2.6.19

Trinta anos de privatizações



«A propósito da delimitação entre os sectores público e privado na economia, diz-se muitas vezes que esta questão não deve ser objeto de juízos apriorísticos. Isto tem alguma razão de ser: nenhuma destas formas de propriedade e controlo detém o exclusivo do bom ou mau desempenho, fazendo pouco sentido discutir de forma abstrata a superioridade da gestão pública sobre a gestão privada, ou vice-versa, em termos de eficiência ou eficácia. Em contrapartida, o que já faz sentido é analisar, em termos concretos, os efeitos produzidos pela inclusão de determinados sectores e empresas na esfera pública ou privada, nomeadamente em resultado das circunstâncias políticas e institucionais em que isso ocorre. Nesse sentido, a experiência portuguesa dos últimos trinta anos proporciona lições esclarecedoras.

A história das privatizações em Portugal cumpre agora três décadas, tendo-se iniciado pela banca, que aliás funcionou como pivô para a mobilização de capital no contexto da privatização de outros sectores, e estendido progressivamente a cada vez mais domínios, incluindo monopólios naturais como as redes de telecomunicações e abastecimento de eletricidade ou água, os correios ou as autoestradas. Quando olhamos para trás em jeito de balanço, o panorama é bastante desolador. Foram vários os casos de grandes empresas públicas privatizadas que se viram transformadas de centros nacionais de excelência e inovação em empresas medíocres e fortemente descapitalizadas, quando não mesmo desmanteladas e vendidas ao desbarato. Em vários outros casos, salta a vista a deterioração da qualidade e a abrangência do serviço ou o aumento galopante das tarifas na sequência da privatização. E noutros casos ainda, como o da banca por onde todo o processo teve início, a privatização não impediu a posterior socialização de prejuízos de montante astronómico, ainda esta semana recalculados em termos acumulados em mais de 22 mil milhões de euros.

Quando olhamos para todos estes casos, percebemos que a prossecução pelos investidores privados do seu interesse próprio num contexto de promiscuidade com os decisores e negociadores públicos e de escassa capacidade e vontade regulatória conduz precisamente a este tipo de resultados: deterioração da qualidade dos serviços, aumentos extravagantes das tarifas, descapitalização e desmantelamento das empresas segundo lógicas de rendibilidade de curto prazo. E percebemos que é chegado o momento de começar a inverter o caminho dos últimos anos, recuperando para a esfera pública os sectores e empresas com características de monopólio natural ou que se revestem de maior importância social e estratégica. A iniciativa privada tem o seu lugar, mas esse lugar não é a extrair rendas a partir do que é de todos.»

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