«Duvido que Henrique Gouveia e Melo tenha conquistado votos no último debate – talvez a Ventura. Fez o que costuma estar reservado a candidatos mais pequenos: tratar de temas que, por serem desagradáveis para o outro candidato, tornam os debates feios e, por isso, desgastam as duas partes. Talvez o tenha feito por desespero, ao assistir a uma queda nas sondagens que pode transferir para Seguro o voto útil de quem não quer uma segunda volta entre o candidato do governo e o candidato da extrema-direita. Mas isso não retira pertinência ao tema.
O que aconteceu na última segunda-feira foi a transposição para a praça pública de uma informação largamente conhecida na “bolha” política e mediática. Pode não ter qualquer problema legal. Pode nem sequer levantar, para muita gente, questões éticas. Mas conta, deve contar, na hora de eleger um Presidente da República que se quer o mais livre e independente possível.
A polémica em torno dos clientes de Marques Mendes tem qualquer coisa de déjà vu. E, assim sendo, pode ter o mesmo fim: permitir a vitimização num tempo em que a exigência ética, ao contrário do que era hábito dizer, está em mínimos históricos. Foi isso que o candidato da AD tentou, no debate. Temos alguma dificuldade em encontrar o equilíbrio entre a total devassa de quem se envolva na política e o escrutínio indispensável à defesa do interesse público. Passamos, no ambiente mediático, de um extremo ao outro.
A Presidência da República é o fim da linha. Em princípio, um chefe de Estado não voltará à sua carreira depois de sair do Palácio de Belém. Por isso, recebe uma pensão vitalícia e um gabinete para se dedicar à função de ex-presidente. A ideia é evitar que a representação do Estado seja, depois de exercida, mercadejada. É garantir a absoluta independência e liberdade do Presidente da República. Assim sendo, é legítimo querer saber as condições prévias para essa independência.
Este escrutínio deve ser feito antes da eleição, não quando já se está no cargo. Teria sido melhor saber da Spinumviva quando Montenegro concorreu da primeira vez, para que os portugueses avaliassem a sua relevância, sem estarem pressionados pelo risco de uma crise política ou de uma mudança de governo.
No caso de Marques Mendes, parecia existir um temor em dizer, de forma clara, aquilo de que se estava a falar. Não se está a falar da sua empresa familiar, facilmente escrutinável. Não se está a falar da atividade de advogado. Estamos a falar de uma atividade que, coberta pelo sigilo profissional da advocacia, se tem generalizado. Falámos dela, sem grande problema, a propósito da operação Influencer e de Lacerda Machado. Uma função especialmente atrativa para ex-políticos, como forma de rentabilizar a sua experiência e contactos.
Não há forma de saber se foi isso que Marques Mendes fez na Abreu Advogados. Mas é legítimo perguntar-lhe, sem exigir que divulgue os clientes que resultem da atividade de advocacia daquele escritório, a que correspondia, exatamente, a sua atividade de consultor, tendo em conta o seu aparente valor. E não faz sentido ele devolver a exigência a adversários quando boa parte da sua atividade continua, ao contrário da dos restantes candidatos, defendida pelo segredo.
Sabemos que Marques Mendes não cumpria a função de advogado, mas de consultor, naquela sociedade. Sabemos que, em cargos políticos, a experiência de Marques Mendes não teve uma vertente técnica – secretário de Estado Adjunto, dos Assuntos Parlamentares e da Presidência e Ministro-Adjunto e dos Assuntos Parlamentares. Faz sentido perguntar em que especialidade a sua consultadoria representou tanto valor para uma sociedade que tem forte intervenção onde a política e os negócios se cruzam. É legítimo querer saber se Luís Marques Mendes é um lobista. Ele diz que não. Tudo nos diz que sim.
Não tem qualquer melindre legal e até pode não ter problema ético. Mas, da mesma forma que a inexperiência política de Gouveia e Melo é relevante, é relevante o que Marques Mendes fez, na última década, com a experiência política que tem.»

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