9.8.25

É mais um

 


Jarro em vidro esmaltado e estanho, 1895.
Daum Nancy,

Daqui.

Coitadinhas

 


Nagasaki além da bomba

 



A acção da célebre ópera de Puccini, Madame Butterfly, passa-se em Nagasaki e relata uma relação trágica entre um oficial da marinha americano e Cio-Cio-San (butterlfy ou borboleta), uma gueixa de 15 anos.

Entre 1915 e 1920, o papel de Cio-Cio San foi interpretado por uma célebre cantora japonesa, Tamaki Miura, e há uma estátua sua, e outra de Puccini, no magnífico Jardim Glover que se situa numa colina sobre Nagasaki e ao qual se acede pelo maior e mais íngreme complexo de escadas rolantes, que alguma vez me foi dado ver e utilizar.

Aí se visita também a residência de Thomas Blake Glover, um empresário escocês que muito contribuiu para a modernização industrial do Japão - uma lindíssima casa de estilo ocidental, a mais antiga que resta naquele país.



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09.08.1945 - Nagasaki, 11h02

 

(Museu da Bomba Atómica, Nagasaki)

Já tinha estado em Nagasaki, mas sem visitar o Museu da Bomba Atómica. Fi-lo há sete anos e este é o relógio parado na hora em que se deu a tragédia. 

Três dias depois de Hiroshima, os EUA lançaram, em Nagasaki, uma bomba que matou 80.000 pessoas. Em 15 de Agosto de 1945, o Japão rendeu-se – no chamado Dia V-J que esteve na origem ao fim da Segunda Guerra Mundial.




Hoje, Parque da Paz de Nagasaki:





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A ocasião faz o extremista

 


«É mau sinal quando as instituições do sector são surpreendidas por uma reforma. Quer dizer que não foram ouvidas e ela resultou de verdades apriorísticas, ideológicas no pior sentido. A FCT, responsável pelo financiamento da ciência, será extinta e fundida com a Agência Nacional para a Inovação, fazendo depender o investimento em ciência dos interesses das empresas. O Governo acredita que a inovação tem retorno económico imediato. Com este raciocínio nunca teriam existido vacinas contra a covid e boa parte das inovações tecnológicas. Porque a investigação fundamental arrisca e inova e, por isso, precisa do Estado. A investigação dependente das empresas é tendencialmente conservadora, só apostando no que já conhece. Além disto, a ciência é necessária para desenvolver políticas públicas, sem retorno financeiro. Também foi o automatismo ideológico que levou ao descalabro nas políticas da habitação. Enquanto punha fim à penalização das casas devolutas e às medidas de contenção do alojamento local, “socialistas”, o Governo avançou com garantias bancárias e isenção de IMT até aos 35 anos, “liberais”. A inflação foi imediata: 16% no primeiro trimestre, três vezes mais do que no resto da Europa. A Comissão Europeia criticou o baixo controlo dos preços e a pressão do AL. Até os bancos já assumem o erro. Foram achas para uma fogueira que já ia alta.

Mas nada foi tão longe como a contrarreforma laboral, apresentada em véspera de férias para ser discutida em campanha autárquica. Estava no programa eleitoral para promover “relações laborais estáveis e uma melhor conciliação da vida profissional, pessoal e familiar”, mas será, afinal, um recuo na grande evolução da última década — a redução do trabalho precário — e na vida familiar. Quanto à precariedade, alimentam-se os falsos recibos verdes, os trabalhadores das plataformas digitais perdem o que conseguiram, desaparece a criminalização do trabalho não declarado que levou à inscrição de dezenas de milhares de domésticas na segurança social, o tempo limite para o contrato a termo é aumentado, incentiva-se o trabalho temporário fraudulento. Quanto à conciliação com a vida familiar, além do regresso dos bancos de horas individuais e do alargamento da isenção de horário, propõem-se perdas nos direitos de parentalidade. Para justificar as alterações, da amamentação ao direito a recusar trabalhar à noite e ao fim de semana quando se têm filhos com menos de 12 anos, a ministra garante que há “muitas práticas” abusivas, mas nem sabe quantas mães pedem redução de horário, quanto mais as que abusam. Sabe, no entanto, como é a criadagem. A confiança que permite cada vez mais arbitrariedade do patrão fica para os de cima. Para o Governo, a família é o núcleo central da sociedade até pôr o lucro em causa. Segundo os defensores de outro recuo, só podem ser os pais a garantir a educação sexual dos filhos, mas não é por isso que precisam de estar com eles ao fim de semana e à noite. A CAP exige 60 horas semanais de trabalho, a CIP quer despedimentos livres e faltas justificadas não remuneradas e, tal como fez com o Chega na imigração, o Governo usará estas absurdas reivindicações para aparecer como a bissetriz deste tempo.

Os dois terços da direita no parlamento são a ocasião que faz regressar um passismo sem troika, com o forte tempero da IL e do Chega. É provável que, depois do chumbo constitucional de algumas propostas, até comece a ganhar fôlego uma revisão e uma radicalização da composição do TC. E é por isso que a resignação da esquerda, preparada para ter como candidato presidencial derrotado o protagonista da cedência sem luta à troika e ao passismo, me deixa atónito.

Perante a tática governamental do “choque e pavor”, disparando ao mesmo tempo para todo o lado, o novo líder do PS foi de férias com este post: “Hoje, no primeiro dia de férias, fiz o almoço. Arroz, salmão e uns legumes frescos. Nada de especial, mas soube bem. Usei ingredientes simples, ideias claras e um pouco de bom senso.” Além do incómodo do Presidente com a guinada em direitos fundamentais na imigração, as últimas semanas foram marcadas por uma contrarreforma laboral agressiva, uma reforma na ciência em que nem os envolvidos foram ouvidos e recuos na educação sexual, recorrendo sempre a um prefabricado ideológico que já teve resultados desastrosos na habitação. E o líder do PS oferece arroz. “Nada de especial.” O Governo mais extremista da nossa democracia constitucional não se explica apenas com os dois terços de direita. Também se explica com o outro terço. O problema não é a polarização. É haver um lado que se calou, levando a este perigoso desequilíbrio.»


8.8.25

Parabéns, parabéns!

 


Continuem assim que vão longe!

NÃO que cada vez mais é SIM

 


«Depois da Lei dos Estrangeiros, da Nacionalidade e do IRS, o Governo quer contar com o Chega para fazer passar no Parlamento as alterações às leis laborais. O Chega não esconde que está disponível para dar de novo a mão ao Governo e diz estar “de acordo com os pressupostos subjacentes ao anteprojeto do Governo”»


08.08.1937 – Dustin Hoffman



Faz hoje 88 e ainda não parou.

Protagonizou dezenas de filmes, mas eu fixei sobretudo os da sua primeira fase. E se The Graduate (1967) não foi o seu primeiro filme, foi certamente aquele em que alcançou fama e que o lançou no mundo do cinema. Com ele, e com Rain Man, ganhou dois Óscares.

Mas não consigo separá-lo de um outro – Kramer vs. Kramer – que vi e revi algumas vezes.




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Raul Solnado

 



Ficámos sem ele já 16 anos, mas devemos-lhe tanto…

Anda tudo a mamar

 


«Quem costuma reputar de populista a ideia segundo a qual, e cito, “anda tudo a mamar”, teve esta semana um azedo revés. Essa opinião, que é habitualmente expendida em certos snack-bares, foi no entanto subscrita pela ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, num ambiente em que, de acordo com os jornais, não era possível avistar uma única sandes de torresmo. A perspectiva subiu na vida, tendo migrado do snack-bar para o ministério, e tomou a seguinte forma: “Infelizmente, também temos conhecimento de muitas práticas em que, de facto, as crianças parece que continuam a ser amamentadas para dar à trabalhadora um horário reduzido, que é duas horas por dia que o empregador paga, até andarem na escola primária.” O primeiro aspecto a reter é de ordem, digamos, epistemológica. Quando a ministra revela ter “conhecimento de muitas práticas em que, de facto, as crianças parece que continuam a ser amamentadas (…) até andarem na escola primária”, dá um contributo para a ciência que não foi devidamente valorizado. Ela mostra que é possível conhecer um facto cuja descrição começa com a expressão “parece que”. Noutros tempos, isso seria estranho, e a formulação “tenho conhecimento de que parece que” seria escarnecida por ser familiar de outras tais como “temos provas irrefutáveis de que se calhar”, “tudo indica com rigorosa precisão que é mais ou menos isto”, e “não há dúvida de que talvez”. Mas hoje ficamos satisfeitos por saber, de ciência certa, que parece que. E o que parece é que há mulheres, que a ministra diz serem “muitas”, que, para manterem a redução de horário, amamentam os filhos até eles andarem na primária. Pessoalmente, não conheço muitas mulheres que amamentem até aos dois anos de idade. Que amamentem até aos três, suponho que sejam menos ainda. Até aos quatro talvez haja algumas, mas nunca soube de um único caso. O que significa que também desconheço práticas de amamentação até aos cinco anos de idade. Portanto, fico surpreendido que haja “muitas” mulheres que amamentam até aos seis, que é a idade em que as crianças entram na primária. Não sabemos exactamente quantas serão essas muitas, mas são as suficientes para que a ministra as refira. Por isso, tenho a certeza de que parece que são várias.

O segundo aspecto importante da intervenção da ministra tem a ver com o problema demográfico. Sempre que se aborda o tema do envelhecimento da nossa população, há quem defenda que é preciso incentivar a natalidade. Esquecendo, claro, que cada bebé nascido tem uma mãe. Uma destas vigaristas que depois vão, em grande número, tentar amamentar os filhos até ao ensino básico. O ideal seria que os bebés tivessem dois tipos de consulta periódica: uma com o pediatra, outra com a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. Uma para zelar pela saúde do bebé, outra para evitar que a saúde do bebé prejudique a saúde das empresas.»


7.8.25

Pra não dizer que não falei das flores

 


Jardineira “Flora Marina, Flora exótica”. Corrimão esculpido, vários marchetes de madeira, zinco e interior de chumbo. Apresentada na Exposição Universal de Paris em 1889.
Trabalho colectivo de Émile Gallé, Victor Prouvé e Louis Hestaux.

Daqui.

Se o mundo não endoideceu, anda lá perto

 


«O festival de música Way Out West, em Gotemburgo, na Suécia, lançou a iniciativa “The Kidney Pass”, que oferece passes de três dias a festivaleiros que se registem como dadores de órgãos. Esta ação visa aumentar a consciencialização sobre a escassez de órgãos para transplante e incentivar a doação no país.»

Notícia AQUI.


O corpo às balas

 



Caetano Veloso

 


Chega hoje aos 83.

Luís Montenegro está a agravar a emergência da habitação

 


«Portugal vive uma crise habitacional profunda, uma verdadeira emergência nacional que toca diretamente a vida de milhares de jovens e famílias.

Ao contrário do que seria esperado e do que foi prometido, as políticas implementadas pelo atual Governo não só não resolveram o problema, como o agravaram.

Em vez de travar o aumento de preços, as medidas do Governo, entre as quais a reversão da regulação do Alojamento Local e a isenção de IMT e imposto de selo, provocaram a maior escalada dos preços da habitação em mais de uma década. No passado dia 28 de julho, o INE confirmou que, em junho, as avaliações bancárias cresceram 18,1% face ao período homólogo, o maior aumento de que há registo. Já o índice de preços da habitação cresceu 18,7% no primeiro trimestre de 2025, também um aumento sem precedentes.

Coincidindo com a maior escalada da crise habitacional em mais de uma década, qualquer alívio de pressão que as medidas do Governo pudessem trazer revelaram-se pífias.

Entretanto, o programa Porta 65, essencial para apoiar jovens arrendatários, permanece parado há meses, deixando milhares sem resposta, sem retroativos e sem qualquer previsibilidade.

Mas o maior obstáculo à habitação pública em Portugal não são apenas as medidas regressivas que este Governo adotou. É, mesmo, o próprio Governo. O IHRU está bloqueado, incontactável, paralisando os projetos municipais ao abrigo do programa 1.º Direito, financiado com fundos do PRR. O resultado é devastador: três em cada quatro municípios não conseguiram sequer iniciar as obras previstas e apenas 26% das habitações planeadas foram entregues até ao final de 2024, comprometendo seriamente o cumprimento do prazo de junho de 2026. Em vez de ser o motor da resposta pública à crise, o Estado tornou-se o principal entrave à sua solução.

Este padrão repete-se de forma sistemática nas políticas habitacionais deste Governo.

Além do que foi feito, é crucial também analisar o que foi revogado. O Governo revogou o congelamento das rendas, abrindo espaço para uma especulação desenfreada. Revogou o arrendamento forçado de casas devolutas, mantendo imóveis vazios enquanto milhares enfrentam uma luta diária por uma habitação digna. Revogou a contribuição extraordinária sobre o Alojamento Local, protegendo explicitamente os interesses daqueles que lucram diretamente com esta crise. Revogou a suspensão das licenças para o Alojamento Local, permitindo uma pressão ainda maior sobre os preços e dificultando ainda mais a vida de quem procura casa nas grandes cidades.

Talvez mais preocupante ainda seja observar quais as prioridades e cedências deste Governo. Perante uma crise habitacional real e documentada, o Governo opta por alimentar as obsessões artificiais da extrema-direita, tratando como emergências questões inexistentes ou exageradas. Em vez de desbloquear apoios essenciais como o Porta 65, o Governo prefere bloquear nacionalidades. Em vez de combater a subida vertiginosa das rendas, opta por enfrentar inimigos imaginários.

Há uma eficácia espantosa no tratamento de problemas que não existem, enquanto a verdadeira crise, o flagelo que a habitação se está a tornar, permanece ignorada.

Esta inversão de prioridades não é acidental; é intencional. O Governo não governa para quem está em dificuldades, nem tem interesse em resolver os problemas estruturais do país, especialmente quando isso afeta interesses estabelecidos, como o setor imobiliário. Ao inventar e amplificar problemas imaginários, o Governo cria uma cortina de fumo, fingindo eficácia onde, na realidade, é incompetente e negligente.

A verdadeira insegurança dos portugueses é não conseguirem pagar as rendas ou adquirir uma casa digna. Esta é a verdadeira herança de Luís Montenegro, ignorar os problemas que existem enquanto promove a cultura tóxica e divisiva do Chega.»


6.8.25

A Reforma, a Reforma

 


«Remuneração de um diretor executivo para a área tecnológica (chief technology officer) no setor privado pode chegar a 150 mil euros brutos por ano, sem considerar benefícios adicionais. São perto de 11 mil euros mês, mais do que ganha Marcelo e mais do que Montenegro ou qualquer um dos seus ministros. Sindicatos esperam para ver.»

Muito mais AQUI.

Hiroshima, 80 anos

 


06.08.1966 – «Salazar» foi o seu nome de baptismo

 



E, no entanto, com a sagacidade que o caracterizava, o presidente do Conselho de Ministros previu o que viria a acontecer alguns anos mais tarde. Antes do início das cerimónias da inauguração, ao ver o seu nome num dos pilares, terá perguntado: «As letras estão fundidas no bronze ou simplesmente aparafusadas? É que, se estão fundidas no bloco de bronze, vão dar muito trabalho a arrancar.»


No dia na inauguração, claro não se escapou a mais um discurso de Américo Tomás:



Atravessei a Ponte alguns dias depois de ter sido inaugurada, no velho carocha de um amigo, com um bote em cima, a caminho da Arrábida. Começava uma nova vida, chegava-se muito mais rapidamente ao paraíso das nossas férias, sem cacilheiros dependentes de nevoeiros, nem longas filas de espera quando era preciso embarcar também um automóvel.

Para quem vivia «do lado de lá», foi a facilidade quase inimaginável de alcançar Lisboa mais facilmente para chegar ao trabalho, ao liceu ou à faculdade ou simplesmente para passear. Não deve ser fácil para quem nasceu mais tarde imaginar Lisboa sem «a Ponte».
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Tu n'as rien vu a Hiroshima

 



06.08.1945 – Hiroshima: os relógios pararam às 8:15




Foi nesta data que a humanidade viveu um dos dias mais terríveis do século XX. Quem alguma vez passou por Hiroshima não saiu de lá como entrou, ficou certamente marcado para sempre como eu fiquei.

Se eu apenas pudesse guardar duas fotografias, dos milhares que fui tirando por esse mundo fora, escolheria estas. De má qualidade, sem dúvida, mas que me recordam dois objectos expostos no Museu de Hiroshima, que nunca mais esquecerei. Numa, um relógio que parou à hora exacta em que a bomba explodiu. A outra fala por si.





Parque Memorial da Paz de Hiroshima - algumas imagens:










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5.8.25

Outro vaso

 


Vaso em vidro camafeu com montagem em metal branco estampado, decoração com andorinhas e cíclames.
Daum Nancy com cruz de Lorraine.

Daqui.

Faltava isto

 


Uma dúvida chamada FCT

 

«A extinção da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) é uma incógnita. A grande questão - e poucas vezes temos visto tal concordância entre variados intervenientes nessa área - é se esta alteração significa um avanço ou uma machadada no sistema científico nacional.

Em primeiro lugar, vale a pena fazer uma referência ao antigo ministro da Ciência Mariano Gago entre os anos de 1995 e 2002, que fez aquilo que muito outros intervenientes em tantos setores da governação não foram capazes: construir uma política para o setor que tutelava cujos efeitos são ainda, e de forma invulgarmente unânime, considerados eficientes e geradores de progresso.

Em segundo lugar, lembrar que apesar do coro de receios levantados por esta fusão anunciada pelo ministro Fernando Alexandre, a FCT não está isenta de problemas a precisar de solução. Basta lembrar os cíclicos atrasos no pagamento das bolsas ou a precariedade dos investigadores ao longo de vários anos, alheia aos resultados alcançados.»


Continuar a ler AQUI.

Os idiotas

 


Direitos dos trabalhadores e as boas práticas

 


«A visão do governo para melhorar a competitividade e produtividade da nossa Economia flexibilizando a legislação laboral, retirando diversos direitos aos trabalhadores, suscita dúvidas quanto à sua sustentação com base em conhecimento. Até agora, não são conhecidos estudos que demonstrem como essas medidas, que constam do anteprojeto já aprovado em Conselho de Ministros e apresentado na Concertação Social, vão aumentar a competitividade nem a produtividade. Já nem falando de exemplos insólitos, como a alegação de que mulheres

fingem amamentar para trabalhar menos horas, como se tal fosse um obstáculo relevante ao crescimento nacional. As mudanças propostas, certamente bem intencionadas, são várias: termina a limitação de uma empresa recorrer ao outsourcing depois de ter realizado despedimentos coletivos ou por extinção de postos de trabalho nos 12 meses anteriores; pais com filhos até aos 12 anos, ou com deficiência ou doença crónica, deixam de poder recusar trabalho à noite, ao fim de semana e feriados; o prazo mínimo dos contratos a termo passar a ser de um ano, em vez dos seis meses, e o máximo do contrato (incluindo renovações) passa de dois anos para três anos, sendo que o limite máximo dos contratos a termo incerto passa de quatro para cinco anos; o direito ao horário reduzido durante a amamentação fica limitado a dois anos. Também passa a ser obrigatório comprovar a amamentação, com atestado, a partir do nascimento. Antes era só ao fim de um ano; redução de 40 para 20 horas por ano a obrigação das microempresas proporcionarem formação contínua aos seus trabalhadores; o luto gestacional é revogado (a lei garante o direito a três dias de falta justificados e sem perda de remuneração). São alguns exemplos.

Para os sindicatos trata-se de um “assalto aos direitos dos trabalhadores” e os patrões, através das suas confederações, pedem que se facilitem ainda mais os despedimentos com recurso a uma figura que designam como “renovação do quadro das empresas”, que penalizará os funcionários mais experientes.

Admitindo, mais uma vez, que podem haver relatórios nacionais que sustentem a eficácia destas medidas, uma breve pesquisa em estudos internacionais demonstra, porém, que há praticamente uma causa efeito entre mais direitos dos trabalhadores, mais produtividade e desenvolvimento económico.

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) analisou mais de 2.300 estudos sobre qualidade do trabalho, saúde e produtividade (OCDE, 2023). A conclusão é inequívoca: a boa qualidade do trabalho (salário justo, estabilidade, reconhecimento e oportunidades de desenvolvimento) tem uma relação positiva com a produtividade individual. Investir em bem-estar laboral gera ganhos para empresas: menor rotatividade, menos dias de baixa e mais inovação. empregos de melhor qualidade - com salários justos, estabilidade e oportunidades de progressão - estão fortemente associados a maiores níveis de produtividade.

Outro relatório da OCDE (“Is There a Trade Off Between Productivity and Employment?”, 2023) demonstra que não existe um conflito entre proteger trabalhadores e ter economias produtivas: países com políticas laborais mais protetoras conseguem simultaneamente produtividade elevada e maior empregabilidade. É o caso dos países nórdicos: a Dinamarca, por exemplo, regista cerca de 107,6 dólares por hora trabalhada, segundo a OCDE - quase três vezes mais do que Portugal, com 39 a 43 dólares por hora. Suécia e Alemanha seguem a mesma tendência, combinando proteção social e desempenho económico.

A própria OCDE reforça que investir em formação - que a proposta do Governo pretende reduzir - e proteger trabalhadores mais velhos prolonga carreiras e gera valor (“Adult Skills and Productivity”, 2024).

O mesmo se confirma no setor privado: um estudo da London School of Economics demonstra que melhorar o bem-estar laboral aumenta diretamente a produtividade.

No fundo, todos estes estudos convergem num ponto: direitos laborais sólidos e boas condições de trabalho não são um custo; são um investimento estratégico em produtividade e competitividade.

É pois necessário que, não ignorando os abusos (até reforçando a fiscalização), também não se corrijam distorções à custa de retirar direitos e não se deixe de olhar às boas práticas internacionais.

Reformar o mercado de trabalho é legítimo e necessário. Ao mesmo tempo que se combate a litigância abusiva, talvez fosse importante avançar com melhores condições e incentivos ao mérito e à qualificação para uma economia cada vez mais exigente em competências.

Se nada se fizer, os jovens, já confrontados com salários baixos e contratos a prazo sucessivos, verão a mobilidade social ainda mais distante. Os trabalhadores mais velhos, por seu lado, vão enfrentar uma transição forçada para a inatividade antes do tempo. No final, perde-se experiência, motivação e capacidade de inovação.»


4.8.25

Bordados

 


Grande design floral em um fundo verde. Bordado de seda com flores e folhas, atribuído à Sociedade de Bordado Leek.
William Morris (1834-1896).

Daqui.

Autárquicas em Lisboa

 



04.08.1578 – Adeus, Alcácer-Quibir

 


Foi há 447 anos que Portugal sofreu uma derrota em Alcácer-Quibir quando decidiu aliar-se a um sultão, Mulay Mohammed, e acabou por ser vencido por um outro, Mulei Moluco. Derrota pesada acima de tudo sobretudo porque nela se perdeu um rei sem descendentes, D. Sebastião.

Foi tal o desespero que o povo não quis acreditar na sua morte, ou ficou na expectativa que ressuscitasse, numa atitude heróica e trágica que o marcou para todo o sempre. Hoje continua, talvez inconsciente mas serenamente, à espera que regresse o tal salvador que o livrará de todos males.

Com música de vários autores:











Tomara

 


O “afinal” sobre Gouveia e Melo

 


«Tenho lido e ouvido por estes dias que Henrique Gouveia e Melo pode, afinal, não vir a ganhar as eleições presidenciais. Este "afinal" (dito com esta e com outras palavras) não é bem um afinal. Não é que Gouveia e Melo tenha tido um faux pas tão grave que lhe custe as eleições; que tenha surgido um inesperado candidato ganhador; ou que alguma inesperada condição se tenha materializado e alterado profundamente a dinâmica da corrida.

As minhas competências de analista político não me permitem ir além de dizer que o eventual candidato Tino de Rans provavelmente não tem hipóteses de chegar a Belém. Mas um bom leitor, ouvinte ou espectador percebe que o "afinal" destes dias é só um afinal em relação àquilo que foi escrito e dito por muitos dos que narram a vida política. É uma manifestação de uma surpresa que não surpreendeu mais ninguém.

Não era universal, mas era generalizado na opinião publicada que Gouveia e Melo seria o próximo Presidente. Estávamos (e ainda estamos) a longos meses da ida às urnas. A dada altura, a previsão de um militar na presidência era feita sabendo-se que haveria duas eleições de permeio, o que não podia ser factor de somenos. Havia as sondagens, que davam ampla margem ao militar e que, entretanto, mudaram. Mas não creio que as sondagens tenham enformado todas as opiniões publicadas. Parece ter-se dado o caso de as sondagens terem ido ao encontro de opiniões formadas (e, em alguns casos, publicadas) muito antes.

Suspeito de duas falhas metodológicas, não mutuamente exclusivas, nas previsões de quem pôs Gouveia e Melo na presidência e está, afinal, a duvidar do que disse.

Uma delas é a ideia abstracta de "o país" ou "os portugueses", que neste caso foi consubstanciada em argumentos do género "o país tem uma queda por militares", "os portugueses gostam de fardas" ou "o povo não resiste a uma voz de comando". Pelo meio, também umas coisas sobre sebastianismos, sobre a altura de Gouveia e Melo e até sobre os seus olhos azuis. Esta última é uma característica pela qual alguma opinião publicada parece ter enlevo. Há alguns anos, escreveu-se ampla prosa sobre os olhos azuis na vida nacional: os de um primeiro-ministro e os de um tecnocrata da troika (Mr. Blue Eyes, chamavam-lhe). Está por provar que a tonalidade ocular valha votos.

A questão é que o país e os portugueses não são "o país" e "os portugueses" usados em muita da opinião publicada. Esta ideia é, conceptualmente, uma espécie de prima da ideia de “identidade” que hoje é a base do debate político: pressupõe que pessoas com traços comuns ("o país" são as pessoas com o traço comum de não escreverem nos jornais ou falarem na TV) querem mais ou menos as mesmas coisas e agem mais ou menos da mesma maneira; ou, pelo menos, que uma grande maioria delas é assim, e que isso é suficiente para decidir eleições. É uma ideia errada, como se tem visto repetidamente.

Outra hipótese para justificar algumas das previsões que agora motivam "afinais" pode ser o reflexo muito humano de querer viver tempos interessantes, a que a opinião publicada não é imune. Ponha-se o leitor no lugar de quem tem de comentar todas as semanas a vida política nacional e pense nas alternativas: um Presidente ex-líder do PSD e comentador televisivo; ou um Presidente ex-líder do PS e comentador televisivo. Compare-se isto com o cenário de um Presidente militar (só por si, inédito em quatro décadas), numa altura em que a segunda força no Parlamento é um partido de direita radical. Mesmo para os que não gostam politicamente deste cenário, é nele que a história se torna única e interessante. E é difícil resistir a isso.


3.8.25

Para ajudar a aguentar o calor

 


Afinal, a vida só é feita de más mudanças?

 



Daqui.

Voltar a dar esperança

 


«Portugal está mais perto do que nunca de reconhecer um Estado Palestiniano, sendo esse o sentido óbvio do comunicado agora divulgado pelo gabinete do primeiro-ministro. (…)

Mário Soares foi nisso exímio, ou não fosse ele o presidente português que estava a jantar em Gaza com Yasser Arafat quando em Telavive Yitzhak Rabin, com quem o presidente português tinha almoçado antes na visita que fez a Israel, foi assassinado por um extremista judeu contrário aos Acordos de Oslo. (…)

Não será em Nova Iorque em setembro que a paz final entre israelitas e palestinianos será obtida. Mas seria importante o mundo, seja o Ocidente sejam os países árabes, envolver-se de uma forma menos cínica do que no passado. (…)

Acontecerá a breve prazo? Há uma solução para pôr fim ao ciclo de ódio? Que cada um dê a sua resposta. Mas que a mortandade que grassa naquele recanto do mundo tem de parar, é uma questão de humanidade. É preciso voltar a dar esperança.»

Ler na íntegra AQUI.

03.08.1968 – and Pardon my French

 


Uma capitulação existencial

 


«Ursula von der Leyen reforçou-se no cargo em dois momentos: na resposta concertada da União Europeia (UE) na aquisição de vacinas para a pandemia e quando se manteve de pé enquanto Erdoğan e Charles Michel ocupavam as duas cadeiras disponíveis. Num mostrou uma vantagem da União, noutro o poder do simbolismo. Tudo o que faltou esta semana, quando se deslocou ao campo de golfe de Trump na Escócia, esperou que ele e o filho acabassem de jogar e, depois de acordar uma capitulação, levantou o polegar, participando na fanfarronice de Trump. Provou-se que a União é “um gigante económico e um anão político”, como disse um antigo responsável da Comissão. A força europeia, com 450 milhões de habitantes e o segundo maior bloco económico do planeta, foi um dos argumentos contra o ‘Brexit’. Trump vai cobrar 10% às empresas britânicas, 15% às da União. O ¬maior banco privado alemão prevê uma diminuição de 25% das exportações europeias para os EUA.

Com este pré-acordo político, que ainda terá de ser negociado secto¬rialmente e aprovado pelos 28 países, 70% das exportações do continente vão pagar uma tarifa de 15% à entrada nos EUA. Há exceções, dos semicondutores a alguns produtos agrícolas e, espera-se, os produtos alcoólicos. Mas nada acontece em sentido inverso. As empresas americanas continuarão a pagar os mesmos 3%, em média. Em 2023, os EUA arrecadaram cerca de €7 mil milhões em tarifas sobre as exportações europeias e, em sentido inverso, apenas entraram €3 mil milhões. Poderia dizer-se que isto confirma o défice comercial. Mas esse défice corresponde apenas a 3% das relações comerciais entre os dois blocos. Trump omite sempre os serviços, principalmente financeiros e digitais, onde a inexistência europeia praticamente compensa a importação de bens industriais e agrícolas. Também neste acordo as poderosas Amazon, OpenAI, Netflix ficam incólumes. Uma semana antes da negociação, a UE mostrou a sua fragilidade, anunciou que desistia da pretensão de taxar as empresas digitais que operam no espaço europeu. O friso de tecnomilionários na tomada de posse de Trump já conseguiu parte do que queria e o mais certo é cair a pretensão de regular as redes so¬ciais e uma parte dos mecanismos de defesa da privacidade pessoal em vigor no espaço europeu. A Europa chegou à negociação a gatinhar. Claro que não podia conseguir melhor do que isto.»