1.12.18

Depois da China, a Índia



«Para lá da dimensão, e apesar das diferenças de cultura e de tradição política, a Índia e a China têm algo em comum: a ambição de serem, dentro de 20 anos, as potências mais influentes do planeta. Xi Jinping formulou a nova “grande estratégia” da China no último congresso do Partido Comunista (PCC). Mas também a Índia sonha em fazer deste século o “Século Indiano”, ultrapassando as economias dos Estados Unidos e da China — e exercendo uma influência universal. A Índia tem aspirações paralelas às da China, dos EUA e da Europa em criar uma ordem mundial que reflicta os valores da sua civilização. Depois da era dos impérios, seria a sua vez. (…)

Sinais inquietantes são a pressão que o Governo e o BJP exercem sobre a liberdade de imprensa e a independência dos tribunais, primeiros sinais de uma deriva autoritária. Será exagerado comparar Modi a Erdogan. Mas a cópia duma máxima do antigo nacionalismo europeu — “Um país, uma cultura, um povo” — significaria o fim da “Índia que nós conhecemos”.

Modi tem um grande trunfo: o crescimento económico. A oposição tenta ser agressiva mas está, de facto, na defensiva. As eleições de 2019 serão determinantes para o projecto de Modi, o de um Estado etno-religioso. O segundo mandato poderá acentuar a vocação autocrática.

Assim vai a “maior democracia do mundo”.»

Jorge Almeida Fernandes
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01.12.1955 – A recusa de Rosa Parks



No dia 1 de Dezembro de 1955, em Montgomery, a parte da frente de um autocarro reservada a passageiros brancos já não tinha nenhum lugar vago e o condutor ordenou que Rosa Parks se levantasse e cedesse o seu. Recusou e foi presa. Foi um marco importante na luta pelos direitos dos negros nos Estados Unidos.

A história deste acontecimento e de tudo o que se seguiu está bem resumida nos 6 minutos deste vídeo.




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Maio de 68, ainda



Há alguns meses, participei no Fórum Socialismo organizado pelo Bloco de Esquerda e, depois de uma sessão que partilhei com Mário Tomé, fui entrevistada.

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Precisamos de uma lei de liberdade de informação



José Pacheco Pereira no Público de hoje:

«Este artigo devia ter como título “Precisamos de um Freedom of Information Act (FOIA)”, uma lei semelhante à americana que tem este nome, e não as leis portuguesa e europeia que estão longe de garantir o que permite o FOIA. É uma lei que se aplica em primeiro lugar ao poder executivo e que obriga não só a desclassificar e a tornar pública muita documentação anteriormente reservada, classificada ou não divulgada, como a justificar a razão por este ou aquele documento não poder ser acessível. Basta consultar os sites FOIA do FBI, da CIA, da NSA, do Departamento de Estado, da Energia, etc., para verificar a quantidade gigantesca de documentação que está acessível, cobrindo décadas e décadas de produção documental, até aos nossos dias. Não é perfeito, mas é do melhor que há para assegurar a transparência da administração.

É, como se deve imaginar, um palco de conflito permanente entre quem quer limitar o âmbito do FOIA e quem o quer ampliar, mas cidadãos, jornalistas, académicos, investigadores fazem uma contínua pressão para a divulgação de documentos. O culto do segredo é muitas vezes mais destinado a proteger os governantes e as burocracias de revelações incómodas do que a garantir interesses que devam ser protegidos legitimamente pelo segredo de Estado, no âmbito da segurança, da defesa, das relações diplomáticas.

O caso português é paradigmático de uma cultura de ocultação e reserva e da falta de hábito de responder à obrigação de escrutínio público. Os jornalistas de investigação e os investigadores académicos que conhecem os meandros da administração central, local, civil e militar sabem bem como é difícil aceder a documentos, mesmo àqueles que a lei obriga a que sejam públicos. Existem, como é evidente, na legislação portuguesa e europeia várias leis que regulam o acesso aos documentos da administração, mas estão longe de ter a eficácia e a amplitude da lei americana. São excessivamente restritivas, burocráticas e discricionárias, usando mil e um pretextos para defender segredos que revelam compadrios, negligências e erros. Pelo contrário, onde seria preciso segredo, ele não existe, em particular, no sistema judicial que transpira por todos os poros de informações indevidas e onde há um verdadeiro comércio de dados processuais, inteiramente corrupto, que alimenta as partes e uma comunicação social que paga informações.


30.11.18

Quando viajar na Raynair…



…e só puder levar uma mala.
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Salazar, um homem fracote



Sobre Salazar e a sua vida, já tinha lido muitas centenas de páginas. Mas gostei deste livro e tive algumas surpresas, a principal sendo talvez que o homem, que parecia de ferro na governança deste pobre país, era afinal um pouco fracote: em 1946, com 57 anos, já tinha todos estes achaques! (pp. 107 e 108 do livro).

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Estar ao serviço da humanidade é isto




«Segundo a lei holandesa, a polícia não está autorizada a entrar numa igreja enquanto decorre um serviço religioso. Centenas de pastores e voluntários de todo o país juntam-se para manter o serviço 24 horas por dia, sete dias por semana. A família Tamrazyan, com três crianças, está na Holanda desde 2010 mas o seu pedido de asilo foi recentemente rejeitado.»
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Não é “coligação negativa”, é o mesmo que fez nascer a “geringonça”



Daniel Oliveira no Expresso diário de 29.11.2018:

«Reentrou no vocabulário mediático a expressão “coligação negativa” para definir algumas votações que juntaram esquerda e direita no chumbo ou na aprovação de medidas no Orçamento do Estado. Mesmo que eu ache extraordinário que a direita apoie a reposição das carreiras dos professores que ela própria congelou e que ainda há um ano não queria repor, podemos dizer apenas que PSD e CDS são politicamente cínicos. Não podemos dizer que houve uma coligação negativa com o BE e o PCP, que se mantiveram neste assunto onde sempre estiveram. Só se poderia dizer que houve uma coligação negativa se vários partidos se tivessem coordenado através de uma estratégia comum para chumbar ou sabotar o Orçamento do Estado ou para fazer cair o Governo. Não foi o caso.

A ideia da “coligação negativa” nasce de um equívoco. Um equívoco que explica a afirmação de António Costa, de que há uma tentativa de “desvirtuar” o Orçamento. Até à sua aprovação, não existia orçamento. Existia uma proposta do Governo. Os deputados não podem desvirtuar um orçamento que ainda não existe. Podem e devem alterar uma proposta se ela não representa a vontade da maioria. A ideia de que não o podem fazer resulta do mesmo vício “governamentalista” que marcou a nossa prática política nas últimas décadas, e que se espantou com a ideia de que não votamos para o primeiro-ministro mas para um Parlamento que depois escolhe quem governa. As coisas são ao contrário: é o Governo que, com excesso de cativações, desvirtua um orçamento aprovado, não é um Parlamento que, com excesso de alterações na especialidade, desvirtua um orçamento por aprovar.

É verdade que aqueles que defendem défice zero têm o dever de garantir que as suas propostas tem saldo nulo. Ou seja, por cada proposta com custos que PSD e CDS fizessem deviam ter apresentado uma proposta com cortes. Não é obrigatório que assim seja, mas seria um ato de honestidade política. Que já tiveram no passado, aliás.

Como muito bem nos explicou António Costa, quando chegou a primeiro-ministro apesar de não liderar a lista mais votada, é no Parlamento que repousa a legitimidade de Governo. Também então houve quem usasse a expressão “coligação negativa” para falar da “geringonça”. Uma expressão que assume que alguém tem o direito de governar contra a vontade da maioria dos deputados que representam a maioria dos eleitores. Não é assim para a formação do Governo, não é assim para a aprovação de Orçamentos do Estado.

O Governo propõe um Orçamento do Estado e negoceia para ter a maioria dos deputados. Se negociou bem antes de apresentar o orçamento, a versão final será semelhante à que apresentou. Se negociou mal, será muito diferente. Claro que se os partidos que garantem a maioria para governar participassem no Executivo o processo seria mais simples. Mas parece-me ter ouvido António Costa explicar as enormes vantagens de não ter BE e PCP no Governo. Também tem desvantagens. E se António Costa e Mário Centeno decidiram empurrar com a barriga alguns assuntos, é natural que tenham sido obrigados a lidar com eles quando chegou a altura de fazer votações na especialidade. É para isso mesmo que elas servem: para “desvirtuar” orçamentos.

Tenho sido bastante crítico em relação a todas as formas de ingerência europeias sobre os parlamentos nacionais na aprovação de Orçamentos de Estado – o que até já me pôs na posição desconfortável de apoiar o Governo italiano na sua contenda com Bruxelas. Levo a sério a reivindicação que fez nascer a democracia norte-americana – “no taxation without representation” –, que dá ao Parlamento o poder único e último de aprovar e alterar um orçamento. À pergunta “de quem é este orçamento?” a resposta é clara: é da República. Aprovado e alterado por quem o pode aprovar e alterar. Porque o Governo não representa ninguém a não ser a maioria dos deputados que representam a maioria do país. Foi isso que em boa hora a “geringonça” nos recordou. E isto exige governos politicamente mais talentosos e menos autossuficientes. É bom para a democracia.»
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29.11.18

Porque não?



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«Os portuguesas são racistas?»




Cristina Roldão em conversa com Daniel Oliveira, em mais um podcast de «Perguntar não ofende». Quem quiser reflectir sobre uma questão que não é fácil gostará de ouvir.
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那里有火车。 Lá vai comboio, lá vai?




«Os portos de Leixões e de Sines, a modernização da linha ferroviária que pode até passar pela privatização parcial ou total da CP, cooperação tripartida entre a China, Portugal e países africanos ou da América Latina para assegurar investimentos de grande escala são alguns dos exemplos dados por docentes e investigadores numa antevisão da visita oficial do Presidente chinês, Xi Jinping, a Lisboa.»

Não se trata propriamente de «privatizações», mas sim de «nacionalizações» pelo Estado chinês. Não é o mesmo que o sr. Smith ou o sr. Silva comprarem x, y ou z. Não estaremos a vender a «privados».
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Realpolitik para distraídos



«Em 1710, Leibniz inventou a palavra teodiceia a partir de dois termos gregos (significando "justiça de Deus", numa tradução direta). Durante décadas, gastaram-se muitas sinapses a tentar conciliar duas realidades aparentemente contraditórias, contidas na pergunta: "Como é possível a existência de mal num mundo que foi criado por um Deus não só infinitamente poderoso, mas infinitamente bom?" A teodiceia produziu uma espécie de "economia do mal", em que um crime ou desgraça determinados e reais apareciam "justificados" pela crença de terem evitado um mal maior. Essa metafísica do mal desapareceu do pensamento europeu com o choque do terramoto de Lisboa de 1755, contudo, permito-me um exercício análogo ao da teodiceia, depois de escutar as declarações de Trump sobre o relatório da CIA, que confirma o príncipe saudita Salman como o responsável pelo assassínio do jornalista Jamal Khashoggi.

Exibindo um "mal moral" (ainda citando Leibniz) despudorado, Trump afirmou que as vantagens económicas e estratégicas de uma boa relação com Riade pesam muitíssimo mais do que a vida de Khashoggi. Já uns dias antes, presente no desastre incendiário da Califórnia, Trump continuou a negar a existência de alterações climáticas, confundindo factos com convicções, varrendo o melhor da investigação das Ciências da Terra das últimas décadas com o punho da sua crença irracional. Sobre a malignidade da conduta de Trump, parece não restar dúvida. Mas haverá algum mal maior a evitar que possa justificar a sua existência?

Será que o atual presidente norte-americano poderá servir como uma caricatura com utilidade pedagógica? Será que a maldade crua, o desprezo boçal pelos valores da justiça e da dignidade humana, tanto para com os vivos como para com os vindouros, exibidos incessantemente por Trump podem servir para ensinar, até aos mais distraídos, as linhas com que se cose a política em 2018?

Na verdade, a conduta de Trump difere mais da dos líderes democráticos europeus na carroceria do que na motorização, para usar uma metáfora tão rude como o tema. Nenhum estadista europeu, incluindo Macron, parece inclinado a perder um euro nas exportações de armamento para Riade por causa do esquartejamento de Khashoggi. Trump está quase sozinho na negação das alterações climáticas, mas a fé dos europeus que nela acreditam não parece ser forte a ponto de colocarem a defesa da saúde pública e do clima acima do interesse material da indústria automóvel, como se viu no enredado escândalo das emissões revelado em 2015. O realismo político hoje já não está propriamente ao serviço da razão de Estado, mas sim dos imperativos de rentabilidade ininterrupta de uma economia global, dominada por uma plutocracia nómada que manda sem rebuço nos governos nacionais e não hesita em manipular e mentir. Veja-se como a UE foi "vendida" aos cidadãos em nome do "modelo social europeu" e da "convergência económico-social" dos Estados membros. Mentiras nuas, face à desigualdade crescente e à precarização generalizada do trabalho assalariado. O motor da UE hoje é o seu tratado orçamental, um instrumento implacável ao serviço da reprodução do capital, desse "moinho que se tritura a si mesmo", na expressão notável de Novalis. Mas o mal não tem de ter a última palavra. Em 1940, Churchill poderia ter aceitado a generosa proposta de paz de Hitler. Preferiu o risco e o preço de sangue do valor da dignidade. A única via para devolver grandeza e redenção à política.»

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28.11.18

Vous avez un problème, Mr. Macron




«Non, en s'inscrivant dans la durée, les gilets jaunes ne voient pas le soutien populaire dont ils bénéficient s'éroder, bien au contraire. Selon notre dernier sondage "L'opinion en direct", réalisé par l'institut Elabe mardi après-midi après le discours d'Emmanuel Macron et diffusé ce mercredi après-midi, les Français sont 75% à approuver leur mobilisation, quatre jours après la manifestation sur les Champs-Elysées émaillée de quelques débordements, un satisfecit en hausse de cinq points en une semaine.»
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Portugal 2018


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Uma verdadeira maioria «alternativa»




«As bancadas do CDS, PSD e PCP aprovaram a redução do IVA das touradas para 6%, no âmbito das propostas de alteração do Orçamento do Estado para 2019.»

Uma maioria «alternativa» – termo bem adequado neste caso.
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Prevenir o populismo em Portugal



«O jornal britânico The Guardian decidiu estudar a fundo os populismos na Europa. Para tal pediu a 30 cientistas políticos de várias universidades do mundo para classificar os partidos que concorreram a eleições legislativas nacionais. De seguida, somou os votos das formações consideradas como populistas em cada ano e analisou a sua evolução ao longo das últimas duas décadas. Concluiu assim que entre 1998 e 2018 o peso eleitoral dos populismos no Velho Continente passou de 7% para 25%. Portugal surge neste estudo como uma das pouquíssimas excepções onde o populismo não teve até aqui qualquer sucesso eleitoral relevante. Duas questões se colocam: a que se deve a excepcionalidade lusa? E o que pode ser feito para prevenir o vírus de chegar a Portugal?

Segundo o Guardian, um partido é considerado populista se apresenta a vida política como uma luta entre uma massa de cidadãos virtuosos e uma elite mal-intencionada e corrupta. Os partidos populistas, obviamente, assumem-se como representantes do bem ("nós", "o cidadão comum") contra o mal ("eles", "as elites"). Posto nestes termos, o populismo tanto pode ser de direita (isto é, autoritário e conservador, em termos económicos e/ou de costumes) como de esquerda (ou seja, progressista e tendencialmente democrático). No caso europeu, o aumento do peso dos partidos europeus assim classificados está relacionado fundamentalmente com organizações de direita ou ideologicamente mal definidas (como o movimento italiano 5 Estrelas), sendo os casos da Grécia (Syriza) e de Espanha (Podemos) as principais excepções de populismos de esquerda.

O diário britânico pediu também aos especialistas consultados para identificar as principais causas da ascensão dos populismos. A lista é extensa, mas há elementos a destacar.

Ao longo da história, as grandes crises financeiras (como a que teve lugar em 2008-2009) deram recorrentemente origem à desestabilização dos sistemas políticos, levando à emergência de novos movimentos e partidos. Não é de espantar. A ocorrência deste tipo de crises é habitualmente antecedida da formação de grandes fortunas associadas a fenómenos especulativos, alimentados por sistemas financeiros pouco regulados e por poderes políticos coniventes, quando não deslumbrados com o ritmo de acumulação de riqueza de uma pequena elite. Quando a crise chega, trazendo custos sociais profundos e prolongados, as perdas são suportadas pelo conjunto da população. A impotência, a incapacidade ou a falta de vontade dos poderes instalados para minimizar a duração e os custos sociais da crise, para penalizar os comportamentos que lhe deram origem e para introduzir reformas institucionais que previnam a sua repetição, facilitam a emergência de todos os tipos de movimento de protesto e de revolta contra os poderosos.

No caso europeu a ascensão dos populismos foi facilitada por dois factores adicionais. Primeiro, a forma desastrosa como as autoridades europeias lidaram com a crise, hesitando em tomar medidas anticíclicas, lançando sinais contraditórios sobre o rumo a seguir, privilegiando a estabilização do sistema financeiro através de resgates de bancos privados ao mesmo tempo que impunham políticas recessivas à escala continental, forçando os países a adoptar regras laborais e sociais não validadas democraticamente, e adoptando uma retórica autoritária face a governos não alinhados com as orientações emanadas do centro. A juntar a isto, o continente europeu viu-se a braços com uma crise de refugiados que não teve capacidade de gerir e que foi aproveitada por movimentos xenófobos para difundirem as suas mensagens baseadas na desconfiança e no ódio ao outro.

A grande crise financeira e as crises europeias referidas proporcionaram o contexto ideal para a rápida expansão dos populismos. No entanto, o fenómeno vinha de trás e muitos dos factores que o propiciam não são assim tão recentes. Entre eles incluem-se a aproximação ideológica e programática entre partidos do centro-esquerda e do centro-direita, a deriva sensacionalista dos meios de comunicação (passando a ideia que tudo são escândalos e conflitos) e o individualismo reinante nas sociedades contemporâneas, onde o sentimento de pertença a uma comunidade é cada vez mais diluído.

Quando as pessoas sentem que o destino está fora de controlo, quando a percepção de desordem é geral, quando os cidadãos perdem a confiança nos líderes políticos e nas instituições democráticas, estão criadas as condições para o sucesso dos populistas. O surgimento de líderes carismáticos, de preferência apoiados em partidos bem organizados e/ou generosamente financiados, é muitas vezes a última peça em falta para que tenham lugar as transformações políticas a que temos assistido.

Diferentes factores explicam que o populismo não tenha (ainda?) vingado em Portugal. Sem grande base científica para o fazer, diria que foi uma combinação de características estruturais (cultura menos individualista, longevidade de um sistema partidário ideologicamente plural, um nível suficiente de confiança dos cidadãos nas instituições), de opções políticas (esforço deliberado dos partidos para preservarem a sua identidade e diferenciação, preocupação dos dirigentes políticos em manter uma imagem de proximidade às populações) e de sorte (escassez de líderes credíveis e carismáticos para protagonizar eventuais populismos, ausência de grandes surtos migratórios num curto espaço de tempo).

Os factores referidos podem ajudar a prevenir a emergência futura de movimentos populistas bem-sucedidos em Portugal, mas estão longe de o garantir. Desde logo, porque as opções políticas podem mudar e a sorte é por definição incerta. Mas também porque a ocorrência de novas crises traumáticas não está garantida e a UE não tem hoje melhores condições políticas para lidar com tais eventos do que teve na última década.

Ainda assim, há passos que podem ser dados por diferentes actores sociais para reforçar a resistência do sistema político português face a populismos indesejáveis. Os responsáveis políticos podem e devem preocupar-se com o bom funcionamento das instituições democráticas e com a percepção pública das mesmas, sendo intransigentes com comportamentos menos éticos e contrários ao interesse geral. Os jornalistas podem e devem resistir à tentação do sensacionalismo, fazendo acompanhar a necessária denúncia do que funciona mal com a valorização do que há de positivo no funcionamento das instituições nacionais. Por fim, os cidadãos no seu conjunto podem e devem ser exigentes com os seus representantes - e ainda mais com aqueles que aparecem em público garantindo que estão a falar em nome dos "de baixo".»

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27.11.18

Dica (831)




«A climate change-fueled switch away from fossil fuels means the worldwide economy will fundamentally need to change.»
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Fake News em Portugal




Mais um texto a não perder, resultado do trabalho de investigação, que o jornalista Paulo Pena vem a fazer no Diário de Notícias.
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A sério, Doutor Centeno?



«Portugal é hoje um dos fatores de estabilidade e de crescimento na Europa. A nova fase de todo o processo orçamental que hoje se inicia tem que manter estes compromissos. Mais do que isso, tem que garantir que esses compromissos não são postos em causa no futuro.»
Mário Centeno, citado no Expresso curto de hoje.

A sério, Doutor Centeno? Não será uma afirmação ligeiramente exagerada?
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«As pedreiras levaram-me dois irmãos. É só armadilhas»



Para além da tragédia da estrada, o trabalho nas pedreiras.

«"A correr tanto risco por tão pouco dinheiro. Sabe que há 15 anos que não os aumentam um cêntimo? E a maioria ganha o ordenado mínimo. Para ganharem 800 euros, como o meu marido, é preciso andarem lá desde miúdos."»

«"Aleijou-se muita gente neste trabalho. E morreu muita também. O meu pai viu morrer dois colegas com uma grua que lhes caiu em cima. Teve de andar a apanhar os miolos de um deles."»

Esta reportagem de Fernanda Câncio é de leitura obrigatória!
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Costa e a política líquida



«Em finais da década de 90, o sociólogo Zygmunt Bauman cunhou a definição "modernidade líquida" para definir a sociedade que desfilava defronte dos nossos olhos. Vivemos agora nela. É um tempo de valores líquidos, flexíveis, volúveis e instáveis. Nada que admire os portugueses: quase sempre viveram em tempos assim. Instabilidade e capacidade de sobrevivência são os seus referentes. Em cada português há um Urtigão dos desenhos animados da Disney. Na política há uma dieta diária, líquida, que serve estes dias. Donald Trump é o corolário desta modernidade líquida: os seus tweets, ziguezagueantes, criam a novidade diária. E fazem esquecer a do dia anterior. Em Portugal, seria difícil encontrar tempos políticos mais líquidos e menos sólidos do que os actuais. E ainda serão mais em 2019, como anunciou ao povo António Costa. Por trás, a modernidade sólida dos números económicos, que escondem ao pântano da dívida que nos atirará novamente para o buraco se algo externo se produzir, vive-se a liquidez do momento. Criou-se o paradoxo perfeito: a oposição pede mais gastos orçamentais. Não era disso que se costumava acusar o Governo em funções? É esta a nossa política: água da torneira para convencer os portugueses.

Por trás do aparente jogo de água com gás reforçado que vai ser a maioria pós-eleições de 2019 há um país frágil, de Tancos a Borba. Mas não só. Eugénio Santos, o dono da Colunex, foi há dias claro sobre o país líquido que temos: "As costureiras em Xangai ganham mais 30% do que as costureiras em Portugal." Mais: "Em países como a Áustria e a Alemanha paga-se três vezes mais a uma empregada de limpeza do que a um engenheiro que se firmou no Técnico em Lisboa." E ainda foi mais mortal: "Andamos embebedados com esta coisa de sermos um país atractivo. Portugal é atractivo porque paga salários do terceiro mundo e se aplicasse a média salarial europeia às empresas portuguesas desapareceriam 70%." Esta é a política que não se discute neste Portugal líquido: hoje há conquilhas, amanhã não sabemos.»

Fernando Sobral
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26.11.18

Uma efeméride das boas



Não falo só de desgraças!
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O réveillon em Brasília será assim




«Um réveillon na estrada, com direito a ceia improvisada, espumante para ser consumida com moderação e orações para o momento da virada» é apenas uma das muitas iniciativas que levarão à capital brasileira milhares de pessoas, em caravanas idas de vários pontos do país, voos especiais, etc., etc.

Pobre Brasil!
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Bernardo Bertolucci (1941-2018)



Deixa vários excelentes filmes, mas será sempre recordado por este. Vi O Último Tango em Paris no estrangeiro, a Portugal só chegou depois do 25 de Abril (obviamente) e foram longas as filas para não perder o «escândalo» que Bertoluci ousara realizar.

Morreu agora um dos últimos grandes do cinema do século XX.
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Um Estado contra uma greve



«Nos últimos anos temos assistido a lutas de trabalhadores e trabalhadoras como enfermeiros, técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica, professores, médicos, estivadores. Usam a voz que têm: greves, manifestações, marchas, concentrações. Caracteriza-os a precariedade, o desinvestimento público, a falta de meios, o não reconhecimento das carreiras e das qualificações. Em suma, o que os une é algum destes tipos de abandono. Ou, em alguns casos, de todos os tipos de abandono.

Acompanho os movimentos de quem trabalha e luta por condições mais justas ou, simplesmente, pelo reconhecimento de direitos que lhes são devidos ou negados. Como em todas as sociedades, há pessoas e movimentos que geram mais simpatia e solidariedade do que outros. A psicologia e a sociologia ajudam a explicar esses fenómenos. Nesta semana dei por mim a pensar na forma como, perante a luta dos estivadores, se geram reações públicas tão antagónicas que, por vezes, se traduzem num profundo desprezo.

A luta dos estivadores não é de hoje. As suas reivindicações são tão antigas quanto a sua exploração. Cerca de 90% dos estivadores no porto de Setúbal são precários: não têm contrato coletivo, são convocados por sms na véspera de cada dia de trabalho, recebem 47,66 euros por cada turno de oito horas, aos quais são subtraídos impostos. Significa isso que não têm um recibo de vencimento por mês, mas vários. Podem chegar a ter cinquenta. Não têm direito a férias ou a qualquer outro direito que um contrato lhes daria. Trabalham duro sem nunca saber como é o dia seguinte.

As suas condições são de tal forma precárias que até a greve lhes é negada: quem não tem contrato não pode fazer greve e estes estivadores trabalham à jorna. As sucessivas paralisações não têm produzido efeitos e o único avanço conhecido foi um comunicado da Operestiva, a empresa que os contrata, anunciando a possibilidade de contratar trinta trabalhadores se os estivadores em protesto acabassem com a paralisação.

Para agravar a situação, chegaram nesta quinta-feira ao porto de Setúbal, a um navio com capacidade para mais de dois mil carros da Volkswagen Autoeuropa, algumas dezenas de trabalhadores para substituir os estivadores em greve. Em todo o processo, o governo desempenhou um papel à margem do Estado de direito e da Constituição. Primeiro, como denunciado pela Volkswagen, foi o próprio governo quem se empenhou na substituição dos trabalhadores precários que promoveram a paralisação. Depois, toda a operação foi garantida com recurso a dezenas de polícias que afastaram do local os estivadores, as famílias que os acompanhavam, os deputados à Assembleia da República que estavam presentes. Sem provocações e sem violência, os estivadores foram retirados um a um pela polícia de choque. E pergunto-me: quando é que se tornou normal o Estado investir recursos públicos na sabotagem de uma paralisação legítima?

As reações de solidariedade não se fizeram esperar. Mas, da mesma forma, foram imensas as de condenação da luta. Os argumentos são os do costume: paralisação do país e da economia, irresponsabilidade, falta de razão. Pergunto-me em que momento é que a defesa de contratos de trabalho e da contratação coletiva passaram a ser vistas como bloqueio.

Estamos a entrar num caminho muito perigoso. A defesa do trabalho é uma obrigação de todos. Em relação à luta dos estivadores, o governo já passou todas as linhas vermelhas.»

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25.11.18

25.11.1975 – Cada um guarda os seus ícones desta data




O meu é este.
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Sempre a minha música para esta data



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Debate sobre a China



«Curiosamente, algo de importante está a acontecer em Portugal. Parece estar em curso uma transferência silenciosa da tradicional confiança nos Estados Unidos para o Império do Meio. Isto ficará mais claro daqui a duas semanas, quando o Presidente chinês, Xi Jinping, visitar Portugal.

O apoio dos governos do PSD-CDS e do PS e da maioria das elites empresariais aos investimentos chineses tem sido entusiástico, mesmo quando tem estado em causa a entrada da China em sectores estratégicos da economia nacional.

A maior parte dos decisores nacionais está grata à China pelos investimentos feitos após a crise financeira de 2011. Esquecem-se que os mesmos foram feitos para adquirir tecnologia nacional moderna e processos de gestão essenciais à modernização económica da China. Acresce que estes investimentos apoiam uma grande estratégia nacional chinesa de dominância e autossuficiência a nível geoeconómico.

O instrumento mais visível desta estratégia são as novas Estradas da Seda terrestres e marítimas propostas por Xi Jinping. Tudo indica que Lisboa lhes dará apoio político nas próximas semanas.

A transferência da confiança de Washington para Pequim ignora ou desvaloriza três coisas. A primeira é a geografia interna. Em 1935, o demógrafo Hu Huanyong dividiu a China a partir de uma linha imaginária entre a cidade de Heihe, na fronteira com a Rússia, a nordeste, e a de Tengchong, no sul, junto à Birmânia. Oitenta anos depois, esta realidade geográfica não se alterou. A oeste da linha Hu, a China continua a ser um país ainda em vias de desenvolvimento.

A segunda coisa a ter em consideração é o nível de literacia da sociedade chinesa. Hoje consideramos a China um país altamente desenvolvido em termos de educação, ciência e tecnologia. Na realidade, como sublinham Scott Rozelle e Nathalie Johnson no livro “China’s Invisible Crisis”, apenas 30% da população chinesa concluiu o ensino secundário ou tem formação universitária (48% em Portugal, segundo a Pordata). Dois terços das crianças chinesas vivem em áreas rurais onde a qualidade da educação e serviços públicos é muito inferior à de Pequim, Xangai ou Guangdong. Esta é a China que nunca vemos.

Por fim, temos as consequências políticas e económicas da centralização do poder no Presidente Xi Jinping. O reforço do poder Partido Comunista da China nas empresas públicas e privadas é visto como essencial para o controlo do país. A médio prazo, este facto não deixará de ter consequências negativas para a sociedade e economia da China.

Portugal ignora muito do que se passa na China e desvaloriza as suas intenções estratégicas. Sempre foi assim. Tendo em conta a importância dos seus investimentos na nossa economia e a sua crescente influência, parece indispensável um debate nacional informado sobre as consequências políticas e económicas desta nossa crescente confiança na China. A ignorância ou o silêncio têm sempre um alto preço. A visita de Xi Jinping em dezembro é uma boa oportunidade para iniciar esta conversa em benefício de ambas as partes.»

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