19.11.23

José Luís Carneiro faz campanha pela direita a três meses das eleições

 


«Esta campanha interna do PS, a três meses e meio das eleições, tem tudo para correr mal. Quem julgava que o confronto entre Pedro Nuno Santos e José Luís Carneiro podia não ser tão sanguinário, em nome da sobrevivência do partido nas eleições de Março, pode começar a tirar o cavalinho da chuva.

Jorge Sampaio e António Guterres “mataram-se” em 1991/92 e António José Seguro e António Costa “estrafegaram-se” em 2014. Mas Guterres ainda teve mais de três anos para conseguir unir o partido e António Costa um ano para alcançar a união possível. Agora, não há tempo nenhum.

As feridas têm tudo para demorar muito tempo a sarar, já que o argumentário até agora usado na campanha de José Luís Carneiro, que parte em desvantagem na corrida a secretário-geral, é exactamente igual ao que a direita costuma usar contra o candidato que tem mais condições de vencer o partido, Pedro Nuno Santos.

A frase pronunciada ontem por José Luís Carneiro à entrada da comissão nacional do PS é uma mistura de sonsice e veneno. Depois de se congratular com a subida de rating de Portugal pela agência Moody’s, disse: “Sempre aprendi desde criança que pagar aquilo que devemos é mesmo essencial.”

Obviamente, estava a aludir ao jantar de Natal do PS de Castelo de Paiva, no longínquo ano de 2011, e onde, quando julgava não estarem jornalistas presentes, Pedro Nuno Santos disse uma das frases mais infelizes da sua vida e que é hoje todos os dias repetida pelo eleitorado de direita. Foi a frase “se não pagarmos a dívida e se lhes dissermos, as pernas dos banqueiros alemães até tremem”.

Confesso desconhecer o conteúdo dos discursos de José Luís Carneiro em reuniões partidárias em 2011. Mas sei o que dizia António Costa em público sobre as agências de rating que hoje tantas alegrias dão ao Governo PS. Três meses antes das legislativas de 2015, numa entrevista ao Jornal de Negócios, Costa afirmou: “A minha classificação sobre as agências de rating é que são lixo e foi por isso que rescindi o contrato com todas quando era presidente da Câmara de Lisboa. É uma gente que já demonstrou não ser minimamente credível, fiável (…) A minha visão sobre essas instituições é péssima e uma das medidas que é necessário tomar na sequência desta crise é pôr na ordem essa coisa do rating.”

Se foi inesperado — pelo menos, para mim — ver José Luís Carneiro a usar contra Pedro Nuno os argumentos da direita, também foi quase absurdo ver Augusto Santos Silva e Vieira da Silva, que apoiam Carneiro, muito preocupados agora com a “autonomia estratégica do PS”, depois de terem sido ministros com o apoio do PCP e do Bloco de Esquerda.

Sérgio Sousa Pinto e Ascenso Simões, que não foram ministros, já se insurgiram contra quem defendeu o discurso “esquerdista” de Costa dos primeiros anos estar agora em transe pelo facto de Pedro Nuno Santos defender o diálogo à esquerda, descartando a direita.

Para os esquecidos, é bom lembrar que era exactamente esse o discurso de António Costa em 2014 — e nessa altura Santos Silva e Vieira da Silva não pareceram muito preocupados quando Costa, no congresso em que foi eleito líder, só falou à esquerda, nem rejeitaram assumir cargos governamentais depois de, como ele dizia, “ter sido derrubado o muro”.

Os partidos são como as pessoas: governam-se vezes demais pelas emoções. A mesma coisa consegue ser em simultâneo magnífica e horrível, dependendo dos amores e ódios pessoais.

Nada disto seria grave se as eleições não estivessem marcadas para 10 de Março. Todos os discursos de Vieira da Silva, de Augusto Santos Silva, a frasezinha de Carneiro de que tem as contas em dia desde o dia em que nasceu, e talvez ainda algumas mais, estão já a beneficiar a campanha dos partidos de direita, empenhados em transformar Pedro Nuno Santos num perigoso comunista radical que parte as pernas aos banqueiros alemães.

Sim, José Luís Carneiro e companhia estão a contribuir com este tipo de discursos para dar um empurrãozinho ao PSD. Resta saber se é mesmo por vontade de ver Pedro Nuno Santos — o mais provável futuro secretário-geral — a estatelar-se a 10 de Março e entregar o Governo à direita ou se é por falta de noção.»

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