«Há uma tradição muito democrática e muito portuguesa que diz que em tempos de penúria orçamental se criam perdões fiscais.
Mesmo que tenham outro nome, porque nesse aspecto os ministros das Finanças têm uma imaginação semelhante à de Stephen King e capacidades de criar efeitos especiais que fariam corar Steven Spielberg. O perdão fiscal surge assim disfarçado, como numa festa de Carnaval, de Gata Borralheira, de Batman ou de Pirata da Perna de Pau. O actual Governo, para não ser acusado de falta de criatividade, também comprou numa loja dos 300 a sua fatiota para o baile dos perdões fiscais. Vestiu-se de Madame Min, porque a forma como tenta disfarçar que o perdão fiscal que inventou não o é leva a que ninguém acredita que não se trata de uma bruxaria que algum secretário de Estado aprendeu no Youtube.
Compreende-se a ânsia do Governo: umas centenas de milhões de euros vêm mesmo a jeito para dar fôlego ao milagre que se prepara para o fim do ano: colocar António Costa a caminhar sobre as águas anunciando 2,5% de défice. Ou menos. O primeiro-ministro está salvaguardado de ondas inesperadas: a oposição actual fez o mesmo quando estava no Governo. Ou seja, mais uma vez as necessidades orçamentais fazem com que se diga agora que o perdão é um pitéu quando antigamente era um produto tóxico. E vice-versa. Como sempre a política choca com o bolso das pessoas e com a moral dos impostos: quem paga a tempo e horas o que deve ao Estado é penalizado pelo seu rigor e esforço. Quem, por diferentes razões, não paga no prazo é, mais uma vez, beneficiado. É nestes momentos que o Estado mostra a sua grotesca face. Entra em modo de "poupança de energia", o mesmo que fazia o robô R2D2 perante a ausência de Luke Skywalker. Em nome do milagre do défice, o Estado diz-nos que todos somos iguais. Mas que, lamentavelmente, há sempre uns mais iguais do que os outros.»
Fernanda Sobral
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