8.6.19

Mundial de Futebol em 2030?




E como estará isto por cá?
  1. A direita talvez já tenha saído da crise - ou não;
  2. A esquerda estará a sonhar com uma Geringonça 4.0;
  3. E o PS deve andar à procura de um candidato para as presidenciais de 2031, depois de não ter encontrado nenhum desde Jorge Sampaio.
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Humor? Não, João Carlos Espada



Expresso, 08.06.2019
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Eu ouvi!



«Eu ouvi o Dr. António Arnaut, em múltiplas sessões/debates, defender com a emoção que o caracterizava e com a razão que lhe assistia a sua obra emblemática, o Serviço Nacional de Saúde!

Eu ouvi o Dr. António Arnaut dizer: “O direito à protecção da saúde só pode realizar-se através de um SNS universal, geral e gratuito, que preste a todos os cidadãos o mesmo tipo de cuidados de saúde, sem qualquer discriminação!”

Eu ouvi o Dr. António Arnaut dizer: “É a igualdade no acesso e no tratamento, independentemente das condições económicas dos utentes, que garante a inclusão social, num domínio essencial à vida e dignidade humanas.”

Eu ouvi o Dr. António Arnaut dizer: “Depois de tantos anos já ninguém discute os méritos do SNS e os seus frutos.”

Eu ouvi o Dr. António Arnaut dizer: “Os opositores do SNS são os grandes grupos económico-financeiros que operam no ‘mercado’ e que lutam, desde sempre, clara ou disfarçadamente, pelo seu desmantelamento, descaracterização, ou pela redução a um serviço residual para os mais pobres...”; e continuou: “...esses grupos continuam na expectativa de que chegará a sua hora...”

Eu ouvi o Dr. António Arnaut dizer: “Se o Estado não cumprir os seus deveres sociais, para que serve o Estado?”

Eu ouvi o Dr. António Arnaut dizer: ”Se o SNS for descaracterizado, será a própria democracia que é desvirtuada e enfraquecida!”

Eu ouvi o Dr. António Arnaut dizer: “Dói-me o tempo que fizeram perder ao SNS, mas quero agora olhar para o futuro com optimismo e segurança.”

A memória da luta do Dr. António Arnaut será respeitada se: 1) A Lei de Bases da Saúde, que em breve irá ser votada na AR, consignar a inequívoca distinção entre o que é público e o que é privado; 2) As verbas do Orçamento do Estado forem essencialmente utilizadas para o reforço do SNS; 3) O Estado assumir a gestão do serviço público de saúde, sem pôr em causa a legitimidade da iniciativa privada; 4) For garantida a universalidade do SNS, bem como a sua total cobertura nacional, como factor de coesão social.

Mas eu também ouvi o Dr. António Costa tornar público, no funeral de António Arnaut, o último pedido que este lhe fez quando já se encontrava debilitado numa cama de um hospital público: “Oh Costa, aguenta lá o SNS!” E eu também ouvi o Dr. António Costa prometer que “iríamos aguentar o SNS nesta geração e para as próximas gerações, porque o SNS veio para ficar e é seguramente uma das marcas do Portugal de Abril”.»

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7.6.19

O PCP não muda




E a realidade, nua e crua, é que ainda há quem escreva, hoje, no Facebook, frases como esta:

«Houve intervenção policial normal contra uma manifestação, que correu com toda a naturalidade», o resto foi manipulação do órgãos de comunicação social capitalistas»
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Quem pára a extrema-direita na polícia?


«O laxismo norte-americano, europeu e português em relação às atividades da extrema-direita, incluindo as suas relações com a polícia, contrasta com a vigilância dedicada a grupos pacifistas, ativistas antirracismo, ativistas ecológicos, e grupos radicais de defesa dos animais. E, com os resultados eleitorais da extrema-direita e o impressionante currículo de criminalidade que vai espalhando pela Europa e pelos EUA, ninguém pode justificar com distração a incúria com que este perigo para a segurança dos Estados está a ser tratado. Ainda mais quando a infiltração da extrema-direita nas polícias parece estar a ser tão eficaz como foi a utilização perversa que fez das redes sociais. Porque anda tanta gente a fingir que não vê? Por negação da realidade? Por ter medo da vitimização? Talvez pensem que até dá jeito ter quem use a mão pesada e expedita. Irão acordar quando a infeção lhes chegar à porta de casa.»

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Esta energia que nos esgota



«Portugal tem uma das eletricidades mais caras da Europa, tanto em termos absolutos como relativamente ao poder de compra. Para o consumidor doméstico, o preço da eletricidade em Portugal no segundo semestre de 2018, expresso em euros por KWh, foi o sexto mais elevado da União Europeia. Em termos de paridade de poder de compra, Portugal lidera a tabela: tem mesmo os preços da eletricidade mais elevados de toda a UE.

É também conhecido que estes preços extraordinariamente elevados estão associados a um peso anormalmente alto das taxas e impostos na formação do preço da eletricidade, o qual excede largamente a média dos outros países europeus. Isso deve-se em parte ao facto de, por iniciativa do anterior governo de direita e da troika, o IVA sobre a eletricidade ter passado da taxa de 6% para a taxa de 23%, apesar de se tratar obviamente de um bem de primeira necessidade. O governo atual reduziu novamente a taxa de 23% para 6%, mas apenas para o termo fixo e apenas no caso da potência contratada mais baixa, o que está muito longe de ser suficiente.

Há porém uma outra parte, também contabilizada dentro dos “impostos e taxas”, que é ainda mais importante para a formação destas tarifas extravagantes e que constitui uma fonte de lucro inesgotável para as elétricas, principalmente a EDP: as rendas habitualmente designadas por CMEC, ou Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual, asseguradas pela incompetência e cumplicidade de diversos governos no decurso de um processo de privatização do sector feito à medida dos mesmos interesses que não se têm esquecido de premiar um corropio de ex-governantes com sinecuras nos seus órgãos de gestão. No âmbito dos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito às rendas exessivas no sector da energia, o montante total destas rendas – na sua larga maioria suportadas pelos consumidores – foi estimado em muitos milhares de milhões de euros ao longo dos últimos vinte anos.

É sabido, ainda, que as famílias portuguesas têm um dos níveis mais elevados de pobreza energética da Europa, para o que contribuem a ineficiência energética do edificado e a elevada dependência relativamente à eletricidade para regulação do conforto climático nas habitações, mas cuja causa mais decisiva não é técnica, mas económica e política: o facto das tarifas da eletricidade terem duplicado desde a privatização, alcançando níveis absurdos para o poder de compra da população. E nada disto é estranho ao facto de Portugal ter ainda um dos níveis mais elevados de mortalidade excessiva no Inverno em toda a União Europeia, apenas ultrapassado por Malta.

Nesta semana que passou, o responsável da Bosch em Portugal assinalou outra dimensão ainda do problema: o preço da eletricidade em Portugal, por ele qualificado como “exorbitante”, onera de forma significativa a estrutura de custos das empresas, principalmente as empresas industriais para as quais a energia é um insumo importante, e limita fortemente a sua viabilidade. As rendas extraídas por umas poucas empresas sanguessugas – e por uma delas, em particular – empobrecem diretamente as famílias, mas também constrangem fortemente a estrutura produtiva nacional.

Há um nexo triste que relaciona a forma promíscua como foi levada a cabo a privatização do sector elétrico, as rendas excessivas de milhares de milhões de euros, as tarifas extravagantes pagas pelos consumidores domésticos e empresariais, os constrangimentos ao desenvolvimento e qualificação da economia portuguesa, os níveis recorde de pobreza energética entre as famílias portuguesas de baixos rendimentos e os padrões de morbilidade e mortalidade excessivas no nosso país. É a história de um capitalismo de compadrio desumano e medíocre.»

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6.6.19

O futuro está à vista e é triste



«Ganhamos muito em não transformar a nova Lei de Bases da Saúde num conflito institucional entre parlamento, Presidente da República, a atual maioria, futuras maiorias e, pelo contrário, fazermos uma Lei de Bases da Saúde que não seja um contrato a prazo até ao final de uma legislatura, com a atual maioria, mas que seja uma lei de bases para as próximas décadas, para os portugueses, qualquer que seja a maioria que os portugueses escolham.»

António Costa, hoje, no Debate Quinzenal

António Arnaut e João Semedo, respect.
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Mr. Trump, I presume



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Prejuízos premiados



Eu ainda sou do tempo em que empresas com prejuízos não distribuíam prémios.

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O Presidente anunciou a marcelização do regime



«Todos os comentadores, quando falam da realidade política, intervêm e mudam essa realidade. Somos todos criadores de factos políticos. Escusamos, portanto, de nos colocar de fora para vir com a lengalenga do “não matem o mensageiro”. O mensageiro, neste caso, produz mensagem, não se limita a transportá-la. Ainda assim, uma coisa é certa: quem ocupa cargos institucionais fala sempre como ocupante desses cargos. Nunca está, quando fala, a fazer análise política.

O Presidente da República não é um jornalista, um analista ou um cientista político. É um agente político, e todas as suas intervenções, do telefonema público para a Cristina Ferreira aos comentários aos resultados eleitorais das europeias, devem ser lidos e ouvidos como atos políticos com um propósito. Não é relevante discutirmos se Marcelo Rebelo de Sousa tem razão quando diz que “há uma forte possibilidade de haver uma crise na direita portuguesa nos próximos anos”. É relevante discutirmos porque quis o Presidente da República anunciar uma crise política na direita.

Não fazendo estes comentários parte do que se espera de um Presidente, resta-nos especular. E parece-me óbvio que o Presidente quer justificar uma maior presidencialização do regime. Não constitucional, mas de facto. Uma presidencialização de que deu sinais quando se atreveu a anunciar que vetaria uma lei ainda sem conteúdo se não tivesse o voto do PSD. Para sermos justos, porque não me recordo de teorias presidencialistas do constitucionalista Rebelo de Sousa, ele quer justificar a marcelização do regime. É o próprio Marcelo que diz que a crise da direita “explica por que é o equilíbrio está como está” e “porque é que o Presidente, pelo menos neste momento, é importante para equilibrar os poderes”. Não podia ter sido mais claro no objetivo.

Anda muita gente a discutir se Rui Rio compreende a crise em que está enfiado ou se nega as evidências ditas pelo Presidente. Não sei se esperam que um líder de um partido se ponha a fazer autoanálise a quatro meses das eleições. E se acham que Marcelo é apenas um mensageiro, um analista que apenas nos transmite factos, e não um agente político que pensa no seu poder. A notícia não é o que Marcelo disse sobre a direita, é ter dito que a direita que sobra é ele e o que isso nos anuncia sobre o papel que pretende desempenhar depois das legislativas.

O que Marcelo Rebelo de Sousa explicou à direita é que a única forma de haver um contrapeso à esquerda que ele não deixou de proteger nos primeiros anos de “geringonça” é pôr as fichas todas nele. Marcelo não adivinha nenhuma crise de regime ou da direita. Marcelo faz, como sempre fez, análise para alimentar a sua ambição. A questão que sobra é se ele próprio deseja a crise da direita que o deixa sozinho do palco. Eu diria que sim. A crise da direita e a fragilidade do futuro governo. Tudo em nome da marcelização do regime. Ele quer ser o tampão popular contra o populismo, o contrapeso à esquerda na crise da direita, o fator de estabilização de maiorias frágeis, tudo o que nos sobra. É isso que ele quer que o povo oiça.»

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5.6.19

EMEL – Uma estreia



Há estacionamento pago à minha porta, há um ano, excepto para moradores. Pela primeira vez, vi hoje vários carros bloqueados por não terem selo (ou selo actualizado) ou papelinho comprovativo de moedas introduzidas na máquina, com dezenas de lugares vagos à volta. Nem sonho quanto lhes vai custar a brincadeira e não seria mais razoável não bloquear, mas sim deixar um aviso com um prazo para pagamento, como acontecia dantes, não só com a polícia mas até já em tempos de EMEL? Não é isto demasiado «violento»?

(Entretanto, e como portugueses unidos jamais serão vencidos, soube que há pequenos estabelecimentos nas redondezas onde os donos são depositários das chaves dos carros de quem trabalha nos prédios vizinhos e que não tem direito a estacionamento. Quando a EMEL se aproxima, vão a correr pôr moedas na máquina e colocar o papelinho nos popós…)
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PAN – Serviço público



Anda toda a gente a dizer umas «bocas» sobre o programa eleitoral deste partido sem nunca o ter lido. Fica AQUI o link e prometo que vou fazer um esforço, pelo menos para o percorrer (embora não tenha consciência de ter feito mal a quem que seja nos últimos tempos para merecer tal castigo…)

Deixo um parágrafo para abrir o apetite: «A verdade é que uma pessoa colectiva no nosso ordenamento tem mais direitos do que um animal. Recordamos que, esta “pessoa” não passa de uma ficção jurídica, é portanto um conceito abstracto. No entanto, tem sido recorrentemente negado aos animais uma construção idêntica que lhes assegure mais direitos, como acontece com menores e outras/os interditas/os. Apesar do seu nível de consciência ser igual ao dos seres humanos, actualmente os animais não têm o direito de serem considerados como pessoas».
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Mayor of London dixit


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Ler Agustina?


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O regime da crise na crise do regime



«Que cada um puxa a brasa à sua sardinha, essa é uma velha lei da Humanidade e ninguém será exceção (muito menos este cronista, a bem dizer). No entanto, essa sabedoria não basta para interpretar a pequena quezília provocada pela declaração do Presidente numa sessão na Fundação Luso-Americana, onde antecipou uma longa crise das direitas. Poderia resumir-se tudo a um Presidente que teme o desequilíbrio do sistema político e que sabe que, nesse caso, a cooperação com o Governo do PS, no que alguém chamou um “bloco central institucional”, passaria a ser desvalorizada pelo predomínio do primeiro-ministro depois de uma vitória por larga margem, ou a um líder do PSD que, na emergência, se refugia em banalidades sobre uma crise universal dos regimes políticos para evitar comentar a perspetiva do seu partido, ou a uma líder do CDS que só quer que as festas juninas cheguem o mais depressa possível.

Poderiam acrescentar-se os disparos de alguns avulsos históricos do PSD contra Marcelo, e nem foram muitos e nem sequer expressivos, que vieram pedir contenção ou outras rimas. Ficamos então com uma conversa em circuito fechado, que se esboroará logo que os resultados das eleições de outubro destaparem a incapacidade da direita em criar polarizações políticas, em sair do seu passado amargurado – tudo isto navega em torno do ansiado regresso de Passos Coelho, o que já diz tudo sobre a novidade que a direita apresenta ao país – e em disputar o centro, onde o PS se instalou solidamente.

Ora, há nisto ainda mais fogo do que fumo. a UE é o alfa e o ómega de toda a ideologia e política das direitas e do centro, obrigando-os a uma convivência comprometedora, esta instabilidade destapa as suas Há de facto uma crise de regime e é em vários países, crise larvar nuns casos, explosiva noutros. Pelo menos na União Europeia é assim, ainda havemos de ver que solução é alcançada para os cargos da Comissão, do Conselho e do BCE. E, como dificuldades estruturais. Em vários dos países mais poderosos já não se sabe o que é o regime, nem quais são os partidos, nem qual o caminho imediato. Amontoam-se fantasmagorias, os tratados são substituídos por atos discricionários, a economia é incompetente, os entendimentos são minúsculos e as soluções são perversas, da imigração à moeda, os dirigentes são um susto. Ainda por cima, a nossa crise de regime nacional tem ainda outros contornos, além da contaminação europeia. O modelo atual, adiando a restruturação da dívida para uma gestão de curto prazo das contas públicas, impõe restrições pesadas ao desenvolvimento social e à reconversão energética, como se vai verificando pelo estertor de alguns serviços públicos e pela falta de investimento noutros, apesar do alívio nas bolsas de quem trabalha. Dez anos de restrições (ou vinte, no caso da ferrovia) têm um preço elevado em hospitais, escolas e transportes, que rebentam pelas costuras. Não sei por isso que vantagem consegue a direita ao sugerir que há uma crise de regime, para alegar que a coisa é mais vasta do que as suas misérias correntes: lembra simplesmente que andou por aí a fazer das suas e, no melhor dos casos, limita-se a exibir aquele argumento trivial de que são todos culpados.

Então, se há uma crise de regime, há um regime de crise nessa crise de regime. E é isso que atinge a direita e, aliás, pode não poupar o centro, assim como constitui um desafio às esquerdas. Começo pelas direitas: o regime de crise é essa forma de ser em que a direita se limita a ensaiar truques para se safar. As campanhas de Nuno Melo e de Paulo Rangel foram exemplares a este respeito. Houve muitas fotos, casos, acusações, a política foi substituída pelo frenesim. Vai continuar a ser assim. Tenho escrito, e estou cada vez mais convencido disso, de que o efeito Trump ou Steve Bannon vai ser profundíssimo nas direitas, vão imitar as tecnologias tóxicas (quem foi que lançou o sms anunciando a eleição do Basta! e do Aliança na tarde do domingo das eleições?), vão radicalizar as políticas (a “ideologia de género” é repetida pelos mais inesperados bolsominions), vão tentar criar uma agenda de “corrupção”, vão multiplicar o ódio, vão entrar nos debates ao tiroteio. Foi um fiasco nas europeias e, em vez de ficar de lição, a parada será aumentada nas legislativas. A crise das direitas, como adivinhou o Presidente, veio para ficar, vai substituir os dirigentes atuais, vai redirecionar as políticas destes partidos e será para pior. Este regime de crise é um caminho em que não se volta atrás.

No centro, a questão não é menor. O regime da crise é neste caso a substituição da política pela ânsia do poder absoluto. Maioria absoluta ou morte, é uma chantagem que já foi ensaiada na crise da demissão do Governo por causa dos professores, episódio caricato que mostra até onde se pode chegar neste desvario. Agora acumulam-se os erros de presunção: a escolha da lista para as europeias teve o seu preço, o afastamento forçado de Ferro Rodrigues poderá ter mais ainda, e o deslumbramento de alguns dos dirigentes socialistas e opositores dos acordos com a esquerda, que agora namoram a ideia de uma aliança PS-PAN, desmerecendo o PAN como se se tratasse de um novo Daniel Campelo, diz muito da forma descuidada e impante como se tratam as respostas que um partido deve ao país. Percebo a pressa: intuindo tempos difíceis e uma União em desgaste, com tensões económicas e custos adicionais para manter o status quo das políticas sociais, o Governo quer ganhar margem de manobra que evite as pressões da esquerda e lhe permita desenvencilhar-se com uma navegação à vista, regressando ao que sempre gostou de ser. Assim, o PS, erigido em partido do regime, quer voltar ao mais subtil e perigoso dos seus inimigos, ele próprio.

Finalmente, o regime da crise não poupará as esquerdas. Exige-lhes que apresentem propostas consistentes e gente capaz de responder à crise do regime. O regime da crise, neste caso, é o duplo desafio de manter a sua representação social e de ampliar o seu espaço de ação para passar a ser protagonista das alternativas. Se a direita vai viver os seus anos de crise, a esquerda deve passar a ser a condição da política portuguesa. Veremos se é capaz.»

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4.6.19

Matar o bebé ou a avózinha?



«A utilização de sistemas baseados em inteligência artificial na tomada de decisões tem levantado diversas questões, muitas delas relacionadas com a suposta incapacidade destes sistemas para partilharem e adoptarem valores éticos e morais. Algumas das questões mais complexas estão relacionadas com a necessidade de sistemas deste tipo poderem ser forçados a tomar decisões em situações que envolvem a vida ou a morte de seres humanos, sem um adequado enquadramento ético e moral.

Embora este tipo de situações seja comum em diversas áreas, muitos dos problemas podem ser colocados como variações de um problema específico, que é conhecido como o problema do elétrico (the trolley problem). Neste problema, a pessoa é confrontada com decisões que envolvem a vida ou a morte de terceiros e tem de enfrentar os dilemas morais que essas decisões implicam. O problema é interessante e intrigante, e tem merecido muita atenção por parte de filósofos, sociólogos e cientistas, porque ligeiras variações da mesma pergunta conduzem a respostas muito diferentes.

A ideia subjacente ao problema do eléctrico é muito simples de descrever. Num hipotético cenário, um eléctrico desce, desgovernado, pelos carris de uma rua inclinada, e vai garantidamente matar cinco pessoas que estão na linha do eléctrico, uns metros mais abaixo. Porém, o leitor está mesmo ao lado de uma alavanca de controlo que, se accionada, desvia o eléctrico para uma rua lateral, onde apenas se encontra uma outra pessoa que, lamentavelmente, morrerá, se o eléctrico for desviado. A pergunta é se o leitor accionaria ou não a alavanca, salvando cinco pessoas de uma morte certa, mas sacrificando uma outra pessoa que, sem essa intervenção, nada sofreria. Antes de avançar na leitura, peço-lhe que pense se accionaria, ou não, a alavanca, nestas condições.

Embora as pessoas respondam de forma diferente a esta pergunta, a questão torna-se mais interessante quando variações da mesma são consideradas. Por exemplo, num segundo hipotético cenário, o mesmo eléctrico desgovernado pode ser bloqueado se o leitor empurrar para a frente do eléctrico uma pessoa corpulenta que, por acaso, se encontra mesmo na posição certa para deter o veículo, se for atirada para a linha. Num terceiro hipotético cenário, o leitor é um cirurgião, e estão nas urgências cinco pacientes que morrerão se não tiverem, imediatamente, um transplante de coração, de rins, de fígado, de pulmões e de pâncreas, respectivamente. Por mero acaso, é admitido um sexto paciente com uma ferida ligeira que é compatível, em termos de transplante de órgãos, com os outros cinco pacientes. Faria o leitor as operações de transplante que salvariam os cinco primeiros pacientes, sacrificando o sexto?

Todas as situações têm em comum o facto de ser possível salvar cinco pessoas sacrificando apenas uma. Mas as escolhas que cada um de nós faria em cada uma das situações são, geralmente, diferentes e reflectem uma avaliação dos valores éticos e morais que vai para além da simples contabilização do número de pessoas que vivem e que morrem. Muitas pessoas consideram natural desviar o eléctrico, no cenário original, mas poucas considerariam ética a execução dos transplantes.

O problema do eléctrico, que foi uma questão puramente teórica e filosófica até há poucos anos atrás, tornou-se subitamente muito popular quando os avanços tecnológicos tornaram não só possível, mas até provável, que sistemas inteligentes possam ser forçados a tomar decisões de vida ou de morte. A situação mais óbvia está relacionada com sistemas de condução autónoma, mas de facto a necessidade de tomar decisões de vida ou de morte pode ocorrer em diversos outros ambientes, como hospitais, fábricas ou estaleiros.

No caso mais óbvio, um sistema de condução autónoma pode ser obrigado a tomar, numa fracção de segundo, uma decisão onde seja obrigado a escolher, por exemplo, entre a morte de um transeunte na passadeira (atropelado) ou a morte do ocupante do veículo (numa colisão quando o veículo é desviado). Muitos outros cenários deste tipo são antecipáveis, existindo a percepção que os sistemas de condução autónoma deveriam reagir correctamente em cada uma destas situações. A dificuldade advém do facto de as decisões poderem ser muito complexas, e difíceis de formalizar de forma clara e completa. As hipotéticas situações são muito numerosas, e a decisão “correcta” (se é que a palavra pode ser aplicada) depende de muitos factores que são difíceis de identificar. Os numerosos estudos que têm sido feitos sobre este assunto, muitos deles baseados em inquéritos e entrevistas, não conseguiram chegar a uma conclusão clara sobre os valores éticos e morais que devem guiar estas decisões. Num recente trabalho de investigadores do MIT, que foi publicado num artigo intitulado “The Moral Machine experiment”, as respostas de milhões de pessoas a dilemas deste tipo foram processadas para tentar identificar um conjunto de regras que fossem minimamente consensuais. Neste estudo, as perguntas (publicamente disponíveis na Web, num site designado The Moral Machine, ao qual o leitor pode aceder) foram colocadas do ponto de vista de um condutor, que pode decidir, por exemplo entre atropelar um bebé ou uma avó; entre causar a morte dos ocupantes do carro ou atropelar uma senhora grávida na passadeira; ou entre atropelar um gato ou um cão. As perguntas são muito variadas e os resultados demonstraram que as opções que são tomadas por cada pessoa são muito afectadas pela sua cultura, pelas suas características individuais (idade, sexo, religião, etc) e pela zona do globo onde vivem. Apesar destas variações, algumas tendências gerais ficaram claras, e podem, em princípio, ser usadas como ponto de partida para a adopção de regulamentação, procedimentos e métodos. Um curioso e intrigante resultado é que talvez as regras devam variar com o local no globo onde os eventos acontecem (e onde os carros são vendidos).

Mas talvez a conclusão mais importante destes estudos, e que resulta também do nosso cada vez mais profundo conhecimento destas questões, é a de que os problemas éticos não resultam, realmente, da adopção de algoritmos e de inteligência artificial. Os dilemas sempre existiram, e decisões difíceis como as que aparecem no problema do eléctrico sempre foram necessárias. Porém, quando essas decisões são tomadas por seres humanos, muitas vezes numa fracção de segundo, apenas podemos confiar na intuição e no bom senso de cada um, características que resultam da combinação de um longo processo evolutivo e da história de cada indivíduo. A utilização de sistemas inteligentes obriga-nos a perceber, de forma mais profunda e sistemática, quais os critérios que são comuns, ou mais consensuais, a diferentes culturas e que correspondem, assim, a uma percepção partilhada dos valores éticos e morais que, embora variem de região para região e de pessoa para pessoa, exibem características comuns. A inteligência artificial poderá assim contribuir, algo surpreendentemente, para o desenvolvimento de uma sociedade mais ética e mais justa, à medida que percebemos de forma mais profunda os reais valores que partilhamos.»

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Depois da Fertagus e do Metro, o que se seguirá? A TAP?



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04.06.1989 – 30 anos com Tiananmen sempre presente



4 de Junho de 1989 marcou o fim de quase dois meses de protestos na Praça da Paz Celestial, em Pequim, quando os tanques avançaram brutalmente sobre os manifestantes. Os factos são conhecidos, mas é sempre bom tê-los presentes – sobretudo em imagens, que falam por si e substituem, quase sempre com vantagem, muitas palavras.




Ao longo dos últimos anos, tudo tem sido recordado recordado, sobretudo por alguns protagonistas de 1989 ou pelas suas famílias.







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Nos últimos dias têm sido publicados muitos textos, e até vídeos e fotografias, alguns bem interessantes, por exemplo de ex-correspondentes estrangeiros, que se encontravam em Pequim em 1989, bem como posições de actuais responsáveis políticos chineses sobre os acontecimentos. Fica aqui uma amostra.



#### The west is complicit in the 30-year cover-up of Tiananmen.



#### Tiananmen. A ferida que o PC chinês quer esquecer.

[Em actualização]
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3.6.19

Tiananmen e a actualidade nua e crua



Estive o ano passado na Praça Tiananmen. Confirmo que 1989 continua a ser tabu intransponível e retive o silêncio da simpática guia que nos acompanhava. Várias vezes interrogada, foi dizendo que dos acontecimentos de 1989 «nada sabia», que nasceu e vivia então na Manchúria, que nada viu, que não se aprende na escola, que há muitos milhões de chineses que nunca ouviram falar desse não assunto. «Não sei nada, não posso saber, não insistam, por favor.»
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Tiananmen 1989 : um vídeo incontornável




Vários correspondentes estrangeiros em Pequim, em 1989, estão a desenterrar documentos preciosos, 30 anos depois dos acontecimentos de Tiananmen. Este é impressionante!.

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Welcome Mr. Trump!



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Uma pergunta interessante no final da legislatura



«Uma das perguntas mais interessantes (e importantes) deste final de legislatura é esta: o que fazer com a Lei de Bases da Saúde? Cada partido apresentou a sua proposta e, até agora, nenhuma delas foi capaz de colher simpatias suficientes para passar à fase seguinte e ser aprovada no Parlamento.

Ainda as europeias não tinham acontecido e a Assembleia da República já andava de adiamento em adiamento a tentar evitar o óbvio: não há uma maioria, nem de esquerda, nem de direita, para mudar a lei que define o Serviço Nacional de Saúde. E não há sequer entendimento nas matérias principais, como por exemplos as taxas moderadoras e as parcerias público-privadas.

Numa primeira fase, o Presidente da República fez saber que o diploma deveria ser alvo de um “larguíssimo consenso” para não acabar bloqueado em Belém. O executivo não se mostrou muito interessado nessa espécie de “negociação colectiva” e optou por afrontar Marcelo Rebelo de Sousa, continuando a conversar apenas com PCP e Bloco de Esquerda. “Por mais agradável que seja, espero que não tenhamos de nos reencontrar para rediscutir a Lei de Bases da Saúde por termos chegado à conclusão de que a discussão que foi feita afinal tinha sido apenas a antecipação de uma discussão definitiva”, insistiu Marcelo.

Mas as conversas pareciam estar a correr tão bem que o Governo não mudou de estratégia. O Bloco de Esquerda chegou, inclusivamente, a anunciar um acordo que incluiria o fim das taxas moderadoras e das parcerias público-privadas. Mas foi precisamente aqui, quando o optimismo tomou conta do Bloco, que as coisas começaram a andar para trás.

Com a passagem dos dias – ou terão sido apenas horas? – percebeu-se que não só não havia acordo como também havia divergências no interior do próprio PS sobre o assunto. O PSD ainda deu sinais de estar disponível para um diálogo ao centro, mas as conversações nunca chegaram a iniciar-se ou, pelo menos, nunca foram confirmadas oficialmente. Aliás, durante um debate quinzenal, Costa foi claro: “Espero bem que a Assembleia da República não desperdice a ocasião de, nestes 40 anos de SNS, revogar a Lei de Bases da Saúde que a direita aprovou em 1990.”

Já esta semana, o Governo voltou à carga, mostrando-se convencido de que só haverá nova Lei de Bases da Saúde com a ajuda do PSD, uma vez que a esquerda se terá posto fora da corrida. E Fernando Negrão respondeu, avisando que os sociais-democratas só viabilizarão uma lei que parta da sua própria proposta. “O PS que regresse à sua origem doutrinária e venha falar connosco”, disse.

A verdade é que o caso tem servido para o Governo fazer pressão política sobre o Presidente da República e sobre os partidos da esquerda com o objectivo de forçar a aprovação da sua proposta. No dia 11 de Junho continuam as votações indiciárias no grupo de trabalho formado no Parlamento para debater a questão. Até lá, acontecerá política, com certeza, mas o nível de imprevisibilidade quanto às cenas dos próximos capítulos é alto. Não será este um dos temas que ficam para o próximo Parlamento decidir?»

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2.6.19

Daqui a dois dias: Tiananmen




A dois dias do 30º aniversário dos acontecimentos de Tiananmen, multiplicam-se textos e imagens, nomeadamente no New York Times (note-se que é possível ter acesso gratuito a um número razoável de artigos deste jornal, sendo apenas necessário registar-se). Vale a pena ler este.
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António Barreto


Há três ou quatro dias, ouvi-o numa entrevista, na RTP3, onde me pareceu sensato e até, de certo modo, «humilde». Leio-o hoje no Público e nem sei como o classificar. Quem tiver acesso que o leia na íntegra, tiro dois excertos que falam por si.

«Enquanto quase toda a gente, na Europa e alhures, tenta fazer aproximações e fugir das polarizações, em Portugal, mais do que nunca desde há 40 anos, está a tentar dividir-se o país em esquerda e direita! É mau caminho! É perigoso! Há umas semanas, quando vimos os deputados de esquerda, em roda, a cantarolar a Grândola no hemiciclo parlamentar, foi dado um sinal. Parece uma anedota, parece risível, mas não é!»

«A unidade da direita pode salvar-nos da extrema-direita, enquanto a unidade das esquerdas pode transformar-nos em reféns da extrema-esquerda.»
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Brasil luta pela Educação



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Trinta anos de privatizações



«A propósito da delimitação entre os sectores público e privado na economia, diz-se muitas vezes que esta questão não deve ser objeto de juízos apriorísticos. Isto tem alguma razão de ser: nenhuma destas formas de propriedade e controlo detém o exclusivo do bom ou mau desempenho, fazendo pouco sentido discutir de forma abstrata a superioridade da gestão pública sobre a gestão privada, ou vice-versa, em termos de eficiência ou eficácia. Em contrapartida, o que já faz sentido é analisar, em termos concretos, os efeitos produzidos pela inclusão de determinados sectores e empresas na esfera pública ou privada, nomeadamente em resultado das circunstâncias políticas e institucionais em que isso ocorre. Nesse sentido, a experiência portuguesa dos últimos trinta anos proporciona lições esclarecedoras.

A história das privatizações em Portugal cumpre agora três décadas, tendo-se iniciado pela banca, que aliás funcionou como pivô para a mobilização de capital no contexto da privatização de outros sectores, e estendido progressivamente a cada vez mais domínios, incluindo monopólios naturais como as redes de telecomunicações e abastecimento de eletricidade ou água, os correios ou as autoestradas. Quando olhamos para trás em jeito de balanço, o panorama é bastante desolador. Foram vários os casos de grandes empresas públicas privatizadas que se viram transformadas de centros nacionais de excelência e inovação em empresas medíocres e fortemente descapitalizadas, quando não mesmo desmanteladas e vendidas ao desbarato. Em vários outros casos, salta a vista a deterioração da qualidade e a abrangência do serviço ou o aumento galopante das tarifas na sequência da privatização. E noutros casos ainda, como o da banca por onde todo o processo teve início, a privatização não impediu a posterior socialização de prejuízos de montante astronómico, ainda esta semana recalculados em termos acumulados em mais de 22 mil milhões de euros.

Quando olhamos para todos estes casos, percebemos que a prossecução pelos investidores privados do seu interesse próprio num contexto de promiscuidade com os decisores e negociadores públicos e de escassa capacidade e vontade regulatória conduz precisamente a este tipo de resultados: deterioração da qualidade dos serviços, aumentos extravagantes das tarifas, descapitalização e desmantelamento das empresas segundo lógicas de rendibilidade de curto prazo. E percebemos que é chegado o momento de começar a inverter o caminho dos últimos anos, recuperando para a esfera pública os sectores e empresas com características de monopólio natural ou que se revestem de maior importância social e estratégica. A iniciativa privada tem o seu lugar, mas esse lugar não é a extrair rendas a partir do que é de todos.»

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