25.11.23

Dedais

 


Dedais do fim do século XIX e início do século XX.

Daqui.
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Sempre nesta data

 



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É isto

 

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Fernando Rosas: "A democracia foi conquistada na revolução"

 


«Esta urgência de comemorar o 25 de Novembro não tem a ver propriamente com a comemoração. Os fascistas também comemoram o 28 de Maio e ninguém se incomoda com isso. Se a direita quiser comemorar o 25 de Novembro, comemora. O problema é muito mais importante é saber qual é a matriz da democracia? A democracia surge da revolução ou do contragolpe militar do novembros? Essa é que é a questão. A democracia tem uma essência contrarrevolucionária ou é um fruto da revolução? Existe democracia apesar da revolução ou existe democracia por causa da revolução? Essa é que é a questão que se coloca. No momento em que a extrema-direita emerge por toda a Europa e em muitos locais do mundo a estabelecer um novo discurso de legitimidade histórica, naturalmente vai inventar que a democracia surge do contragolpe do 25 de Novembro. Do meu ponto de vista o que é importante é tornar claro que a democracia em Portugal foi conquistada na rua e na revolução, não foi no 25 de Novembro.»

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Escondido no armário

 


«O filme está a desenvolver-se à frente dos nossos olhos há demasiado tempo. Os atores comunicam em diferentes línguas, por essa Europa e Mundo fora, embora o argumento seja, no essencial, o mesmo. Resume-se assim: populistas de Direita conquistam eleitorado e poder à custa dos chamados partidos tradicionais, enquanto estes ocupam parte significativa do seu tempo e discurso a diabolizar esses populistas, que se alimentam do escárnio dos moderados para acumular capital social.

É, por isso, imperioso que, com o país mergulhado numa crise institucional profunda, se afine a agulha em torno do essencial e se comece a discutir o Portugal em que vivem os cidadãos e não a bolha político-mediática em que gravitam os políticos e as máquinas de comunicação. As ideias perigosas combatem-se com ideias úteis e transformadoras. O desencanto dos portugueses é com os políticos, não com as políticas. Mas os primeiros sinais desta pré-campanha para as eleições legislativas de março não têm sido entusiasmantes.

Se repararmos, apenas os partidos pequenos vão fazendo um esforço para recentrar a agenda, enquanto PS e PSD vivem enredados em lutas internas por lugares e debates infindáveis sobre quem é ideologicamente mais puro ou quem está mais apto para se aliar com A ou com B. Convenhamos: é muito pouco para quem almeja ser Governo. Não se espantem, por isso, que André Ventura e o Chega capitalizem nas urnas não apenas o natural descontentamento do eleitorado clássico, mas que consigam também convocar novos eleitores. Basta ver a forma eficaz (ancorada, é verdade, numa lógica de entretenimento) como têm feito passar a mensagem junto dos jovens no TikTok. Culpar fantasmas pela nossa inépcia é sempre mais fácil, mas na noite de 10 de março ninguém vai poder dizer que não sabia da existência de um esqueleto escondido no armário.»

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24.11.23

Jarras

 


Jarra em vidro duplo e desvitrificado, gravada com ácido fluorídrico e decorada com esmaltes coloridos metalizados por vapor de óxido, 1906-1907. 
Henri e Désiré Muller.
Cristais de Val Saint Lambert.

Daqui.
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Mário Brochado Coelho

 


Morreu o Mário. Conheci-o bem, antes e depois do 25 de Abril, em várias plataformas, e é com grande tristeza que leio a notícia. Muito haverá a recordar, mas realço aquilo em que mais estive implicada.

Durante muito tempo, o Mário foi «O» nosso ponto de contacto privilegiado no Porto, por exemplo ao ser o grande impulsionador da criação da Cooperativa Cultural Confronto, irmã gémea da Pragma. Escrevi mesmo o Prefácio de um livro que publicou, em 2010, sobre a história da Cooperativa em questão e participei activamente no lançamento do mesmo, no Porto e em Lisboa. Mas houve mais, muito mais.

Outro de nós que desaparece. Mais um dia muito triste.
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António Costa precipitou-se?

 


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Uma distopia argentina

 


«Esta semana circulou nas redes sociais uma imagem da inesquecível “Mafalda”, a personagem de banda desenhada criada por Quino, uma menina contestatária com um profundo sentido de justiça, de ombros caídos, derrotada, a chorar. Vem isto a propósito da vitória de Javier Milei nas eleições presidenciais argentinas do passado dia 19 de novembro. Apesar de Sergio Massa, um “peronista de esquerda” ter vencido na primeira volta, Milei ganhou a segunda volta com 55% dos votos, beneficiando do apoio da candidata de direita, Patricia Bullrich.

O resultado não surpreende totalmente, uma vez que a Argentina está em recessão há vários anos, tem uma inflação de 143% ao ano, 40% da população na pobreza e as taxas de juro estão em 133% ao ano. E Massa era o ministro da Economia do Governo anterior...

Ainda assim, tem de merecer profunda reflexão e preocupação a escolha democrática pelo povo argentino de um candidato ultrapopulista, ultraliberal, anarcocapitalista, com discurso e comportamento delirantes. Milei afirma falar com Deus, apresentou-se em público com uma motosserra para “exterminar a casta política” e comporta-se sistematicamente de forma totalitária e errática.

Como já antes escrevi nestas páginas, a propósito do crescimento dos fenómenos populistas de extrema-direita, pessoas desesperadas procuram soluções radicais. Quando as pessoas se sentem deixadas para trás pelo poder político e pela sociedade, tendem a aderir a discursos simplistas e a medidas drásticas, por vezes até absurdas. Foi isto que aconteceu na Argentina.

Milei promete privatizar todos os serviços públicos, incluindo a saúde, a educação e a segurança social (imagine-se o que isso vai significar para os 40% de pobres!), bem como os recursos naturais; nega as alterações climáticas (que considera uma “agenda do marxismo cultural”); defende a “dolarização” e a extinção do Banco Central da Argentina. Promete uma profunda reforma da Administração Pública, que passará, desde logo, pela extinção dos ministérios da Saúde, da Educação, da Segurança Social e do Ambiente — que serão inúteis na sociedade ultraliberal, capitalista e desigualitária que preconiza.

No plano dos direitos e das liberdades, Milei quer proibir a interrupção voluntária da gravidez, permitir a venda de órgãos humanos entre pessoas vivas e liberalizar o porte de arma. Os direitos das mulheres e das minorias serão restringidos, assim como os direitos sociais. E já disse que não hesitará em chamar as forças armadas para reprimir protestos.

O seu discurso põe em causa o consenso existente na sociedade argentina sobre os genocídios cometidos na ditadura, patente no facto de pretender rever o pagamento de indemnizações às vítimas da ditadura militar de 1976-82.

Apesar de todo este cenário de pesadelo, após a eleição de Milei as empresas argentinas subiram em bolsa — o que demonstra bem como o capitalismo funciona.

As consequências internas e externas deste resultado eleitoral são imprevisíveis. Existe hoje na Argentina o risco efetivo de uma deriva totalitária num país que é uma democracia apenas há 40 anos depois de uma ditadura militar sanguinária. Mas o povo desesperado parece preferir este risco à ausência de resposta aos seus problemas por parte do poder político democrático. Foi o que aconteceu na Alemanha na República de Weimar e conduziu à ascensão dos nazis ao poder...»

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23.11.23

Uma casa verde

 


Casa Valenti Morell (modernismo catalão), em que a fachada se destaca pela originalidade da cor verde brilhante com flores brancas sgrafitti. Barcelona, 1911. 
Arquitecto: Ignasi Mas i Morell. 

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Novidade? Olhem que não

 


IBM 1965: Crianças em idade pré-escolar recebem uma aula prática sobre funcionamento do computador.
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Uzbequistão?

 


Publiquei hoje um texto num grupo fechado do Facebook e deixo-o aqui também.

Há uns meses, falei de Samarcanda, da extraordinária Praça Registan, de mesquitas e madrassas. Hoje lembro as pessoas. Extremamente calmas e afáveis, gostavam de ser fotografadas e pediam para ver depois os resultados. Pena que não fosse possível comunicar com elas em nenhuma língua, a não ser através de um guia, mas havia sempre sorrisos. Num país esmagadoramente muçulmano, eram muitas as mulheres, sobretudo jovens, de cabeça destapada e todas, velhas e novas, faziam gala de terem belos vestidos de cor garridas. Uma das estranhas curiosidades era o elevado número de homens e de mulheres com os dentes cobertos de ouro – para os protegerem, diziam...

Falei com sentimento de passado e não foi por acaso. Respirava-se beleza e calma e não sei se ainda é assim agora: entretanto, terá havido uma verdadeira invasão de turistas e crescido hotéis como cogumelos. Tive sorte, fui a tempo – como foi o caso noutros países da Rota da Seda.

Um conselho de amiga: deixem-se de passeatas pela Europa-museu. Se puderem, procurem lonjuras ainda não muito estragadas por turismo disparatado e regressarão diferentes. E talvez menos pessimistas.
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O PREC e a destruição do “capitalismo do Estado Novo”

 


«Para certo pensamento português, sobretudo político e económico, muitos dos males endémicos do regime são de algum modo reconduzíveis ao que sucedeu em Portugal naqueles cerca de oito meses que mediaram entre o golpe falhado de 11 de março e 25 de novembro de 1975. Foi durante este período que decorreu o processo de nacionalização de empresas e sectores, e a ocupação e expropriação de terras. Na representação dicotómica do mundo que então prevalecia Portugal era assimilado na imprensa ocidental a uma rampa deslizante a caminho do sovietismo.

A capa da Time de 11 de agosto de 1975, sob o título “red threat in Portugal”, com a troika integrada por Francisco da Costa Gomes, Vasco Gonçalves e Otelo Saraiva de Carvalho, é hoje uma digna peça de coleção mas, à data, mostrava bem como ideologias igualitárias e movimentos de defesa dos trabalhadores entravam diretamente no radar Mcarthista da imprensa mainstream norte-americana. Não quero branquear os excessos do PREC, mas algum contexto pode colocar essa “ameaça vermelha” sob uma outra perspetiva.

Foquemo-nos nas nacionalizações que são paradigmaticamente vistas como a destruição do capitalismo português e que tiveram como alvo sectores-chave da economia como a banca e os seguros. Que capitalismo era esse? O Estado Novo não era uma economia de mercado, nem gerou uma burguesia vibrante, próspera e competitiva. Aos olhos de hoje, podemos falar desse capitalismo, ou pelo menos de uma sua parte substancial, como “crony capitalism”, “capitalismo de compadrio”, baseado em teias familiares e interesses de grupo, que se construiu não por via da liberdade de iniciativa e da exposição à concorrência, mas à sombra de proteções políticas, como o condicionamento industrial, e de redes familiares.

Como escreveu Fernando Rosas, em abril de 1974 a economia portuguesa era dominada por quarenta e quatro famílias que, na sua maioria, controlavam os sete grandes grupos financeiros. Estes grupos, por sua vez, controlavam quase na totalidade quatro dos mais importantes sectores industriais, essencialmente os sectores industriais básicos, o sector bancário e segurador e a maioria dos transportes marítimos.

Esse capitalismo era não apenas de “amiguismo”, mas também oligárquico: a detenção do poder económico condicionava o acesso ao poder político, que era exercido em benefício das classes dominantes. Nem precisamos de o analisar com a grelha normativa atual, podemos recorrer à leitura dominante na época entre as tendências pró-democracia. A insuspeita SEDES, em 1973, pela pena de Emílio Rui Vilar e António Sousa Gomes, denunciava a estrutura oligárquica do regime: a “clara predominância dos interesses privados, mesmo nos interesses estratégicos, conduz à exploração da maioria da população por uma classe minoritária que detém o poder político económico” (“Sedes: dossier 70/72”, Moraes Editora, 1973).

O primeiro programa político do PPD previa as nacionalizações e o planeamento público da economia como meios para garantir a subordinação do poder económico ao poder democrático, parâmetro que, pela mão daquele partido, veio a ser expressamente consagrado no texto constitucional em 1982. Também o programa do PS incluía um plano económico e de nacionalizações para alcançar a transformação estrutural das relações sociais, e o propósito firme de “arrancar o poder à oligarquia”.

A destruição do “capitalismo do Estado Novo” correspondeu, portanto, a imperativos democráticos de distribuição do poder, não só económico, mas também político, porque não se lhe reconhecia uma origem justa nem meritória. Que hoje muitos tentem empurrar a paternidade das nacionalizações para os excessos revolucionários, olvidando que as mesmas correspondiam a um amplo consenso social e político é uma leitura simplista e conveniente, mas parcial.»

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22.11.23

Ateneus

 


Ateneu Romeno, sala de concertos em estilo neoclássico. Bucareste, 1888.
Arquitecto: Albert Galleron.

Daqui.
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Iniciativa Liberal?

 


Pela notícia, nem aprofundei muito o motivo de mais uma debandada, mas que este partido tem ultrapassado pela negativa todas as possíveis expectativas parece uma evidência.
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Maurice Béjart morreu há 16 anos


 

Maurice Béjart morreu em 22.11.2007. Tudo é conhecido sobre este grande artista, mas eu recordo sempre o primeiro espectáculo dele a que assisti, em Lisboa, em 6 de Junho de 1968. Quem esteve no Coliseu dos Recreios nesse dia também nunca o terá esquecido.

Dois dias depois do assassinato de Robert Kennedy, Béjart veio ao palco no final do espectáculo para afirmar que Robert Kennedy fora “vítima de violência e de fascismo” e para pedir um minuto de silêncio “contra todas as formas de violência e de ditadura”. Com a maior parte dos espectadores de pé, renovaram-se os aplausos, com mais força e mais entusiasmo. Informado do sucedido, Salazar proibiu os espectáculos seguintes e ordenou que Béjart saísse imediatamente de Portugal.

Escrevi um texto detalhado sobre esse evento num livro que publiquei poucos meses antes da morte de Béjart. Pode ser lido AQUI.
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Pedro Nuno Santos não é George Clooney

 


«Um dia perguntaram ao ator George Clooney se admitia ser candidato a um cargo político. Clooney sempre foi da esquerda americana, basta ver filmes como Syriana ou Boa Noite e Boa Sorte para o entender. E a pergunta nada tinha de absurdo: se Reagan chegou à Casa Branca, por que não ele? "Run for office? Não! Já dormi com demasiadas mulheres, usei muitas drogas, fui a muitas festas."

Não há muito tempo, Pedro Nuno Santos, agora candidato à liderança do PS, foi confrontado com um dilema terrível: entre manter o seu Porsche ou continuar a ser amado pelas massas populares, o que fazer? Fosse eu e nem hesitaria: venha de lá o Porsche, que se dane o amor do coletivo.

Mas Pedro Nuno é político. Não lhe basta ser amado pela família e meia-dúzia de amigos, como as pessoas normais. O político procura o amor do povo, quanto mais povo melhor. E deprime-se na falta da expressão regular desse amor, que quer manifestado sob a forma de entusiásticos aplausos, suados banhos de multidão, sondagens nos píncaros, tudo desaguando nesse maravilhoso orgasmo cívico que é ter milhões de votos a favor depositados em urnas eleitorais. Em troca, ele dá o melhor de si, todos os dias e a toda a hora, pelo progresso da Pátria. Como resolveu o socialista o seu dilema? As verdades têm de ser ditas, custe a quem custar: Pedro Nuno não é George Clooney. Vendeu o Porsche. "Não é coerente com aquilo que quero fazer e com a forma como quero estar na política."

Isto revela dois homens perante vagas cada vez mais poderosas de escrutínio feito na base do puritanismo. Clooney recusou; Pedro Nuno aceitou.

Vendo bem, é lamentável, mesmo aterrador. Os puritanos são cada vez mais e estão em todo o lado. São o produto da pobreza e do ressentimento, de desigualdades crescentes, da impotência perante um quotidiano cada vez mais precário. A negritude do futuro não podia deixar de gerar povos em sofrimento que exigem sofrimento aos seus governantes: que estes pareçam pobres mesmo que não o sejam; que não se possa ser premiado com cargos depois de uma vida de pecado.

E em Portugal, verdade se diga, sempre foi assim. "Devo à Providência a graça de ser pobre", dizia Salazar - e sabemos como a nostalgia do ditador já conta com representação parlamentar. Os políticos, mesmo tendo origens abastadas, como Pedro Nuno tem, sentem-se forçados a fingir que são filhos adotivos do proletariado (não só vendeu o Porsche como informou que é neto de um sapateiro).

Ora isto convive com outra inércia profunda: a que determina que os pobres não chegam à política (pago um almoço a quem me disser um primeiro-ministro ou Presidente que tenha nascido na pobreza - e não venham com o exemplo de Cavaco, que era filho de um dono de uma bomba de gasolina, e se isso é ser pobre...). Vivemos imersos num caldo cultural que mistura puritanismo hipócrita com elitismo puro e duro. Uma moldura onde encaixa o retrato de alguns setores do Ministério Público.»

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21.11.23

Seis Vasos Seis

 


Ontem mostrei um vaso da Boémia, hoje ficam aqui outros seis desenhados pelo mesmo autor, 1900-1910.
Claus Josef Riedel.

Daqui.
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21.11.1898 – René Magritte

 

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PS e Legislativas 2024 – É só para dizer que…

 


Informação detalhada AQUI.
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Chega p’ra lá

 


«Primeiro era apenas o projeto de um homem só, a quem ninguém deu importância até ele ser eleito. Um dissidente do PSD que, tal como outros dissidentes de partidos de direita e esquerda, não ia a lado nenhum. Depois de eleito, também não incomodava ninguém, era o tal homem só, e, como ele, havia outros deputados únicos no Parlamento. Ainda lhe quiseram fazer um cordão sanitário de acesso ao hemiciclo, porque nem se queriam cruzar com ele no corredor. Tratava-se de um grilo falante que ninguém quer escutar, mesmo quando a consciência do grilo está, por vezes, certa.

Depois veio a maioria absoluta e o homem já não estava sozinho, era líder do terceiro partido com mais votos no país. E, finalmente, começaram a levá-lo a sério. Tarde demais. As sondagens, a que todos dão demasiada importância - apesar de dizerem que não têm importância nenhuma - foram avisando consistentemente para a subida do partido de um homem só.

Agora que se tornou impossível ignorar o elefante dentro do Parlamento, a narrativa é contra o programa e a ideologia do partido, mas sempre em defesa dos eleitores dele. Sim, porque neste sistema democrático, que é o pior sistema à exceção de todos os outros, os eleitores zangados, desiludidos, cansados, ignorados e esquecidos, estes eleitores andam há 50 anos à espera de amanhãs que cantam e esses dias nunca mais chegam.

Chega, terão pensado eleitores de todos os partidos que confluíram com votos para o pastor evangélico, para o messias que diz ter a resposta para todos os problemas.

Quase quase nos 50 anos de democracia, há muitos, muitos milhares, senão mais, que ficaram para trás. São sempre os mesmos, os que vão às quatro da manhã para a fila do centro de saúde, os que são pobres mesmo trabalhando, os que acabam a pedir comida nas instituições públicas e, sobretudo, nas privadas e voluntárias. Os que ficam fora do discurso político, porque nem sequer entendem "o que eles dizem".

É a estes eleitores, e a muitos que tinham desistido de votar, que já não chegam apenas palavras de circunstância e uma caneta na campanha eleitoral. O país mudou, tornou-se mais reivindicativo e mais informado, mais exigente e menos tolerante.»

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20.11.23

Vasos: mais um

 


Vaso Polaun (atual Polubný), Chéquia, azul cobalto, com quatro lados. Cerca de 1910.
Claus Joseph Riedel.

Daqui.
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20/21.11.1971 – Jazz em Cascais

 


Eu estive lá e nunca mais esqueci.
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Argentina

 


Não me conformo! A Argentina de novo nas mãos de um louco perigoso ultrapassa as minhas piores expectativas quanto a este mundo em deriva.


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Joan Jara (1927-2023), a viúva que trouxe justiça a Victor Jara

 


«No dia em que o Chile sofreu um golpe de Estado perpetrado por Augusto Pinochet, com o apoio dos Estados Unidos, a 11 de Setembro de 1973, Joan e Victor Jara ouviram em casa, pela rádio, a última comunicação do presidente Salvador Allende, que morreria pouco depois no Palácio de La Moneda, na capital do país. No final da comunicação, ele saiu para se juntar aos protestos numa universidade e esperar o desenrolar dos acontecimentos. “Não olhei para o ver partir. Não parecia importante. Disse adeus de forma habitual. Foi a última vez que o vi”, contou, décadas depois, Joan Jara ao britânico The Guardian. Uma luta diferente começava ali para ela.

Porque Victor Jara foi levado para o Estádio Chile, no centro de Santiago de Chile (agora rebaptizado com o seu nome), e seis dias depois estava morto. Foi torturado, espancado e assassinado. O seu corpo, que Joan foi reconhecer à morgue da cidade, onde estava o que descreveu como “uma pilha de cadáveres”, tinha marcas de 44 balas. Para ela e as duas filhas, uma de Jara, outra do primeiro casamento com o bailarino e coreógrafo chileno Patricio Bunster, começava o exílio, vivido em Londres, cidade natal da bailarina.

Joan Alison Turner nasceu na capital britânica a 20 de Julho de 1927. Em meados da década de 1950 foi para Santiago do Chile, como solista da Companhia de Bailado do Chile. Foi casada com Patricio Bunster, com quem teve uma filha, mas em 1960, quando o seu casamento já estava em crise, conheceu Victor Jara, que era aluno na universidade onde ela dava então aulas.

No livro que escreveria no exílio, sobre o cantautor chileno (editado em Portugal como Canção Inacabada: a vida e a obra de Victor Jara, Edições Record, 1998), citado pelo El País, contou: “Victor tinha uma grande capacidade de expressão corporal, mas não era um aluno que chamasse particularmente a atenção. Até uns anos depois, quando o meu matrimónio já tinha fracassado e passava por um momento de solidão, não se tinha concretizado a nossa união.”

Do casamento dos dois nasceu outra menina. O casal e as duas filhas de Joan viveram juntos até à trágica detenção ilegal e morte do artista, apoiante fervoroso de Allende.

De regresso a Londres, onde ficou até meados da década de 1980, tendo regressado ao Chile nessa altura, a tempo de assistir ao fim do regime de Pinochet, em 1990, teve um papel “crucial” na divulgação internacional dos crimes que estavam a ocorrer no Chile, avalia o The Guardian. E, em 1999, um ano depois de Augusto Pinochet ter sido detido, precisamente em Londres, e acusado de crimes contra a humanidade, Joan conseguiu que reabrissem o caso em torno do assassinato de Jara, cujos autores nunca tinham sido levados à justiça.

O caso, civil, avançou num tribunal da Florida, nos EUA, onde vivia Pedro Barrientos Núñez, um ex-militar fugido do Chile, que obtivera a cidadania norte-americana através do casamento. Em 2016, Barrientos, então com 67 anos, foi considerado culpado de tortura e morte de Victor Jara e condenado a pagar uma indemnização à família no valor de 28 milhões de dólares (25,7 milhões de euros). Já no início deste ano, foi-lhe retirada a cidadania americana e a sua extradição para o Chile, para que seja julgado criminalmente, está agendada para o dia 28 deste mês.

Os esforços de Joan levaram ainda a que, em 2018, nove outros ex-militares fossem condenados pela morte de Victor Jara. Um deles, com 86 anos, suicidou-se no dia 30 de Agosto, quando a polícia o foi buscar a casa para cumprir 25 anos de prisão pela morte do cantor e do chefe das polícias de Allende, Littré Quiroga.

Joan Jara morreu no último domingo, dia 12 de Novembro, com 96 anos. O seu corpo foi velado no Centro de Dança Espiral, que fundou com o primeiro marido, em 1985, depois de também ele ter regressado do exílio. Em 2009, o governo de Michelle Bachelet atribuíra-lhe a nacionalidade chilena e em 2001 recebeu do país o Prémio Nacional de Artes. Mas será sempre a sua luta pela justiça para com Victor Jara, cujo sobrenome adoptou e nunca mais abandonou, que perdurará na memória de todos, como afirmou, no velório, a ministra Camila Villejo, enquanto porta-voz do Governo, citada pelo The Guardian: “A tua resistência e luta pela verdade, justiça e reparação ficarão nas nossas memórias para sempre.”»

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Pobre Argentina...

 


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19.11.23

Taças

 


Taça com pé em esmaltes transparentes, Museu d’Orsay, Paris, 1892.
Autor: Eugene Feuillatre (segundo o catálogo do Museu e em todas as referências que encontrei, excepto na Wikipédia onde a peça é atribuída a Fernand Thesmar).

Daqui.
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Bem oportuno

 

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José Mário Branco

 


Quatro anos sem ele.
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José Luís Carneiro faz campanha pela direita a três meses das eleições

 


«Esta campanha interna do PS, a três meses e meio das eleições, tem tudo para correr mal. Quem julgava que o confronto entre Pedro Nuno Santos e José Luís Carneiro podia não ser tão sanguinário, em nome da sobrevivência do partido nas eleições de Março, pode começar a tirar o cavalinho da chuva.

Jorge Sampaio e António Guterres “mataram-se” em 1991/92 e António José Seguro e António Costa “estrafegaram-se” em 2014. Mas Guterres ainda teve mais de três anos para conseguir unir o partido e António Costa um ano para alcançar a união possível. Agora, não há tempo nenhum.

As feridas têm tudo para demorar muito tempo a sarar, já que o argumentário até agora usado na campanha de José Luís Carneiro, que parte em desvantagem na corrida a secretário-geral, é exactamente igual ao que a direita costuma usar contra o candidato que tem mais condições de vencer o partido, Pedro Nuno Santos.

A frase pronunciada ontem por José Luís Carneiro à entrada da comissão nacional do PS é uma mistura de sonsice e veneno. Depois de se congratular com a subida de rating de Portugal pela agência Moody’s, disse: “Sempre aprendi desde criança que pagar aquilo que devemos é mesmo essencial.”

Obviamente, estava a aludir ao jantar de Natal do PS de Castelo de Paiva, no longínquo ano de 2011, e onde, quando julgava não estarem jornalistas presentes, Pedro Nuno Santos disse uma das frases mais infelizes da sua vida e que é hoje todos os dias repetida pelo eleitorado de direita. Foi a frase “se não pagarmos a dívida e se lhes dissermos, as pernas dos banqueiros alemães até tremem”.

Confesso desconhecer o conteúdo dos discursos de José Luís Carneiro em reuniões partidárias em 2011. Mas sei o que dizia António Costa em público sobre as agências de rating que hoje tantas alegrias dão ao Governo PS. Três meses antes das legislativas de 2015, numa entrevista ao Jornal de Negócios, Costa afirmou: “A minha classificação sobre as agências de rating é que são lixo e foi por isso que rescindi o contrato com todas quando era presidente da Câmara de Lisboa. É uma gente que já demonstrou não ser minimamente credível, fiável (…) A minha visão sobre essas instituições é péssima e uma das medidas que é necessário tomar na sequência desta crise é pôr na ordem essa coisa do rating.”

Se foi inesperado — pelo menos, para mim — ver José Luís Carneiro a usar contra Pedro Nuno os argumentos da direita, também foi quase absurdo ver Augusto Santos Silva e Vieira da Silva, que apoiam Carneiro, muito preocupados agora com a “autonomia estratégica do PS”, depois de terem sido ministros com o apoio do PCP e do Bloco de Esquerda.

Sérgio Sousa Pinto e Ascenso Simões, que não foram ministros, já se insurgiram contra quem defendeu o discurso “esquerdista” de Costa dos primeiros anos estar agora em transe pelo facto de Pedro Nuno Santos defender o diálogo à esquerda, descartando a direita.

Para os esquecidos, é bom lembrar que era exactamente esse o discurso de António Costa em 2014 — e nessa altura Santos Silva e Vieira da Silva não pareceram muito preocupados quando Costa, no congresso em que foi eleito líder, só falou à esquerda, nem rejeitaram assumir cargos governamentais depois de, como ele dizia, “ter sido derrubado o muro”.

Os partidos são como as pessoas: governam-se vezes demais pelas emoções. A mesma coisa consegue ser em simultâneo magnífica e horrível, dependendo dos amores e ódios pessoais.

Nada disto seria grave se as eleições não estivessem marcadas para 10 de Março. Todos os discursos de Vieira da Silva, de Augusto Santos Silva, a frasezinha de Carneiro de que tem as contas em dia desde o dia em que nasceu, e talvez ainda algumas mais, estão já a beneficiar a campanha dos partidos de direita, empenhados em transformar Pedro Nuno Santos num perigoso comunista radical que parte as pernas aos banqueiros alemães.

Sim, José Luís Carneiro e companhia estão a contribuir com este tipo de discursos para dar um empurrãozinho ao PSD. Resta saber se é mesmo por vontade de ver Pedro Nuno Santos — o mais provável futuro secretário-geral — a estatelar-se a 10 de Março e entregar o Governo à direita ou se é por falta de noção.»

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