25.11.18

Debate sobre a China



«Curiosamente, algo de importante está a acontecer em Portugal. Parece estar em curso uma transferência silenciosa da tradicional confiança nos Estados Unidos para o Império do Meio. Isto ficará mais claro daqui a duas semanas, quando o Presidente chinês, Xi Jinping, visitar Portugal.

O apoio dos governos do PSD-CDS e do PS e da maioria das elites empresariais aos investimentos chineses tem sido entusiástico, mesmo quando tem estado em causa a entrada da China em sectores estratégicos da economia nacional.

A maior parte dos decisores nacionais está grata à China pelos investimentos feitos após a crise financeira de 2011. Esquecem-se que os mesmos foram feitos para adquirir tecnologia nacional moderna e processos de gestão essenciais à modernização económica da China. Acresce que estes investimentos apoiam uma grande estratégia nacional chinesa de dominância e autossuficiência a nível geoeconómico.

O instrumento mais visível desta estratégia são as novas Estradas da Seda terrestres e marítimas propostas por Xi Jinping. Tudo indica que Lisboa lhes dará apoio político nas próximas semanas.

A transferência da confiança de Washington para Pequim ignora ou desvaloriza três coisas. A primeira é a geografia interna. Em 1935, o demógrafo Hu Huanyong dividiu a China a partir de uma linha imaginária entre a cidade de Heihe, na fronteira com a Rússia, a nordeste, e a de Tengchong, no sul, junto à Birmânia. Oitenta anos depois, esta realidade geográfica não se alterou. A oeste da linha Hu, a China continua a ser um país ainda em vias de desenvolvimento.

A segunda coisa a ter em consideração é o nível de literacia da sociedade chinesa. Hoje consideramos a China um país altamente desenvolvido em termos de educação, ciência e tecnologia. Na realidade, como sublinham Scott Rozelle e Nathalie Johnson no livro “China’s Invisible Crisis”, apenas 30% da população chinesa concluiu o ensino secundário ou tem formação universitária (48% em Portugal, segundo a Pordata). Dois terços das crianças chinesas vivem em áreas rurais onde a qualidade da educação e serviços públicos é muito inferior à de Pequim, Xangai ou Guangdong. Esta é a China que nunca vemos.

Por fim, temos as consequências políticas e económicas da centralização do poder no Presidente Xi Jinping. O reforço do poder Partido Comunista da China nas empresas públicas e privadas é visto como essencial para o controlo do país. A médio prazo, este facto não deixará de ter consequências negativas para a sociedade e economia da China.

Portugal ignora muito do que se passa na China e desvaloriza as suas intenções estratégicas. Sempre foi assim. Tendo em conta a importância dos seus investimentos na nossa economia e a sua crescente influência, parece indispensável um debate nacional informado sobre as consequências políticas e económicas desta nossa crescente confiança na China. A ignorância ou o silêncio têm sempre um alto preço. A visita de Xi Jinping em dezembro é uma boa oportunidade para iniciar esta conversa em benefício de ambas as partes.»

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1 comments:

Monteiro disse...

Os 30% da população chinesa que concluiu o ensino secundário ou tem formação universitária equivalem a 450 milhões de pessoas enquanto os 48% da população portuguesa com formação universitária correspondem a cerca de 5 milhões de pessoas.
Comparar dados desta grandeza é irrisória pela dinâmica que os mesmos contém em si.