«Para que 2026 seja um sucesso, basta-lhe passar à segunda volta das presidenciais, dentro de três semanas. Terá deixado para trás pelo menos um dos candidatos dos partidos do sistema, senão mesmo os dois, caso o almirante consiga sair do escorrega onde se meteu. Há quem pense que a aura se acaba depois de fevereiro, quando já não houver eleições para disputar, como se fosse verdade que ele precisa mais disso do que da vida a correr mal a quem detém o poder. Precisa de tempo para que vingue a ideia de que também este governo não será capaz de cumprir as expectativas que criou.
Ventura é um líder populista, eficaz na comunicação e melhor ainda a mobilizar as emoções dos desavindos. E são tantos. Sendo de extrema-direita e sem base programática, nem sequer um conjunto de ideias minimamente coerente, o Chega cresce na polarização da sociedade porque Ventura aparece como o verdadeiro líder dos que acham que o problema está nos imigrantes, nas minorias, no assistencialismo, nos sindicatos, nos excessos da esquerda. E são cada vez mais a pensar assim. Este fim de semana, no Expresso, Gorka Castillo dava conta de que “um em cada sete espanhóis cortou relações por desavenças políticas” É o resultado da polarização, que leva também a que três em cada cinco evitem falar de política com a família e amigos. Desconheço se existe algum estudo similar em Portugal, mas não me parece que se concluíssem coisas muito diferentes, se fosse feito.
As redes sociais são a sementeira, mas há uma relação de dependência entre os media e André Ventura que ajuda a explicar o sucesso do político, tanto quanto ajuda a explicar a degradação do debate nas democracias. As sucessivas entrevistas do líder do Chega nos canais de notícias acontecem porque ele dá audiências, confirmadas pelos três debates mais vistos, com Ventura a fazer o pleno, mas as audiências existem porque o artista transforma tudo num combate de wrestling. É comum ver Ventura procurar transformar entrevistas em debates com o jornalista, para depois se vitimizar e acusar o entrevistador e o canal televisivo de o tratarem mal e discriminarem o Chega — acontece sempre que o jornalista tem de o desmentir. É comum vê-lo ignorar olimpicamente as perguntas que lhe são feitas para debitar apenas o que lhe interessa. Na linha dos longos diretos a que nos habituámos a assistir sempre que Ventura ou o partido dele estão envolvidos numa polémica.
Ventura, que aparece aos olhos dos seus eleitores como o único que diz as verdades que têm de ser ditas, mente com demasiada facilidade, manipula sem peso nenhum na consciência, defende a liberdade de expressão apenas para si próprio. Tudo junto, significa que André Ventura é um político que, se um dia tiver o poder, vai perseguir implacavelmente os seus opositores. Venci recentemente no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa uma acção colocada pelo Chega e André Ventura por ofensas ao bom nome, a propósito de dois artigos de opinião (DN e Expresso), em que alego que os discursos políticos sobre os imigrantes e as minorias têm consequências. O político que rasga as vestes para falar de liberdade de expressão não aceita sequer ser criticado pelo que diz. Avoco esta sentença para poder retirar de um desses artigos a parte em que fazia uma crítica também ao modo como a comunicação social sempre se relacionou com Ventura:
“O papel da comunicação social não pode […] assentar numa ambiguidade. O respeito pelas regras da profissão, designadamente o dever de não contribuir para a normalização do discurso de ódio, não concorre com a ambição das melhores audiências. Não há jornalismo sem regras, nem jornalismo com boas audiências sem ser bom jornalismo […] Em nome da necessidade inquestionável de pluralismo e isenção, o discurso político do Chega deve ter espaço na comunicação social, mas isso não pode nunca significar que o discurso de ódio contra determinadas nacionalidades, etnias ou raças passe incólume.”
Aqui chegados, devo dizer que, se continuarmos viciados nas polémicas criadas por Ventura, não tenho grandes dúvidas de que, em 2026, vamos ter como político do ano o mesmo que tivemos em 2025. E com uma capacidade ainda maior de dividir a sociedade portuguesa e influenciar a agenda do governo.»

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