20.11.23

Joan Jara (1927-2023), a viúva que trouxe justiça a Victor Jara

 


«No dia em que o Chile sofreu um golpe de Estado perpetrado por Augusto Pinochet, com o apoio dos Estados Unidos, a 11 de Setembro de 1973, Joan e Victor Jara ouviram em casa, pela rádio, a última comunicação do presidente Salvador Allende, que morreria pouco depois no Palácio de La Moneda, na capital do país. No final da comunicação, ele saiu para se juntar aos protestos numa universidade e esperar o desenrolar dos acontecimentos. “Não olhei para o ver partir. Não parecia importante. Disse adeus de forma habitual. Foi a última vez que o vi”, contou, décadas depois, Joan Jara ao britânico The Guardian. Uma luta diferente começava ali para ela.

Porque Victor Jara foi levado para o Estádio Chile, no centro de Santiago de Chile (agora rebaptizado com o seu nome), e seis dias depois estava morto. Foi torturado, espancado e assassinado. O seu corpo, que Joan foi reconhecer à morgue da cidade, onde estava o que descreveu como “uma pilha de cadáveres”, tinha marcas de 44 balas. Para ela e as duas filhas, uma de Jara, outra do primeiro casamento com o bailarino e coreógrafo chileno Patricio Bunster, começava o exílio, vivido em Londres, cidade natal da bailarina.

Joan Alison Turner nasceu na capital britânica a 20 de Julho de 1927. Em meados da década de 1950 foi para Santiago do Chile, como solista da Companhia de Bailado do Chile. Foi casada com Patricio Bunster, com quem teve uma filha, mas em 1960, quando o seu casamento já estava em crise, conheceu Victor Jara, que era aluno na universidade onde ela dava então aulas.

No livro que escreveria no exílio, sobre o cantautor chileno (editado em Portugal como Canção Inacabada: a vida e a obra de Victor Jara, Edições Record, 1998), citado pelo El País, contou: “Victor tinha uma grande capacidade de expressão corporal, mas não era um aluno que chamasse particularmente a atenção. Até uns anos depois, quando o meu matrimónio já tinha fracassado e passava por um momento de solidão, não se tinha concretizado a nossa união.”

Do casamento dos dois nasceu outra menina. O casal e as duas filhas de Joan viveram juntos até à trágica detenção ilegal e morte do artista, apoiante fervoroso de Allende.

De regresso a Londres, onde ficou até meados da década de 1980, tendo regressado ao Chile nessa altura, a tempo de assistir ao fim do regime de Pinochet, em 1990, teve um papel “crucial” na divulgação internacional dos crimes que estavam a ocorrer no Chile, avalia o The Guardian. E, em 1999, um ano depois de Augusto Pinochet ter sido detido, precisamente em Londres, e acusado de crimes contra a humanidade, Joan conseguiu que reabrissem o caso em torno do assassinato de Jara, cujos autores nunca tinham sido levados à justiça.

O caso, civil, avançou num tribunal da Florida, nos EUA, onde vivia Pedro Barrientos Núñez, um ex-militar fugido do Chile, que obtivera a cidadania norte-americana através do casamento. Em 2016, Barrientos, então com 67 anos, foi considerado culpado de tortura e morte de Victor Jara e condenado a pagar uma indemnização à família no valor de 28 milhões de dólares (25,7 milhões de euros). Já no início deste ano, foi-lhe retirada a cidadania americana e a sua extradição para o Chile, para que seja julgado criminalmente, está agendada para o dia 28 deste mês.

Os esforços de Joan levaram ainda a que, em 2018, nove outros ex-militares fossem condenados pela morte de Victor Jara. Um deles, com 86 anos, suicidou-se no dia 30 de Agosto, quando a polícia o foi buscar a casa para cumprir 25 anos de prisão pela morte do cantor e do chefe das polícias de Allende, Littré Quiroga.

Joan Jara morreu no último domingo, dia 12 de Novembro, com 96 anos. O seu corpo foi velado no Centro de Dança Espiral, que fundou com o primeiro marido, em 1985, depois de também ele ter regressado do exílio. Em 2009, o governo de Michelle Bachelet atribuíra-lhe a nacionalidade chilena e em 2001 recebeu do país o Prémio Nacional de Artes. Mas será sempre a sua luta pela justiça para com Victor Jara, cujo sobrenome adoptou e nunca mais abandonou, que perdurará na memória de todos, como afirmou, no velório, a ministra Camila Villejo, enquanto porta-voz do Governo, citada pelo The Guardian: “A tua resistência e luta pela verdade, justiça e reparação ficarão nas nossas memórias para sempre.”»

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