19.9.20

Marcelo: é preciso ter lata!

 


Para além da luta dos antifascistas e da acção dos militares, também foi decisivo o papel do «Expresso» para que o 25 de Abril tenha acontecido. 
Podiam ser feitos muitos comentários a afirmações deste tipo, mas confesso que estou sem pachorra. Os historiadores que revejam o que têm vindo a pensar e a escrever nos últimos 46 anos. 

(Expresso, 19.09.2020)
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Mariana Mortágua - AR, 17.09.2020

 


E porque hoje é Sábado, saia um sorriso…




Não deixem aos populistas a conversa sobre a corrupção...


 

«… porque senão eles tornam-na num ataque contra a democracia, usando como pretexto a corrupção, que lhes é verdadeiramente indiferente. Mais do que nunca, temos que ter uma conversação rigorosa, dura, intransigente, mesmo impiedosa, sobre a corrupção. Por vários motivos: um, estrutural, porque a corrupção é endémica em Portugal; outro, de circunstância: porque vem aí da Europa o alimento da corrupção, milhares de milhões de euros. Já se vêem os bandos de pombos atrás do milho. Por último, porque nada mais fragiliza a democracia nos dias de hoje do que a corrupção num debate público envenenado pelas redes sociais, com a crise de toda a informação de qualidade, mediada e séria a ser substituída pelo clamor populista e pela crise colectiva da “educação para a cidadania” dos seus cultores... 

Comecemos pelo carácter estrutural da corrupção em Portugal nos dias de hoje. O que é que se pode dizer quando temos enredados na justiça, arguidos, acusados, indiciados, toda a panóplia de graus de indiciação, um antigo primeiro-ministro, vários ex-ministros, vários secretários de Estado, autarcas, dirigentes da administração pública, militares de altas patentes, responsáveis policiais, juízes, procuradores, dirigentes desportivos de grandes clubes, empresários, gestores de topo, deputados, banqueiros, personalidades do jet-set, génios das tecnologias, uma multidão de medalhados, doutorados, homenageados, por aí adiante. Quem é que escapa? 

O que aconteceu é que toda esta gente se encontrou uma ou mil vezes perante uma tentação a que não resistiu, ou que acolheu de braços tão abertos, que nem chega a ser tentação, felizes pelas oportunidades de ganhar dinheiro ilegalmente, de fugir aos impostos, de vender ou comprar um favor, de roubar com colarinho branquíssimo, de usar os seus conhecimentos nas altas esferas e os melhores conselheiros no mercado, para defraudar os “parvos” dos outros. Tiveram oportunidades, e criaram oportunidades, e é a facilidade com que isto aconteceu, e a fila enorme de gente importante que foi lá buscar o seu quinhão, que mostra que não é um problema de meia dúzia de corruptos, mas do “meio” que facilita o crime, ou seja, é estrutural e não conjuntural. Eles vivem no “meio” e são o “meio”. 

Hoje isto é dinamite para a democracia. Já houve alturas em que não foi assim, ou não foi tão grave assim. Hoje, é. Os populistas usam a corrupção para atacar a democracia divulgando o mito de que regimes de ditadura como o de Salazar-Caetano não tinham corrupção. Completamente falso, e isso seria evidente se se tirasse a tampa da censura. Mas os políticos sérios em democracia ajudam a demagogia dos populistas a ter sucesso pela flacidez com que numa sociedade estruturalmente corrupta defrontam a corrupção. O problema da corrupção não vem da democracia, daí que o seu principal agente não seja sequer a chamada “classe política”, mas vem da sociedade, das debilidades do nosso tecido social, de uma burocracia assente em favores, da desigualdade de acesso ao poder e informação, e das várias promiscuidades entre poderes fácticos, como o contínuo que vai da construção civil aos clubes desportivos e terminando no poder político. 

O problema é que os promíscuos não estão sozinhos, porque, se se pensa que o alarido populista significa verdadeira recusa deste tipo de actos, estão bem enganados. Como os culpados lembraram, faziam habitualmente este tipo de tráficos sem qualquer protesto, como se fosse normal e era reconhecido como normal. Até porque, como diz o ditado, o peixe apodrece pela cabeça e por isso, de cima a baixo, o sistema de cunhas, tráficos de influência, patrocinato e favores mergulha até ao fundo e, numa sociedade com este tipo de convívio com a pequena, a média e a grande corrupção, nunca haverá verdadeiro repúdio da corrupção a não ser nas bocas de café, agora transpostas para as redes sociais. 

Uma das coisas que faz o populismo é centrar as suas acusações à corrupção “deles” e isolá-la como alvo principal, deixando de lado o meio em que ela é partilhada com “forças de segurança”, “agentes económicos”, “empresários de sucesso”, magistrados, protagonistas de um mundo em que o populismo não toca. Já viram alguma especial indignação com a corrupção nos grandes clubes quando não é o “nosso”? Como se as pessoas que vociferam nos cafés e nas redes não tivessem uma ideia de onde vem e para onde vão os muitos milhões e milhões que custam os jogadores. 

Isto significa que não se pode fazer nada? Bem pelo contrário, pode até fazer-se muito, mas de um modo geral não é o que habitualmente se faz na resposta pavloviana à pressão populista. O populismo é contraproducente para combater a corrupção; pelo contrário, até a reforça. Não é aumentar as penas, não é diminuir as garantias do Estado de direito, não é oscilar entre a complacência e a intransigência. É pensar de uma ponta a outra a administração, das autarquias aos ministérios, é cortar radicalmente os milhares de pequenos poderes discricionários que por aí existem, obrigar a que sejam transparentes e escrutináveis muitos processos que nada justifica não serem públicos. Agora que vêm aí vários barris de dinheiro, é vital que tal se faça. 

Mas é também dar o exemplo de que não se mistura “honra” com mundos muito pouco honrados. Por isso é que a participação do primeiro-ministro, do presidente da Câmara de Lisboa e de vários deputados num acto de promiscuidade com o poder fáctico do futebol é muito grave, porque significa indiferença face à corrupção, numa altura crítica do seu combate. Como não se retractaram, ficam com uma mancha.» 

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18.9.20

Depois de tanto tempo em ensino a distância...

 

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Manuel António Pina – seriam 77



Manuel António Pina nasceu em 18.11.1943 e continua bem vivo connosco, todos gostaríamos de continuar a saber o que pensaria da espuma dos dias que correm, a ler novos poemas, a saber como se comportavam os seus gatos.

A rever: o trailer de um excelente filme de Ricardo Espírito Santo.




A recordar: a última crónica que publicou no JN:

Coisas sólidas e verdadeiras (01.08.2012)

«O leitor que, à semelhança do de O'Neill, me pede a crónica que já traz engatilhada perdoar-me-á que, por uma vez, me deite no divã: estou farto de política! Eu sei que tudo é política, que, como diz Szymborska, "mesmo caminhando contra o vento/ dás passos políticos/ sobre solo político". Mas estou farto de Passos Coelho, de Seguro, de Portas, de todos eles, da 'troika', do défice, da crise, de editoriais, de analistas!

Por isso, decidi hoje falar de algo realmente importante: nasceram três melros na trepadeira do muro do meu quintal. Já suspeitávamos que alguma coisa estivesse para acontecer pois os gatos ficavam horas na marquise olhando lá para fora, atentos à inusitada actividade junto do muro e fugindo em correria para o interior da casa sempre que o melro macho, sentindo as crias ameaçadas, descia sobre eles em voo picado.

Agora os nossos novos vizinhos já voam. Fico a vê-los ir e vir, procurando laboriosamente comida, os olhos negros e brilhantes pesquisando o vasto mundo do quintal ou, se calha de sentirem que os observamos, fitando-nos com curiosidade, a cabeça ligeiramente de lado, como se se perguntassem: "E estes, quem serão?" Em breve nos abandonarão e procurarão outro território para a sua jovem e vibrante existência. E eu tenho uma certeza: não, nem tudo é política; a política é só uma ínfima parte, a menos sólida e menos veemente, daquilo a que chamamos impropriamente vida.»
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É possível prevenir as mortes em lares?

 




Paulo Pedroso
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Apoio a Marisa Matias

 


Claro que também me junto nestes, e com tantos outros, no apoio a esta candidatura - sem qualquer hesitação. 

“Nós apoiamos a Marisa”

Marisa Matias divulga lista inicial de apoiantes
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A lista de Vieira: da tragédia à farsa em cinco dias

 


«Eu sei que é suposto a História dar-se primeiro como tragédia e repetir-se depois como farsa, mas que diabo, ninguém me tinha dito que seria tão rápido. Na segunda-feira caprichei a escrever sobre a inclusão de António Costa na lista da Comissão de Honra de Luís Filipe Vieira como tragédia shakespeariana, com punhaladas e discursos grandiloquentes, e eis que cinco dias volvidos tudo se desfaz em farsa, com Luís Filipe Vieira a tirar inopinadamente da sua lista não só António Costa como os políticos que o tinham decidido honrar. 

A tentação seria repetir também a dose, e em vez da tragédia chamada Júlio César, que me serviu de mote na segunda, optar agora por uma farsa, talvez Comédia de Enganos. Mas não vale a pena. Não há nada de mais elaborado a dizer sobre esta reviravolta da história do que notar que a emenda conseguiu ficar ainda pior do que o soneto. Ou seja, os titulares de cargos públicos querem honrar Vieira, mas é Vieira a tirá-los da lista como se eles fossem desonrosos. É o mundo ao contrário! 

Tendo em conta o coro de críticas à mistura da política com o futebol num tempo em que sobre Luís Filipe Vieira impendem suspeitas de interferência com a justiça, o que se esperaria seria uma de duas coisas. Ou António Costa (porque é principalmente dele que se trata, enquanto chefe do poder executivo) mantinha a sua posição de que estar naquela lista fazia parte de uma parte da sua vida enquanto adepto de futebol que é absolutamente irrelevante para a política, pese embora a contradição aparente com o dever de reserva que ele recomenda aos ministros. Ou então António Costa tomaria em conta as críticas que lhe foram feitas e, dando-lhes razão no fundo ou aceitando os seus argumentos na forma, diria que tinha decidido retirar o seu nome da lista. 

O que acabou por acontecer, não sendo nenhuma dessas duas opções, pode parecer à primeira vista ter isentado o primeiro-ministro de ter de fazer uma escolha, ainda para mais quando o Presidente da República já tinha anunciado que este seria um tema da conversa semanal entre ambos. O assunto parece assim encerrado, mas a verdade é que deixa um gosto amargo, porque é precisamente ao primeiro-ministro que compete tomar este tipo de escolhas, para o bem e para o mal. Ao retirar com pouca cerimónia os titulares de cargos públicos da sua lista de honra, Vieira acaba por reforçar a ideia de que é o futebol que manda nisto tudo e que são os presidentes de clube os únicos a poderem verdadeiramente tomar decisões, nos tempos que correm, sem temerem consequências por parte da opinião pública. Mesmo aí, Vieira teria podido tomar uma atitude mais cívica, e humilde, declarando publicamente que lamentava a situação criada e que embora agradecesse a disponibilidade dos titulares de cargos públicos em causa, os desejava dispensar do compromisso que eles tinham assumido. Mas as boas maneiras parecem não fazer parte do acervo do presidente de clube de futebol. E foi assim que, tratando o chefe de governo como um daqueles treinadores a quem se dá uma chicotada psicológica dias depois de se lhe ter demonstrado confiança, Vieira acabou por pôr e dispor das pessoas que o tinham querido honrar com os seus nomes. 

Se este episódio já revelava uma estranha ausência do mais simples tato político, agora ele acaba por ilustrar uma problemática incompreensão dos valores republicanos. Não é, nunca por nunca ser, um presidente de clube de futebol que “despede” um primeiro-ministro, nem que seja da sua comissão de honra. Se António Costa foi surpreendido por esta decisão de Vieira, é mau. Se de alguma forma sabia dela antes, é pior, porque nesse caso teria aceitado esta menorização do cargo que representa. Prefiro então pensar que tenha sido exclusivamente Luís Filipe Vieira a tratar os seus apoiantes como objetos, assim como trata jogadores de futebol ou treinadores ou, quem sabe, juízes. Mas mesmo assim isso diz muito sobre o tipo de figuras deste mundo do futebol que as pessoas que faziam e fazem parte da comissão de honra dele estão a honrar com os seus nomes. Eles emprestaram-lhe honra, ele retirou-lhes dignidade. 

Para onde quer que nos viremos, tudo isto é triste, tudo isto existe, mas tudo isto é mais do que fado — ou futebol. Para um país, ser farsa não deixa de ser também trágico à sua maneira.» 

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17.9.20

«Ufa, Luís, tiraste-me um peso de cima !»

 


Terá sido esta uma frase do diálogo? Nunca se saberá. Mas houve um que fez figura de urso e outro que já não tem de lhe dar um puxão de orelhas em Belém na reunião desta tarde, 5ª feira. Siga o baile. 

Primeiro dia de aulas

 


14h10, numa escola a dezenas de metros de minha casa (e os grupos de alunos era muitos mais do que se vê, passeio acima e passeio abaixo, muitos sem máscara, outros com ela mas «aliviada»…). 

A escola até pode estar bem organizada internamente, o grande espaço de recreio, que vejo da minha janela, está tristemente deserto, mas a pedagogia na rua não devia ser feita pela autarquia ou por uma brigada sei lá de quê? Assim é que não faz sentido.
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A vacina não vem já, vamos começar a pensar nos nossos filhos?

 


«Não sou médico nem cientista. Não faço a mais pálida ideia da real probabilidade de termos, a curto ou médio prazo, uma vacina contra o coronavírus eficaz e ministrada à escala global. O máximo que posso expressar é o meu cepticismo. E acho que é com base nesta cautela que os políticos devem gerir esta pandemia. 

A suspensão dos testes da vacina da farmacêutica AstraZeneca ajudou a temperar esperanças de curto-prazo. Temo, aliás, que com uma opinião pública ansiosa por boas notícias e um poder político ansioso por as dar, se façam por aí grande e inúteis negócios. Por mim, preparo-me para viver algum tempo com este vírus e sem vacina. O que dizer que me preparo para não aceitar medidas que não sejam sustentáveis por um tempo razoável. E que temo a ansiedade de políticos e médicos indisponíveis para ouvir especialistas de outras áreas, que lhes expliquem os efeitos perigosos de muitas das medidas que os primeiros impõem por pressão dos segundos. 

Ao ouvir políticos franceses e espanhóis aventar a possibilidade de mais um período de confinamento, fica claro que não estamos preparados para lidar com os perigos das epidemias e em nome de uma falsa segurança estamos e totalmente disponíveis para o suicídio coletivo. E o problema é que gastámos todos os cartuchos logo na primeira fase. O futuro dirá se fizemos bem ou mal e não estarei aqui para cobrar a quem teve de decidir com base no pouco que se sabia. Os suecos decidiram de forma diferente e foram trucidados. No fim saberemos quem tinha razão. 

Temo os efeitos psicológicos e psiquiátricos do medo induzido de forma persistente e incisiva. Temo os efeitos sociais e políticos que destruam aquilo pelo qual tantos morreram. Temo as vítimas colaterais de outras doenças e a lenta e irreversível destruição de um Serviço Nacional de Saúde obcecado pelo vírus. Temo a destruição de relações laborais minimamente decentes. Temo os efeitos duradouros na economia. E temo os sacrifícios que exigimos a uma geração que se está a formar agora para uma vida inteira a que tem direito. 

Se das milhares de tarefas que temos pela frente tivesse de escolher duas, elas seriam o investimento nos lares, para proteger o principal grupo de risco onde ele se encontra – e mesmo assim sabemos que não evitaremos mortes inevitáveis a curto prazo –, e a abertura sem mais uma interrupção das escolas. Com aulas presenciais. Esta semana começa o derradeiro teste. Tivemos meses para preparar estes dias. Veremos se estamos disponíveis para compensar o que tirámos, nestes meses, aos nossos filhos. O que me chega é pouco mais do que mudanças de horários. Pouco, muito pouco.» 

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16.9.20

Futuro no masculino

 

Será que o coordenador desta publicação, os 13 homens que aceitaram cooperar na mesma e a Porto Editora (que, apesar de haver só uma mulher entre os autores, não encontrou lugar para pôr uma fotografia de Lídia Jorge neste painel de propaganda, embora várias dos homens estejam em duplicado) não têm vergonha de tudo isto, em pleno Século XXI?
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Tesourinhos do PSD

 

Este cartaz não é fake, foi tirado da página do Facebook do PSD Lisboa e está afixado em vários locais da cidade.
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Pode-se escolher entre ser e parecer? Não



«Mesmo que seja um reconhecimento de fragilidade, não há como rejeitar que a política é uma aparência. Antes que me atirem uma pedra, deixem-me reforçar: é uma aparência e tem que ser assim mesmo (é também mais do que isso, mas já lá vou). Votamos em quem identificamos, a cujo percurso, debates, discursos, e arroubos assistimos e até, nalguns casos, sobre quem lemos questionários de Proust e trivialidades avulsas. Olhamos para os partidos e para as instituições como velhos vizinhos, cujas ideias, propostas e até manias adivinhamos e medimos pelo que nos parecem. O sistema democrático, que é este que nos organiza, coloca a maioria da população no lugar do espectador e, por isso, a aparência conta, como é que não havia de contar? Se não vemos, não sabemos; se não reconhecemos, não conhecemos.

Assim sendo, a aparência tem regras e consequências, que não devem ser cruzadas. É o caso do futebol. Um dirigente partidário ou um governante não deve fazer parte de uma direção de clube ou de uma disputa eleitoral num clube, não só por estar a emprestar a sua figura pública a uma fronteira que deve ser reservada (ou, mais frequentemente, a aproveitar-se dela), como por estar a incentivar com essa transgressão uma proximidade sempre suspeita. Repare que o mesmo se deve aplicar a uma igreja. Um político pode ter preferência clubística ou religiosa, é o seu direito inquestionável, mas se tem o mandato da representação geral, não pode submetê-lo a um particularismo que pareça um favor. É bom dizer que, em vários casos, se trata aliás de um frio calculismo (já assisti a um debate de televisão entre dois adeptos de clubes diferentes, ambos deputados do CDS; ou atente-se como Ventura abusou do seu clube para se promover), noutros será puro deslumbramento e paixão. Não deixa de ser sempre errado: parece, mas parece mal.

Dir-se-á que isso tem sido banalizado e é verdade. A lista de passados jantares partidários em clubes de futebol em campanha eleitoral é cruel. A tolerância em relação a evocações religiosas por candidaturas políticas tem sido promíscua. Há por isso alguma ingenuidade quando o presidente da Câmara de Lisboa se espanta por só agora ser questionado por um apoio a Vieira que se repete (mas só agora se sabe que as empresas de Vieira provocaram um rombo de 225 milhões e a procissão vai no adro), ou quando o primeiro-ministro se amofina com a invasão do seu território, que diz privado. A privacidade, cuja defesa é uma essência da democracia, incluindo a da preferência clubística ou religiosa ou outra qualquer, deixa de poder ser invocada quando se participa numa lista de apoios que foi definida para ser pública. E o problema é que eles são medidos em cada momento pela aparência, foi o contrato que aceitaram ao candidatarem-se a governar-nos.

Argumentar-se-á que o governante de aparência mais austera e distanciada dos clubes pode ser, na sombra, o que mais promove algum interesse obscuro. Ou seja, não parece mas é. Ora, esse argumento não solicita a dissolução da precaução a respeito das regras de comportamento que evitem a sobreposição entre o interesse geral e a sua instrumentalização para um clube de futebol. Pelo contrário, reforça-as. Se vários governos permitiram regras fiscais duvidosas, fecharam os olhos a contas suspeitas, permitiram a lavagem de dinheiro e outras tropelias no futebol, se câmaras municipais se acotovelaram para oferecer benesses, ou seja, se são, mesmo quando não o parecem, os casos exigem a mesma reprovação.

Assim, a política não pode parecer conivente com interesses clubísticos, ou outros. E também não o pode ser. Já agora, porque o futebol, ou qualquer desporto, vale por ser popular, por ser para toda a gente e, por isso, deveria ser território proibido para a ganância de dirigentes ou o aproveitamento de governantes. Não se pode escolher entre ser e parecer. Tem que se parecer o que se é e ser o que se parece. 

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15.9.20

15/16.09.1973 – Quando mataram Victor Jara



Victor Jara foi assassinado em 15 (ou 16) de Setembro de 1973, poucos dias depois do golpe em que morreu Salvador Allende.

No dia 11, estava nas instalações da Universidade, que foram cercadas por militares, sendo depois transportado para um Estádio transformado em campo de concentração, onde foi torturado e assassinado.

Poucas horas antes de morrer, escreveu o seu último poema – «Somos cinco mil» – que chegou até nós graças aos seus companheiros de cativeiro.


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Marisa Matias em Moria



«No final da semana irei a Moria. Mais de 10 mil pessoas, das quais quase 4 mil são crianças, estão a passar fome, não têm tecto e o mundo fecha os olhos. É preciso desmontar o cerco, falar abertamente da tragédia e mostrar a solidariedade a quem o mundo está a virar as costas.
Se é preciso ir lá pessoalmente para mostrar que o que está a acontecer é uma tragédia, para dar voz a estas pessoas e para ter dados reais sobre o que está a acontecer, então vamos.»
Marisa Matias no Facebook

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Marcelo – nova fase



Pelo que se tem visto nos últimos dias, parece-me que Marcelo nem está em campanha para as presidenciais, já adoptou o estilo que terá no exercício do segundo mandato. Isto promete.
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Ventura, a voz do dono

 


«Fazer política é escolher que interesses se defende. André Ventura diz representar "o português comum", mas na verdade quer proteger os interesses dos ricos que querem pagar menos impostos. 

Em 2018, os 10% mais ricos do país ganhavam 8,6 vezes o rendimento dos 10% mais pobres. A desigualdade é enorme, mas é o registo mais baixo de sempre no INE. Sucede que estes dados escondem outras injustiças. Porque no topo dos 10% mais ricos há quem ganhe, por mês, o que um trabalhador com o salário mínimo não leva para casa em três anos de trabalho. É o caso, por exemplo, do presidente do Novo Banco, que recebe 400 mil euros por ano. 

As causas das desigualdades são muitas. Para a maioria, o contexto social e familiar significa falta de oportunidades e uma vida presa ao salário mínimo ou pouco mais. Para muitos jovens licenciados, mil euros é o salário mais frequente, num país em que o salário médio mais alto de sempre, registado em 2019, foi de 1276 euros (bruto). 

Combater os baixos salários e a precariedade é uma forma eficaz de reduzir as desigualdades. A outra são os impostos: quem ganha mais contribui mais, proporcionalmente, para os serviços públicos que beneficiam todos. Assim, o presidente do Novo Banco paga 161 mil euros de IRS ao ano (40% do seu rendimento), enquanto o trabalhador que recebe o salário médio paga 2040 euros (12% do rendimento) 1*. A todos é dada, em troca, a segurança de saber que terão acesso a cuidados de saúde, escola para os filhos e apoio social em caso de necessidade. Parece pouco? Nos EUA, onde não existe um SNS, as dívidas de saúde são a principal causa de falência pessoal e a maior parte dos jovens estão enredados em empréstimo bancários para pagar os estudos. 

Não faltou na História quem tentasse acabar com este modelo de Estado social que é a maior conquista dos trabalhadores contra a selva social e a miséria do século XIX e início do século XX. Não é por acaso que os serviços públicos são tão atacados por figuras com Trump, que deu prioridade à redução dos impostos dos mais ricos. 

Em Portugal, essa é também a proposta do partido Chega, que defende uma taxa única de IRS. Com uma taxa única de 15%, o presidente do Novo Banco pagaria muito menos de metade dos impostos que hoje paga. Ventura beneficiaria de um desconto de 25% nos impostos sobre o seu salário de deputado. Já o Estado perderia receitas essenciais à Saúde e à Educação. Mas é mesmo esse o plano do Chega: no seu programa oficial está o fim do SNS e a entrega das escolas aos privados. Para os mais ricos, que poderiam pagar por estes serviços, isso não é um problema. Para o "português comum", seria o empobrecimento imediato. 

Agora, no Parlamento, o advogado Ventura continua a defender os seus clientes de antes: ricos que não querem pagar impostos. 

1* Simulação simples para casado com dois dependentes e 50% de deduções em educação e saúde.» 

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14.9.20

Nova sondagem

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Acontece aos melhores

“Pois Luís Filipe Vieira é homem honrado”

«Calma, concidadãos. Não venho aqui dizer se Luís Filipe Vieira é homem honrado — ou se não o é. Nada direi do que não sei. Sei apenas que sobre ele impendem suspeitas de ter tentado interferir com o curso da justiça; que dele se diz ter sido um daqueles enormes devedores ao Banco Espírito Santo cujos incumprimentos estamos todos a pagar agora. São casos de que a justiça dirá, não eu. 

Sei outra coisa: que quando escrevo, em título, que “Luís Filipe Vieira é homem honrado”, todos aqueles de entre os leitores que não se riram esbugalharam os olhos de espanto. E entre esses incluem-se muitos benfiquistas (como eu, aliás). O mesmo sucederia se eu escrevesse “pois Jorge Nuno Pinto da Costa é homem honrado” ou “pois o mundo do futebol é mundo de homens honrados” porque, a bem ou a mal, ninguém consegue esticar a sua credulidade a tal ponto. E no entanto, o nosso primeiro-ministro António Costa, como eu adepto do Benfica, ao aceitar integrar a Comissão de Honra de Luís Filipe Vieira à sua recandidatura a presidente do Benfica, está a dizer-nos isso mesmo: que Luís Filipe Vieira é, em seu entender, homem honrado. E está a dizê-lo quando a pergunta sobre a honradez de Luís Filipe Vieira está ainda — para ser generoso — em aberto e, se respondida na negativa, arrisca-se a arrastar consigo quem tenha atravessado a sua honra em nome da honradez de Luís Filipe Vieira. Ainda para mais quando se é primeiro-ministro, chefe do poder executivo, numa altura em que é ao poder judicial que compete saber o que se possa saber sobre este tema. 

Há uma peça de Shakespeare, Júlio César, que tenho estado a pilhar desavergonhadamente desde o início desta crónica, na qual um discurso famoso — por ironia commumente conhecido como o “Monólogo de António” — nos diz tudo o que há para saber sobre estas coisas. A Marco António — o António do monólogo — é dada a possibilidade de discursar no funeral de Júlio César, desde que não diga mal daqueles que o mataram. António decide então fazer o contrário: dizer bem deles. “Brutus”, diz ele, “é homem honrado”. Se Brutus justifica que foi preciso matar César, assim deve ser, diz António (o deles), “pois Brutus é homem honrado”. E se Cássio, e Casca, e todos os outros, estiveram com Brutus, António não tem nada a dizer, “pois Brutus é homem honrado, e assim são eles todos, todos eles homens honrados”. Tantas vezes repete António que eles são homens honrados que o seu discurso tem o efeito contrário, acabando por virar a multidão contra aqueles de quem ele veio falar bem. 

Assim levam descaminho estas coisas. António (o nosso, o Costa, o da República Portuguesa) não monologou. Pelo contrário; foi mais lacónico que retórico, limitando-se a dizer que a opção de fazer parte da Comissão de Honra de Luís Filipe Vieira não tinha “rigorosamente nada que ver” com o cargo que ele ocupa, pressupondo-se que tenha apenas que ver com o facto de ele ser adepto do Benfica (como eu, como eu). O problema é que o nosso António se esqueceu daquilo que o António (da Roma republicana) veio salientar no seu monólogo. 

Emprestai-me a vossa atenção. Uma das questões principais do Júlio César de Shakespeare está na tensão entre República e amizade, lealdade e liberdade, ética e política, racionalidade e sentimentos. A lição de Shakespeare em Júlio César não se aplica tal qual ao caso atual. Como tantas vezes quando comparamos Antigo com o Moderno há elementos que parecem inverter a sua polaridade. Mas, grosso modo, podemos dizer que de um lado deste debate estão aqueles que fazem uso do chavão “a ética republicana é a lei” — e nada mais. Se Luís Filipe Vieira é inocente até prova em contrário, se toda a gente tem direito a ser adepto de um clube, então sim, como diz António Costa, este assunto não tem nada a ver com política. 

Do outro lado estão aqueles que não conseguem mais tapar o sol com uma peneira. Que estão fartos das ligações entre política e futebol. Que não conseguem acreditar na honradez dos “homens de futebol” a não ser quando se lembram que uomini d’onore — homens honrados — era precisamente o que os mafiosos chamavam uns aos outros. Que estão cansados de pagar as dívidas do Bando Espírito Santo e do Novo Bando — ups, escapou-me a tecla, queria escrever Banco —, aquelas mesmas que Luís Filipe Vieira não pagou. E que esperavam que o primeiro-ministro em particular, pelo mal que todos esses assuntos têm feito à vida nacional, mantivesse uma saudável reserva e não se esquecesse que nem à mesa de café deixa de ser primeiro-ministro, como aliás aconselhou aos seus ministros. 

Diz António, o dos romanos, falando de homens públicos: “o mal que fazem sobrevive-lhes; o bem é enterrado com eles”. A displicência de um Primeiro-ministro com temas destes pode deitar a perder todo o bem que tenha feito durante anos, ainda para mais quando uma das poucas qualidades que todos reconhecem no líder do maior partido da oposição é, enquanto político, nunca se ter metido em futebóis. 

Por coincidência, os romanos trocavam de governantes nos Idos de Setembro. Que, por acaso, calhavam a 13 desse mês, exatamente o dia em que escrevo esta crónica. Cuidado, António Costa. Cuidado com os Idos de Setembro.» 

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13.9.20

Os Convencidos da Vida



«Todos os dias os encontro. Evito-os. Às vezes sou obrigado a escutá-los, a dialogar com eles. Já não me confrangem. Contam-me vitórias. Querem vencer, querem, convencidos, convencer. Vençam lá, à vontade. Sobretudo, vençam sem me chatear.

Mas também os aturo por escrito. No livro, no jornal. Romancistas, poetas, ensaístas, críticos (de cinema, meu Deus, de cinema!). Será que voltaram os polígrafos? Voltaram, pois, e em força.

Convencidos da vida há-os, afinal, por toda a parte, em todos (e por todos) os meios. Eles estão convictos da sua excelência, da excelência das suas obras e manobras (as obras justificam as manobras), de que podem ser, se ainda não são, os melhores, os mais em vista.

Praticam, uns com os outros, nada de genuinamente indecente: apenas um espelhismo lisonjeador. Além de espectadores, o convencido precisa de irmãos-em-convencimento. Isolado, através de quem poderia continuar a convencer-se, a propagar-se? (...)

No corre-que-corre, o convencido da vida não é um vaidoso à toa. Ele é o vaidoso que quer extrair da sua vaidade, que nunca é gratuita, todo o rendimento possível. Nos negócios, na política, no jornalismo, nas letras, nas artes. É tão capaz de aceitar uma condecoração como de rejeitá-la. Depende do que, na circunstância, ele julgar que lhe será mais útil.

Para quem o sabe observar, para quem tem a pachorra de lhe seguir a trajectória, o convencido da vida farta-se de cometer «gaffes». Não importa: o caminho é em frente e para cima. A pior das «gaffes», além daquelas, apenas formais, que decorrem da sua ignorância de certos sinais ou etiquetas de casta, de classe, e que o inculcam como um arrivista, um «parvenu», a pior das «gaffes» é o convencido da vida julgar-se mais hábil manobrador do que qualquer outro.

Daí que não seja tão raro como isso ver um convencido da vida fazer plof e descer, liquidado, para as profundas. Se tiver raça, pôr-se-á, imediatamente, a «refaire surface». Cá chegado, ei-lo a retomar, metamorfoseado ou não, o seu propósito de se convencer da vida - da sua, claro - para de novo ser, com toda a plenitude, o convencido da vida que, afinal... sempre foi.»

Alexandre O'Neill, Uma Coisa em Forma de Assim

Essa é que é essa


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A verdadeira pergunta



«O anterior primeiro-ministro australiano revoltou-se contra a "ditadura sanitária" da era covid pelas suas consequências económicas ("Guardian", 2 de Setembro). Sugeriu autorizar as famílias a pensar se não seria justificado deixar morrer os idosos infectados, "deixando a natureza seguir o seu curso". Mais informou que cada ano de vida extra para os mais velhos custa à Austrália cerca de 100 000 libras, verba superior às que o Governo paga por medicamentos que salvam vidas. E culpa o clima de medo em que vivemos, pois impede os governos de colocarem a questão - "quanto vale uma vida?".

Ora reparem - a responsabilidade da decisão seria das famílias que, de resto, ele afirma já o fazerem. Penso tratar-se de uma menção à hoje consensual recusa do encarniçamento terapêutico. E só das famílias com um idoso afectado pela covid? Bom, a verdade é que chama a atenção para um quadro mais vasto - prolongar a vida dos idosos sai mais caro do que financiar tratamentos que salvam vidas menos longas. Quanto à natureza seguir o seu curso, é um argumento que, no limite, levaria à proibição do exercício da medicina, desde sempre ocupadíssima a "fazer batota" e trocar as voltas à natureza.

Resta a pergunta que os governos têm medo de colocar, porque todas são "preciosas" e as mortes são "tristes" - "quanto vale uma vida?". (Talvez o verbo não seja o mais adequado, em todo o artigo ele parece mais preocupado com o custo do que com o valor!). Mas mesmo o argumento economicista é mais complexo do que o senhor pensa. Num artigo de Dezembro de 2015, publicado no "American Journal of Public Health", Aldridge e Kelley argumentam contra a obsessão com os custos verificados durante o último ano de vida, dizendo que respondem por apenas 13% da despesa geral da Saúde. Mais - só 11% dos doentes "mais caros" estariam no seu último ano de vida, o problema a resolver centra-se nas doenças crónicas.

(Se o homem tropeça no artigo ainda sugere que as famílias considerem a hipótese de, por exemplo, pararem as terapêuticas para a hipertensão ou a diabetes e deixarem a pobre da natureza tratar da saúde aos familiares... de meia-idade!).

Não é uma voz isolada na nostalgia de transformar os mais velhos em baixas previstas, recordo um epidemiologista sueco a perguntar a um colega finlandês se não valeria a pena o aumento de 10% no número de idosos infectados caso as escolas se mantivessem abertas.

Na canção "Trocando em miúdos", Chico Buarque põe na voz de quem abandona a relação um murmúrio de dúvida - "e a leve impressão de que já vou tarde". Estas vozes procuram fazer-nos sentir o mesmo em relação à morte. E, hipócritas, falseiam a verdadeira pergunta que as atormenta - "Quanto vale uma vida de velho?".»

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