquemas Ponzi.
Para muitos, a nossa perspetiva secular do Ocidente de um mundo moderno e estável, sob a Pax Europae e a Pax Americana, parece estar a chegar ao fim. Arriscamo-nos a que, em seu lugar, regressemos a uma versão de países e Estados que precede as soluções coesas da nossa era pós-Segunda Guerra Mundial. E é apenas através de soluções que reconheçam as fraquezas da globalização, mas que dividam mais equitativamente os despojos ao longo e dentro das fronteiras, que conseguiremos evitar mais tensão política.»
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9.10.16
Pobre António Saraiva!
Lá terá de viver com menos de 550 euros…
«Nas contas da CIP, [o salário mínimo em 2017] não chega a 550 euros.»
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Guerra Colonial ou Guerra do Ultramar?
«A escolha da designação da guerra que os portugueses travaram entre 1961 e 1975 não é inocente e, como se tornou um motivo de polémica, ainda menos inocente é. No entanto, penso que não é tão importante como isso, nem precisa de suscitar grandes exaltações, à medida que o tempo vai assentando. Na verdade, a guerra no Ultramar foi uma guerra colonial, e não há modo de lhe dar a volta se tratarmos apenas do conteúdo. Começou como guerra colonial, desenvolveu-se como guerra colonial, gerou as tensões no Ultramar e na metrópole típicas de uma guerra colonial, atingiu soldados, colonos brancos e guineenses, moçambicanos e angolanos, como uma guerra colonial, levou à queda de uma ditadura por ser uma guerra colonial, logo perdida à cabeça e sem solução militar, acabou como uma guerra colonial, e continuou, nas suas sequelas de guerra civil, como acontece com os efeitos de uma guerra colonial.
Para quem se lhe opôs, desde os desertores, os refractários, os militantes contra a guerra nas escolas e fábricas, os partidos clandestinos que combatiam a ditadura, ninguém a designa a não ser como guerra colonial. Para os nacionalistas africanos que combateram com armas as Forças Armadas Portuguesas, também não lhes passa pela cabeça chamar à guerra outra coisa que não colonial. Penso, com o risco deste tipo de previsões, que ficará na História como guerra colonial, pelo simples facto de ter sido… uma guerra colonial.
Mas há outro lado: muitas centenas de milhares de portugueses combateram na guerra, muitas mães, namoradas e esposas conheceram a espera sobressaltada e o sofrimento com mortes, feridos e feridas, algumas das quais nunca sararam. Ouvi recentemente alguns depoimentos de soldados, e das mulheres que esperavam, e percebe-se muito bem porque a designação guerra colonial os incomoda, mesmo que, ao falarem da sua experiência militar, se perceba até que ponto foram forçados a fazerem-na, sofreram ao fazerem-na, e olham para ela com uma perspectiva muito mais crítica do que muitos opositores à guerra são capazes de ter. Por uma razão simples, eles fizeram-na e precisam, pela sua dignidade e identidade, que o seu esforço e risco não seja minimizado ou apoucado, pela parte que lhes cabe na condenação moral que tem a designação de guerra colonial. Eu nunca designaria a guerra a não ser como colonial, se à minha frente estivessem os seus responsáveis políticos e militares, nem os seus defensores actuais, mas não me incomoda vê-la designada como sendo do Ultramar por estes homens e mulheres. Até porque, de todos os que ouvi, nenhum achava que a guerra tinha sido justa, nenhum correu para a guerra porque acreditava nas virtudes do império, nenhum escondia as violências e os excessos e mesmo alguns sublinhavam como a guerra lhes destruiu quer a vida que desejavam ter, quer a que tiveram.
É também por isso que penso que o Estado e a comunidade lhes devem aquilo que nos países que conheceram grandes guerras, como os EUA e o Reino Unido, é o reconhecimento dos seus veteranos, e o esforço de os apoiar na sua vida tantas vezes difícil. E honrá-los como devem ser honrados porque a justiça e a injustiça das guerras que um país trava não ficam como julgamento moral dos que as combateram, mas sim naqueles que as decidiram.»
José Pacheco Pereira
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Jacques Brel e John Lennon
O primeiro partiu num 9 de Outubro, há 38 anos, o segundo faria hoje 76.
Acompanharam muitos de nós ao longo da vida, marcaram-nos cada um à sua maneira – mais Jacques do que John, no que me diz respeito. Mas ambos ficaram para ser ouvidos, pelos mais novos e pelos menos novos.
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