29.12.25

O acordo nada secreto entre Moedas e Ventura

 


«Entre as luzes do Natal e o ruído do final de ano, confirmou-se uma evidência: há um acordo de governação entre o PSD e o Chega na Câmara de Lisboa. O “não é não” de Luís Montenegro, se fosse um dique, já teria inundado o país inteiro. Mas o primeiro a abrir deliberadamente as comportas foi Carlos Moedas, que se apresentava como obstáculo ao triunfo do extremismo político em Lisboa.

Desconfiei do que aí vinha quando foi anunciada a escolha de uma figura secundaríssima do partido para concorrer à capital e se soube de uma reunião entre André Ventura e Carlos Moedas, numa sala do Palácio de Belém, depois de um Conselho de Estado. Na altura, disse-se que entendimentos com o Chega, para viabilizar uma maioria, eram improváveis, por evidente incompatibilidade. Otimismo de quem acha que Moedas é um homem de princípios firmes. Raramente alguém com a relação que ele tem com a verdade é movido por valores. Porque há uma relação entre as duas coisas. A mitomania torna, aliás, Moedas e Ventura absolutamente compatíveis.

Em apenas dois meses, já tivemos nomeações de candidatos do Chega para a direção dos serviços sociais da Câmara de Lisboa e de empresas municipais, um regimento que limita os poderes da oposição aprovado pelo Chega, um orçamento para 2026 negociado com a extrema-direita e a integração de propostas abertamente inconstitucionais nas Grandes Opções do Plano. Enquanto Moedas se remete a um silêncio frio e calculado, à espera de que a época natalícia consuma a atenção dos lisboetas, é o vereador do Chega que vai relatando as conquistas do partido.

A evidência do acordo viu-se na estranhíssima primeira reunião do executivo. É nessa reunião que se delibera que matérias são decididas nas reuniões de vereação e quais são da competência exclusiva do presidente. A votação do Chega foi favorável a uma concentração inédita de poderes nas mãos de Carlos Moedas e à mudança de regimento, que retirou espaço à oposição. É invulgar um partido votar para ter menos poder, abdicando de competências que outras vereações sempre reclamaram. A menos, claro, que os vereadores do Chega soubessem que participariam nas decisões essenciais.

TRÊS VITÓRIAS PARA O CHEGA

A forma como Moedas apresentou o orçamento confirmou o caminho escolhido. Não houve tentativa de negociação com o PS e fizeram-se cortes em áreas que sempre foram linhas vermelhas para os socialistas. Em contrapartida, cedeu mais ao Chega em semanas do que ao PS nos últimos quatro anos.

A aproximação é programática. Numa cidade estrangulada pelo preço da habitação, e quando a própria Comissão Europeia estabelece uma relação direta entre o Alojamento Local e o crescimento do preço das casas, PSD e Chega uniram-se para travar as já tímidas medidas de regulação do Alojamento Local. Quem acompanhe a investigação jornalística sobre o financiamento do Chega feita por Miguel Carvalho sabe da importância destes setores no financiamento do partido.

A outra exigência do Chega, já tornada pública, é limitar às crianças portuguesas o apoio municipal a todas as famílias que não consigam vaga numa creche financiada pelo Estado. A proposta é flagrantemente inconstitucional, como toda a oposição fez notar, na medida em que viola de forma grosseira o princípio da igualdade. Portugueses e estrangeiros pagam os mesmos impostos e taxas municipais. Para deveres iguais, direitos iguais. Para a Câmara, o critério relevante é simples: viver na cidade, num dos poucos órgãos nacionais em que os imigrantes até têm direito a voto. Para a constituição é a igualdade perante a lei.

A terceira e a mais relevante cedência é acompanhar o programa eleitoral do Chega, que trabalha para os seus financiadores imobiliários, ao vender até metade das cerca de 21 mil casas geridas pela Gebalis. No contexto da maior crise habitacional desde os anos 80, e quando Lisboa apresenta a pior relação entre rendimentos e preços da habitação de todas as principais cidades europeias, a solução de Moedas e do Chega é delapidar o já escasso parque público. Não podemos elogiar os exemplos de Viena ou Amesterdão, onde a habitação pública representa 40% ou 30% do total da oferta, e repetir o erro da EPUL, vendendo a habitação pública em vez de construir para arrendar.

O aluguer permite fazer a rotação dos destinatários do investimento público, para garantir oportunidades aos jovens e ter uma cidade que não expulsa as suas classes médias e profissionais essenciais, como professores, polícias ou enfermeiros. O último empreendimento construído pela EPUL, no Martim Moniz, está entregue ao Alojamento Local. De que serve construir novas habitações acessíveis se, ao mesmo tempo, se perde stock público que podia servir as gerações de futuros jovens? É verdade que Costa e Medina também alienaram património. Mal, mas o contexto era diferente. Não vivíamos uma crise de habitação com esta violência e nunca foi feito nesta escala.

COMEÇOU A MAMA

Depois vieram as nomeações. A primeira foi para a direção dos serviços sociais da CML, com a escolha de uma candidata do Chega em Lisboa, “influencer” conhecida pelas suas posições xenófobas e provocatórias. Foi apresentada por Bruno Mascarenhas como prova de que “já não há linhas vermelhas” para o partido na autarquia.

A segunda, ainda mais significativa, também anunciada por Mascarenhas e nunca desmentida por Moedas, é a entrada de um representante do Chega para administrar a empresa que gere os bairros municipais em Lisboa.

Bruno Mascarenhas garante que não estão a negociar “tachos”, acusação que faria em décimos de segundo se estivesse a falar de outros partidos. Apenas não confia em terceiros para aplicar as suas políticas. Mas, mais do que programa, o Chega tem um exército de desempregados políticos, que encontraram num novo e promissor partido o seu centro de emprego, e esperam que lhes seja oferecida a generosa mama do Estado.»


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