8.10.22

Para o café

 


Serviço de café, 1895-1900. Museu da Indústria de Arte, Oslo.
Gustav Gaudernack.


Daqui.
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Chacais

 

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Um Nobel para a resistência e o activismo

 


«A atribuição do Prémio Nobel da Paz de 2022 condena a invasão russa da Ucrânia e distingue o activismo e a importância de uma sociedade civil no reforço da democracia, da paz e do antimilitarismo, em países onde o exercício da opinião e da crítica tem um preço muito alto.

Ales Bialiatski, um activista dos direitos humanos bielorrusso, que está detido, e as organizações de direitos humanos Memorial, da Rússia, e Center for Civil Liberties, da Ucrânia, têm tido um papel importante na protecção dos direitos fundamentais dos cidadãos dos seus países.

O Prémio Nobel da Paz de 2022 pode não ter sido atribuído contra Vladimir Putin, no dia do seu aniversário, nem a favor de Volodymr Zelensky. A justificação do Comité Nobel Norueguês tenta convencer-nos disso. Mas a decisão do comité tem uma intencionalidade política inequívoca. O comité não poderia ignorar o conflito nem os seus intervenientes na Rússia, Bielorrússia e Ucrânia.

É curioso que a escolha desses intervenientes nem tenha sido do agrado de Moscovo nem de Kiev. Não é difícil perceber o desagrado russo: o Memorial é o grupo de defesa dos direitos humanos mais antigo do país, foi criado para denunciar os atropelos da então URSS e prosseguiu com a denúncia dos crimes de guerra praticados pelos russos, sobretudo na Segunda Guerra da Tchetchénia — um tema proibido —, e foi ilegalizado, no ano passado, pelo Supremo Tribunal da Rússia. A escolha de alguém como Bialiatski, que contribuiu para denunciar práticas de tortura dos prisioneiros políticos na Bielorrússia, tem tudo para arreliar Moscovo e Minsk.

Mas a verdade é que os ucranianos também não ficaram muito contentes com o anúncio. Um assessor de Zelensky reagiu com o argumento de que nem as organizações russas nem bielorrussas foram capazes de organizar uma resistência à guerra, desvalorizando a coragem e atrevimento de quem tudo arrisca pelo combate pela liberdade, e porque os “representantes de dois países que atacaram um terceiro recebem, juntos, o Nobel da Paz.”

Os activistas russos e bielorrussos distinguidos, juntamente com a Center for Civil Liberties, organização ucraniana criada para promover os direitos humanos e a democracia, não representam nem o regime de Putin nem de Aleksandr Lukashenko. E, já agora, nem o de Zelensky.

Representam quem combate com coragem e dignidade por uma sociedade civil livre. A defesa da democracia, dos direitos humanos e da coexistência pacífica são o denominador comum entre os distinguidos. Não é de somenos. Não há gesto mais político do que o de premiar o activismo e a resistência.»

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7.10.22

Vampiros

 


[Hoje não há Arte Nova, mas talvez isto possa ser útil, já que eles «andem» por aí…]

Kit para caça de vampiros, século XIX.

Daqui.
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Vai um cafezinho?

 

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7.10.1950 – Quando a China invadiu o Tibete

 


Um ano depois da criação da República Popular da China, o Tibete foi invadido pelas tropas de Mao Tsé-Tung que assumiu o controlo da região.

Ler mais e ver um vídeo AQUI.
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As jovens iranianas queimam os lenços

 


«As tiranias começam muitas vezes a arder em pequenos focos que se transformam em incontroláveis incêndios. A morte da jovem Mahsa Amini, depois de ter sido presa pela "polícia da moralidade", por usar o hijab (lenço islâmico) de forma incorrecta, talvez deixando à mostra parte do cabelo, foi o pretexto da revolta das jovens iranianas, no maior movimento desde a revolta de 2009 contra a falsificação das eleições. A média de idade destes jovens e adolescentes, que são a força de choque do protesto, é de 15 anos, dizem as autoridades. O tema é o lenço islâmico, questão muito mais "política" do que parece. A ele voltaremos.

O Irão era uma espécie de democracia teocrática, sujeita a normas religiosas, mas dispondo de mecanismos de equilíbrio. As eleições presidenciais, mesmo com candidaturas controladas, eram competitivas e permitiam aos cidadãos fazerem uma escolha, designadamente entre "conservadores" e "progressistas". Isto acabou nas eleições de 2021, quando foram excluídos não só os chamados progressistas como os conservadores históricos, caso de Ali Larijani e outros. Resta ao regime a força bruta.

Apesar da aparência de uma estabilidade autocrática, o Irão é um país de protestos, manifestações e greves. Na maioria dos casos, por razões económico-sociais, mas que frequentemente se politizam, com gritos de "morte a Khamenei". O Governo responde cada vez mais brutalmente porque pressente que os protestos põem em causa a sua legitimidade. Deixou de perceber que é a mera repressão que destrói os vestígios da antiga legitimidade. Hoje, a teocracia começa a devorar-se a si mesma.

Note-se que o estatuto da mulher na sociedade iraniana é elevado e não tem comparação com a maioria das sociedades árabes. Um exemplo: em 1978, as mulheres representavam 37% da população do ensino secundário e 29% do universitário. Em 2004, elas representavam 57% da universidade e uma taxa mais alta nos ramos científicos.

O uso do lenço islâmico tem uma longa tradição e foi sempre usado por mulheres. O que é novo é a sua obrigatoriedade, imposta pelo regime em 1983. A universalidade do hijab tornou-se no símbolo quotidiano da tutela da teocracia sobre a sociedade, neste caso, sobre as mulheres. Quando as jovens hoje queimam o lenço nas ruas e "libertam os seus cabelos" fazem um gesto político. À tragédia de Amini, seguiu-se o desaparecimento de Nina Shakarami, de 16 anos, depois de uma manifestação em que teria cantado sem o hijab. O seu cadáver foi encontrado pela família na morgue da polícia.

"Ao longo destes dias de raiva, os slogans evoluíram", escreve no Monde o editorialista Alain Frachon. "Da denúncia do lenço ‘islâmico’, passou-se à condenação do regime ‘islâmico’. Nunca um movimento de contestação tinha durado tanto tempo, desde a revolução iraniana de há 43 anos. (…) Foi das mulheres que veio a faísca. No Irão de 2022, a obrigação do lenço islâmico é mais do que nunca insuportável, é uma violência absurda e humilhante. Mas o Guia Ali Khamenei e o Presidente Ibrahim Raissi não transigem. Temem que o fim do lenço, um dos pilares de sustentação do regime, assinale o princípio do fim da República Islâmica."»

Jorge Almeida Fernandes
Newsletter do Público (excerto), 06.10.2022
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6.10.22

Talvez não fosse má ideia

 


O estudo em questão não levaria mais 50 anos e o Moedas tratava do resto rapidamente.
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Quatro anos sem Montserrat Caballé


 

Ler ISTO.
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BMWs para a TAP

 


Foi anunciado que esta companhia de aviação, que já teve passados financeiramente mais gloriosos, abriu um concurso para substituir, em regime de renting, uma frota automóvel para 50 administradores e diretores. Surgiu a polémica, a administração avançou com números que exprimem poupança em relação à situação actual e nem vou por aí.

O que pergunto – e que ainda não vi questionado em parte alguma – é se havia necessidade de colocar a fasquia do concurso ao nível de uma marca que, segundo a imprensa, tem carros com «um valor de mercado a partir dos 52 e dos 65 mil euros» (Expresso).

Ou seja: não só, mas especialmente no momento actual, que argumento justifica que A ESMAGADORA MAIORIA DESSAS CINQUENTA PESSOAS DEVA / POSSA TER / PRECISE de BMWs, e não de carros utilitários muito mais baratos? Essas pessoas representam o Estado português? A Europa? Recebem e passeiam em Portugal magnatas da aviação ou do petróleo? Se não, quid?
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Apoios à eleição de Lula

 



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A paisagem da incerteza

 


«Tudo o que é hoje vida política do país significa incerteza para os portugueses.

Os portugueses sabem que perdem poder de compra, mas não sabem como e quando termina a praga da inflação. Os portugueses sabem que a fatura energética vai duplicar e sabem que a Euribor faz subir vertiginosamente a prestação da casa, mas não sabem o que está a ser feito para travar a tendência e muito menos quando se inverterá a tendência.

Os portugueses sabem pelo Governo que, por "prudência orçamental", a lei deixou de ser para cumprir. E que, por isso, os aumentos de salários e pensões estão longe de acompanhar o aumento do custo de vida. Mas talvez se questionem por onde andou semelhante "prudência orçamental" quando se decidiu injetar três mil milhões de euros numa empresa que foi renacionalizada para agora se vender.

As famílias sentem que pouca folga têm para acudir a quem mais precisa, mas reparam que, curiosamente, há governantes que têm sempre familiares que são empresários de sucesso nas suas relações económicas com o Estado.

Pode ser um olhar populista, certo, mas a perceção que se cria instala-se como um manto negro. E é este quadro que ajuda a perceber o resultado da última sondagem JN/DN/TSF. António Costa, segundo os inquiridos, hoje não conseguiria formar governo. A direita do PS seria maioritária, o PSD de Montenegro cresce ao centro e aproxima-se do PS, IL e Chega resistem, PCP e BE vivem o trauma existencial pós-eleições legislativas e somam 7%, bem longe dos 20% da geringonça.

Em suma, a tendência eleitoral é de mudança e é produzida no espaço moderado que o PS está a perder.

Belém vê isto tudo e melhor do que ninguém sente a mudança da paisagem política nacional.

O 5 de Outubro do presidente da República serviu para afinar o tiro, e apontar à "qualidade da Democracia". A mensagem foi bem audível: é a opacidade que mata a Democracia. Marcelo Rebelo de Sousa sabe que incerteza gera insegurança. E é por isso que sobe a parada da fiscalização ao Governo. Dia sim, dia não, exige transparência e informação crua e atempada.

Esta parece ser a nossa certeza: de Belém sabemos que em Democracia haverá sempre alternativa. E não foi por acaso que o presidente relembrou vezes sem conta o ano de 1922, quando movimentos populistas e golpes acabaram por gerar ditaduras um pouco por toda a Europa. É um alerta ao Governo, um alerta contra os radicalismos de alguma Oposição, mas sobretudo um aviso contra eventuais abusos de poder.»

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5.10.22

Alfabetos

 


Alfabeto com flamingos em «Lettres et Enseignes Art Nouveau» de París. 1901.
E. Mulier.


Daqui.
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5 de Outubro no tempo da Pneumónica

 


Em outubro de 1918, Lisboa não tinha madeira para tantos caixões.

Ler ISTO.
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Trump e Bolsonaro: a mesma luta, o mesmo perigo

 


«Em 2016, nos Estados Unidos, quase ninguém acreditava que Donald Trump venceria as eleições presidenciais de Novembro. Hillary Clinton partira como a grande favorita. As sondagens apontavam nesse sentido.

O candidato republicano, que eliminara nas "primárias" todas as velhas e novas glórias do partido, não tinha nem curriculum nem preparação política, estava a milhas do establishement, era bastante grosseiro, tinha um discurso errático e desbocado. Hillary era exactamente o oposto: bem preparada, reconhecida, com uma longa história política, senadora pelo estado de Nova Iorque, mulher de um dos Presidentes mais amados do século XX. Uma digna sucessora de Barack Obama. Sabemos o que se passou. Hillary até obteve mais três milhões de votos do que Trump, mas o colégio eleitoral ditou outra coisa. O impensável aconteceu. Tivemos quatro anos de Trump, o tempo suficiente para agitar as águas internacionais, quase sempre no mau sentido.

As sondagens não captam o "voto envergonhado"

Perguntará, caro leitor, cara leitora, a que propósito vêm estas reminiscências. Talvez já tenha intuído que são provocadas por aquilo que aconteceu, no domingo, no Brasil. Todas as sondagens davam a Lula da Silva uma vantagem, no mínimo, de dez pontos sobre Jair Bolsonaro. Algumas alimentaram a possibilidade de Lula ganhar logo à primeira volta. Ao contrário dos Estados Unidos, há uma segunda volta, no caso de nenhum dos candidatos obter mais de 50% dos votos na primeira. No domingo à noite, tal como nos Estados Unidos, as sondagens revelaram-se erradas. Não tanto em relação ao ex-Presidente, que ficou dentro das previsões, mas em relação ao actual, que obteve quase mais 10% do que as sondagens previam.

Já nos habituámos aos erros nas sondagens também em algumas eleições europeias, embora não numa dimensão tão ampla. Porque erraram? Porque nos EUA, como no Brasil, há um voto a que alguns analistas chamam "envergonhado", que não confessa a sua intenção de voto quando inquirido pelas empresas de sondagens. Não há outra explicação para o que aconteceu no Brasil ou nos Estados Unidos há seis anos. O que quer dizer que há fenómenos sociológicos novos nas nossas sociedades que nem os políticos nem os analistas conseguem captar. E que explicam a ascensão acelerada de uma direita radical ou extrema, populista e nacionalista, que consegue aproveitar um sentimento de cansaço dos eleitores relativamente aos partidos centristas. É um sentimento que os académicos e analistas começam a designar por "ressentimento" e que exprime a revolta de largas camadas da população perante o abandono a que se sentem votadas por uma elite que não leva em conta os seus problemas.

Nas democracias desenvolvidas, aquele sentimento até pode não ter a ver directamente com os baixos rendimentos. Terá mais a ver, muitas vezes, com a perda de estatuto social de sectores como os operários industriais, vítimas da deslocalização industrial das décadas passadas. Em momentos de crise como o que vivemos, esses sentimentos são ainda mais exacerbados. Entretanto, três décadas de neoliberalismo e uma crise financeira aumentaram as desigualdades até nas sociedades mais igualitárias.

Estamos a ver isso na Europa, com as eleições recentes em Itália e na Suécia. Já vimos em França e em vários países da Europa Central e de Leste.

O choque da desigualdade

O Brasil não é um país desenvolvido, embora seja a 10.ª economia mundial, graças à sua extensão e a alguns sectores maia avançados, como o agro-alimentar. É, em contrapartida, um país em que a desigualdade social é chocante – uma das maiores do mundo.

No Rio de Janeiro, cidade que conheço bem, os bairros mais ricos da zona sul vivem paredes meias com as favelas mais pobres. Passear pelas ruas do Leblon, entre prédios e moradias luxuosos que não vemos com frequência na Europa, releva-nos até que ponto a classe média-alta brasileira vive muito melhor do que as próprias classes médias europeias. É chocante, mas continua a ser assim, apesar do progresso extraordinário que aconteceu nos dois mandatos de Lula, entre Janeiro de 2003 e Janeiro de 2011, que conseguiram retirar da pobreza extrema mais de 30 milhões de brasileiros. Não foi um milagre. Foi o resultado dos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, que permitiram a Lula fazer o que fez. Nessa altura, governou com moderação, tranquilizando os mercados e fazendo do Brasil uma esperança para o mundo inteiro.

Ainda temos presente o que aconteceu a seguir. A eleição e Dilma, com uma visão política mais radical e mais ideológica do que Lula, e o impeachement. O impacte da crise financeira. Os gigantescos escândalos de corrupção que envolveram alguns dos ministros e conselheiros próximos do anterior Presidente. O próprio Lula foi acusado e condenado, esteve preso e, depois, foi libertado por decisão do Supremo Tribunal. Não se pôde candidatar nas presidenciais de 2018. Bolsonaro ganhou, com muitos votos vindos das classes mais pobres das grandes cidades. Lula transformou-se numa decepção.

O "Trump dos trópicos"

Há quem chame a Bolsonaro o "Trump dos trópicos". A expressão é adequada. Trump veio do entertainment, Bolsonaro era capitão do exército com um curriculum medíocre. Ambos se apresentaram contra o establishment, com um discurso populista contra as elites. Ambos negam as alterações climáticas, vendo-as como um entrave ao desenvolvimento económico. Trump abandonou os Acordos de Paris sobre o clima. Bolsonaro ignora a importância da floresta da Amazónia enquanto pulmão do planeta. Ambos são proteccionistas e não conseguem ter uma visão da economia global. Os dois recorrem a uma linguagem chocante e grosseira. Ambos são conservadores nos costumes – contra o aborto, contra as mulheres, contra os homossexuais. Os dois têm uma forte implantação entre as igrejas evangélicas, que, no Brasil, ganham terreno em relação à até agora muito poderosa Igreja Católica. Ambos admiram os líderes autoritários, como ficou provado pelo seu apoio mais ou menos directo a Vladimir Putin. Ambos contornaram a animosidade dos media tradicionais com uma extensa expressão nas redes sociais.

Para uma mente normal, parecem representar um retrocesso civilizacional. E, no entanto, têm uma imensa base de apoiantes ou, pelo menos, de votantes. A questão é, precisamente, como conseguem atrair tantos votos.

Finalmente, ambos não são fenómenos passageiros. Vieram para ficar.

Uma ameaça para a democracia

Ouvi muitos analistas brasileiros afiançarem que Bolsonaro não constitui uma ameaça à democracia brasileira, que é suficientemente sólida para lhe resistir. Argumentam com a Constituição de 1998, que já deu provas, com a independência dos tribunais e dos media, que são poderosos, com uma sociedade dinâmica.

Nos Estados Unidos, cujas instituições são ainda mais sólidas, não faltam hoje vozes a alertar para que Trump é uma ameaça à democracia. Antes do assalto ao Capitólio, a 6 de Janeiro de 2021, era impensável o recurso à violência política para impedir a transição de poderes entre dois presidentes. Hoje, passou a ser um dado a considerar, já nas próximas eleições de meio-mandato, em Novembro. Há candidatos republicanos ao Congresso que têm o apoio de Trump e que dizem sem qualquer pudor que podem não aceitar os resultados.

Finalmente, Trump está envolvido em numerosos processos judiciais, acusado de crimes que vão da sonegação de documentos confidenciais e secretos a que teve acesso na Casa Branca e que não entregou aos Arquivos Nacionais, até fraudes no IRS e outras ilegalidades financeiras. E, no entanto, há 35% de eleitores americanos que não hesitam em votar nele, se vier a ser de novo candidato. Podem ser mais, se levarmos em conta o "voto escondido" ou "envergonhado". Não é exagero dizer que o seu regresso ao poder, ou de alguém como ele, ameaça a democracia americana.

O mesmo raciocínio pode ser aplicado ao Brasil, por maioria de razões.

O dever de Lula

Parece-me pouco provável que Bolsonaro possa vencer as eleições, na segunda volta, a 30 de Outubro. Muita coisa vai depender da campanha. Lula da Silva tem de falar para o centro, se quer captar os votos que lhe faltam e que estão aí. Terá de afastar-se dos sectores mais radicais do PT, hoje aparentemente dominantes, e de apresentar uma equipa económica que tranquilize as classes médias. Continua a ter um enorme carisma. Sabe falar com as pessoas. E tem uma vontade imensa de "ressuscitar" aos olhos do povo, para tentar "limpar" os tempos conturbados por que passou.

Tudo isto, caros leitores, para dizer que, seja qual for a avaliação que façamos de Lula, a sua eleição é fundamental para a defesa da democracia brasileira.

O que parece haver também de comum e de perigoso entre a democracia brasileira e as democracias desenvolvidas é o esvaziamento do centro político, sobretudo à direita. O PSDB, de Fernando Henrique Cardoso, quase desapareceu nas eleições para a Câmara e o Senado. O Partido Liberal de Bolsonaro obteve o maior grupo parlamentar; o PT, o segundo.

A eleição improvável de Bolsonaro será negativa para o mundo e para a América Latina, mas não é uma catástrofe. É lamentável que ambos os candidatos tenham uma posição ambígua sobre a guerra de Putin na Ucrânia. O Brasil absteve-se no Conselho de Segurança na votação da resolução que condenava a anexação ilegal de território ucraniano pela Rússia.

É esta a grande diferença em relação aos Estados Unidos, onde a eleição de Trump seria uma tremenda catástrofe para a ordem internacional.»

Teresa de Sousa
Newsletter do Público, 04.10.2022

Viva!

 


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4.10.22

Palácios

 


Palácio de Cristal localizado no Parque do Retiro em Madrid.
Construído em 1887 para a Exposição das Ilhas Filipinas.
Arquitecto: Ricardo Velázquez Bosco.


Daqui.
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Entretanto no Irão

 



Alunas de uma escola em Karaj descobrem as cabeças e atiram garrafas para expulsarem um oficial da escola.
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A igreja é corrupta mas o papa é santo?

 

«Se o próprio Vaticano admite que o sancionou em relação com denúncias de abuso sexual, onde está o reconhecimento das vítimas? Onde está a sua compensação? Onde está - ao menos - um pedido de perdão? Por outro lado, se o Vaticano considera que Ximenes Belo não pode voltar a Timor nem contactar com menores, quem é que sabe disso? Como é que o podem garantir se é suposto ser segredo?

E alguém pode acreditar que um caso com esta gravidade e alto perfil - o de um clérigo Nobel da Paz -, não chegou aos ouvidos do atual papa? Como se justifica que tenha sido preciso um artigo jornalístico denunciar as acusações para que se fale delas? É essa a atenção e justiça que Francisco tem para oferecer às vítimas?»

Ler na íntegra AQUI.
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04.10.2009 - O dia em que Mercedes Sosa partiu

 


Mercedes Sosa nasceu no Noroeste da Argentina, em San Miguel de Tucumán, cidade onde em 1816 foi declarada a independência do país.

Quando a Junta Militar de Jorge Videla subiu ao poder e se foi tornando cada vez mais agressiva, Mercedes, considerada peronista de esquerda, foi detida durante um concerto em La Plata, em 1979, refugiou-se depois em Paris e em Madrid e só regressou a Buenos Aires, e ao magnífico Teatro Colón, em 1982.








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"Um certo Brasil amável morreu"

 


«Por escassos 1,7%, Lula não foi eleito presidente da República do Brasil no domingo, 2 de outubro de 2022. Em princípio, o resultado pode ser considerado normal, pois, das duas vezes anteriores em que ele venceu as eleições presidenciais brasileiras, jamais o conseguiu no primeiro turno. Desta vez, ele teve, inclusive, mais votos do que nas duas disputas em que acabou eleito no segundo turno. Pode, portanto, acabar eleito no próximo dia 30, como todas as contas e todos os principais cenários apontam, embora se preveja uma campanha feroz, no mínimo, ao longo do mês.

Tudo bem, portanto. Tudo bem? Não. Os resultados de anteontem demonstram que o protofascismo, o neofascismo ou simplesmente o fascismo (deixemos o rigor dos conceitos para os politólogos) cresceu imenso no Brasil, o que é preocupante, literalmente, para todo o mundo.

Alguns atribuem isso à força de uma ideologia que já vem do tempo das capitanias hereditárias e que continua a manifestar-se, por exemplo, pelo racismo, por um elitismo bacoco e por um profundo desprezo pelos humildes; outros ao peso dos evangélicos, que já são a maioria dos votantes no Rio de Janeiro e, dentro de oito anos, sê-lo-ão em todo o país; e outros simplesmente ao anti-petismo. O mais certo é ser tudo isso e mais alguma coisa que ainda precisa de ser estudada, incluindo uma certa incapacidade das forças progressistas e democráticas não só de se unirem sem complexos, como também de lidar com os novos fenómenos sociais, como as redes sociais.

Impossível, igualmente, esquecer a corrupção do governo Bolsonaro. Os bolsonaristas fanáticos enchem a boca para falar da "corrupção" de Lula (absolvido em 26 processos de todas as acusações contra ele, o que deveria encerrar toda essa discussão em que boa gente ainda insiste em cair) ou dos governos do PT (idêntica à corrupção de todos os governos desde que há Brasil), mas, além das escandalosas suspeitas de corrupção dele e da sua família, o ainda presidente do país fez aprovar na véspera das eleições um orçamento secreto bilionário para distribuir verbas para os seus correligionários políticos. Os especialistas não têm dúvidas em considerar esse orçamento secreto "o maior escândalo de corrupção da história do Brasil". Ninguém tem dúvidas, em particular, que o mesmo influenciou os resultados das eleições de 2 de outubro de 2022.

Voltemos ao crescimento do "fascismo evangélico brasileiro". O facto não é demonstrado apenas pelo crescimento da votação de Bolsonaro no primeiro turno, ligeiramente superior à que obteve em 2018 e muito acima das previsões de todos os institutos de pesquisa: é confirmado, em especial, pelos resultados das eleições para os demais cargos em disputa nas eleições de domingo (governadores, senadores, deputados federais e estaduais). Aí, o bolsonarismo ganhou praticamente em toda a linha. Destaca-se o caso do Senado, que renovou um terço dos lugares, os quais, com a exceção de meia dúzia de vagas, foram preenchidos por candidatos ligados a Bolsonaro. Entre os novos senadores brasileiros, estão figuras que juram ter visto Cristo em cima de goiabeiras, ex-juízes considerados parciais pela justiça, negacionistas da ciência, criacionistas, milionários dados a fazer "turismo espacial" e que se chamam a si próprios "astronautas". Conhecida a truculência do bolsonarismo, a sua simpatia por ditaduras, a apologia da violência, o seu desprezo pelos pobres, o racismo, a misoginia e o oportunismo religioso que o caracteriza (de que é prova cabal a aliança do seu chefe, um católico de origem, com os evangélicos), um grande poeta brasileiro afirmou, tão logo os resultados do último domingo foram conhecidos: - "Um certo Brasil amável morreu!"

A chapa Lula-Alckmin nada tem de "esquerdista" no sentido pejorativo do termo (no limite, é uma chapa de "centro-esquerda", talvez, inclusive, mais para o centro do que para a esquerda), mas é a única chapa democrática na disputa. Da sua vitória depende a preservação mínima não só da democracia, mas da civilidade no Brasil. Os números do primeiro turno sinalizam que a vitória está perfeitamente ao seu alcance. Repetindo-se o que ocorreu há quatro anos, uma parte dos votos de Ciro Gomes deve migrar para Lula, sem esquecer os de Simone Tebet, o que será suficiente para derrotar Bolsonaro.

Lula pode, pois, derrotar Bolsonaro. Mais do que isso, precisa, a bem do Brasil e do mundo, onde o autoritarismo e a extrema-direita crescem assustadoramente. A luta continua.»

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3.10.22

Mais um copo

 


Um copo para sumos com insectos voadores entre gramíneas finamente esmaltadas, 1885.
Moser.

Daqui.
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A coisa aqui está preta

 


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No Brasil, o mês de todos os perigos

 


«O ódio torna a democracia inviável. Porque a política não pode ser o mata-mata. E Bolsonaro, como os seus pares europeus e Trump, trepou o ódio – ele está sempre disponível para qualquer político que o queira usar, sobretudo quando as crises se abatem sobre as nações –, chegou ao poder e construiu um fosso intransponível entre brasileiros que se espalhou por cada rua, por cada pequena cidade, por cada perfil de cada rede social. Ódio aos "esquerdopatas", ódio ao "ex-presidiário", ódio ao "jornalixo", ódio aos "bandidos", ódio aos artistas, ódio aos ambientalistas, ódio, ódio, ódio. Claro que o recebeu de volta. Para a sua estratégia, era essencial que o recebesse. A figuras como Bolsonaro não chega o ódio aos outros. É preciso que a incomunicabilidade entre as pessoas crie realidades paralelas sem concessões.

As condições para a uma polarização na segunda volta são muito maiores do que se imaginava. Primeiro, porque apesar de Bolsonaro ter ficado a léguas dos 60% que garantia que iria ter se não houvesse fraude, as sondagens não previram esta proximidade de 5,2 pontos percentuais e mais de seis milhões de votos. O resultado de Lula está dentro da margem de erro prevista nas pesquisas. Mas falharam em Bolsonaro. Pensa-se que isso pode resultar da recusa em muitos dos seus eleitores a reponderem às empresas de sondagens, um fenómeno que aconteceu nos Estados Unidos, ou na incapacidade de perceber o que aconteceu, por exemplo, em São Paulo. Seja como for, será fácil desacreditar as sondagens. Já a acusação de fraude, com a forma como decorreram as eleições, será muito mais difícil.

A polarização foi tão extrema que a primeira volta se assemelhou a uma segunda. Os dois candidatos concentraram mais de 90% dos votos (48,4% para Lula, 43,2% para Bolsonaro). Tudo se resume a conquistar menos de um décimo dos eleitores. E, apesar de não haver histórico de uma vitória na primeira volta e derrota na segunda, tudo é mais imprevisível do que se esperava. Será mesmo o tudo ou nada para os dois lados. E a campanha será feita ao milímetro.

Se Bolsonaro se conteve – sim, esta campanha ainda foi Bolsonaro contido – enquanto sabia que a votação de hoje podia ser apenas uma etapa destas eleições e que o excesso de polarização poderia levar mais gente a querer encerrar isto já na primeira volta, com medo do que as coisas se descontrolassem, agora não tem nada a perder. Este será o mês de todos os perigos para o Brasil. Até porque a Lula chega conquistar menos de 2 pontos percentuais dos votos, que estarão algures pousados entre os eleitores de Simone Tebet ou Ciro Gomes. Jair Bolsonario tem de arriscar muito mais. Sobretudo na demonização de Lula e do seu passado. Vai ser essa a sua campanha.

A evidente corrupção no seu mandato – sobretudo dos seus filhos – não teve os mesmos efeitos judiciais do que no tempo do PT porque Bolsonaro conseguiu controlar as investigações policiais e impor regras de sigilo de cem anos em alguns casos polémicos que envolveram o presidente ou os seus filhos. Bolsonaro sabe que se perder tudo isso será revertido. Foi ele que disse, há um ano, que só tinha três alternativas para o futuro: “estar preso, ser morto ou a vitória”. Deixa claro que a alternativa à vitória só pode ser o confronto e a violência. E esse é o perigo que nos espera este mês.

Ao ódio viral, que o Presidente promoveu e protegeu, juntou-se a liberalização da compra de armas. Nunca houve tantas no Brasil – estima-se que, sem a liberalização da venda de armas, se teriam evitadas seis mil mortes por ano. São importadas mais de 1200 armas de fogo por dia, maior volume em 25 anos de contabilização. Em imitando a direta norte-americana, Bolsonaro sempre argumentou que a corrida às armas era a única forma do povo defender a liberdade. Como já se percebeu, tudo o que não seja a sua vitória põe em causa a liberdade do povo. Como com Trump, só que num país com instituições muito mais frágeis.

Este mês, o Brasil caminhará no fio da navalha. Mesmo que chegue ao dia 30 de outubro sem ter caído na violência, mesmo que no fim, depois do que será um mês de brutal desinformação, os bolsonaristas sejam derrotados e aceitem o resultado, as marcas desta campanha prevalecerão, como prevaleceram as da derrota de Trump. Porque este tipo de políticos não passa pelo poder sem deixar a democracia mais fraca. Deixam estragos para sempre.

Se Lula vencer na segunda volta, terá um Congresso, um Senado e os principais governadores do centrão e da direita. Aliás, é evidente uma divisão territorial no apoio a um ou outro lado, com o Nordeste, que vale 27% dos votos e onde Lula esmaga, a ser essencial para a vitória nesta primeira volta. E as figuras próximas de Bolsonaro conseguiram ser eleitas. O bolsonarismo para além de Bolsonaro consolidou-se. Como o trumpismo, veio para ficar. Como o PT, e enquanto o PMDB e PSDB vão perdendo consistência, o bolsonarismo será uma força nacional. Se Lula vencer, terá de contar com esta oposição agressiva.

Como nota quase necrológica, a triste história de um homem que não compreendeu o seu tempo histórico. Ciro Gomes, que já teve sete filiações partidárias, ficou em quarto, teve 3% a nível nacional e teve 7% no seu próprio estado (o Ceará), era o candidato com as melhores propostas e até mais à esquerda do que as de Lula, que as teve de as manter difusas para não assustar ninguém. Mas foi incapaz de perceber, como não percebeu na segunda volta das eleições de 2018, o momento histórico que o Brasil atravessa. O seu ego não deixou. E para ser bom presidente não basta ter boa propostas, é preciso ter um apurado sentido da história. Veremos se não se suicidou definitivamente. O seu futuro político, se existe, depende do derradeiro gesto nesta segunda volta. Também é dele e de Simone Tebet que dependerá se Bolsonaro é derrotado.»

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Brasil

 


- Isto vai ser muito mais complicado do que eu pensava!
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2.10.22

Taças

 


Taças, Viena, Áustria, 1900.
Companhia de vidro J.& L,Lobmeyr.


Daqui.
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José Cardoso Pires

 


Chegaria hoje aos 97. Ler este post de 2020.
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A imagem do dia

 

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Retirar pedras do caminho

 


«A presidente do Banco Central Europeu (BCE), representação máxima europeia do poder financeiro (independente da Democracia) ralhou forte e, sem dó nem piedade, aumentou a taxa de juro e ameaçou outros aumentos. Empenhada na criação de uma recessão económica, ela não tolera governos que, por vontade própria ou para se manterem no poder, procuram responder a problemas prementes com que os cidadãos se deparam. Para ela, os governos devem conduzir os povos à emulação salvífica pelo sacrifício.

Christine Lagarde não quer "medidas transversais de apoio" às pessoas e à economia. Ela combate tal opção evidenciando as carências dos muito pobres como forma de justificar que os menos pobres e as classes intermédias sejam considerados privilegiados e arredados dos seus direitos. É a cartilha neoliberal na sua dicotomia perversa: a caridade transformada numa máquina de criação de pobreza. É claro que os mais pobres merecem redobrada atenção e proteção. Não em forma de esmolas para tempos de aflição, mas sim com medidas de proteção que lhes garantam cidadania. Riqueza para isso existe, e muita. Os estados dispõem dela ou podem ir buscá-la intervindo nos mecanismos de acumulação de riqueza.

A inflação está a depauperar a esmagadora maioria dos cidadãos. Esse depauperamento é a via mais rápida para a recessão. Ora, numa sociedade democrática há direitos universais, com forte impacto social e económico - como são, por exemplo, o salário justo, as pensões de reforma, a proteção da saúde, o direito à habitação - que devem ser garantidos a todos os cidadãos. O Estado social desaparecerá rapidamente se estes compromissos não forem efetivados. Desaparecendo, não existirá mais a Democracia.

A inflação atual - foi anunciado esta sexta-feira que, em Portugal, o valor em setembro é de 9,3%, face aos 8,9% de agosto - não foi causada pelos salários, nem pelo nível de consumo dos portugueses que hoje já cortam forte em despesas essenciais. A sua origem está nas disfunções das cadeias de produção e de distribuição bem evidentes na pandemia, está na crise energética e de matérias-primas e no belicismo. O grande perigo para os povos é querer-se combater a inflação aumentando o desemprego e empobrecendo os trabalhadores.

No plano nacional, o Governo não pode andar a brincar à construção de compromissos assentes em previsões mais que duvidosas, como vem fazendo por estes dias na Concertação Social. Sejamos verdadeiros: se de imediato não houver atualização dos salários no setor privado e na Função Pública e se, por efeitos de "dinâmicas do mercado", os salários dos portugueses crescerem em média, em 2022, entre 3 e 3,5%, como se prevê, e com a inflação a seguir a trajetória atual, no dia 31 de dezembro os salários de quem trabalha em Portugal valerão menos cerca de 5% do que valiam no passado dia 1 de janeiro. Essa perda não será ocasional, mas sim permanente.

Por outro lado, o indispensável crescimento futuro dos salários implica que se tenham em conta a inflação, a produtividade, bem como ganhos para fazer subir a parte do rendimento que vai para o trabalho.

As especificidades complexas dos tempos que vivemos resolvem-se com realismo, responsabilidade e determinação. É possível uma política salarial justa e contributos dos trabalhadores para tornar as empresas mais produtivas e competitivas se houver ação sindical e negociação coletiva intensa, feita a partir das realidades concretas dos setores e das empresas.»

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