22.11.23

Pedro Nuno Santos não é George Clooney

 


«Um dia perguntaram ao ator George Clooney se admitia ser candidato a um cargo político. Clooney sempre foi da esquerda americana, basta ver filmes como Syriana ou Boa Noite e Boa Sorte para o entender. E a pergunta nada tinha de absurdo: se Reagan chegou à Casa Branca, por que não ele? "Run for office? Não! Já dormi com demasiadas mulheres, usei muitas drogas, fui a muitas festas."

Não há muito tempo, Pedro Nuno Santos, agora candidato à liderança do PS, foi confrontado com um dilema terrível: entre manter o seu Porsche ou continuar a ser amado pelas massas populares, o que fazer? Fosse eu e nem hesitaria: venha de lá o Porsche, que se dane o amor do coletivo.

Mas Pedro Nuno é político. Não lhe basta ser amado pela família e meia-dúzia de amigos, como as pessoas normais. O político procura o amor do povo, quanto mais povo melhor. E deprime-se na falta da expressão regular desse amor, que quer manifestado sob a forma de entusiásticos aplausos, suados banhos de multidão, sondagens nos píncaros, tudo desaguando nesse maravilhoso orgasmo cívico que é ter milhões de votos a favor depositados em urnas eleitorais. Em troca, ele dá o melhor de si, todos os dias e a toda a hora, pelo progresso da Pátria. Como resolveu o socialista o seu dilema? As verdades têm de ser ditas, custe a quem custar: Pedro Nuno não é George Clooney. Vendeu o Porsche. "Não é coerente com aquilo que quero fazer e com a forma como quero estar na política."

Isto revela dois homens perante vagas cada vez mais poderosas de escrutínio feito na base do puritanismo. Clooney recusou; Pedro Nuno aceitou.

Vendo bem, é lamentável, mesmo aterrador. Os puritanos são cada vez mais e estão em todo o lado. São o produto da pobreza e do ressentimento, de desigualdades crescentes, da impotência perante um quotidiano cada vez mais precário. A negritude do futuro não podia deixar de gerar povos em sofrimento que exigem sofrimento aos seus governantes: que estes pareçam pobres mesmo que não o sejam; que não se possa ser premiado com cargos depois de uma vida de pecado.

E em Portugal, verdade se diga, sempre foi assim. "Devo à Providência a graça de ser pobre", dizia Salazar - e sabemos como a nostalgia do ditador já conta com representação parlamentar. Os políticos, mesmo tendo origens abastadas, como Pedro Nuno tem, sentem-se forçados a fingir que são filhos adotivos do proletariado (não só vendeu o Porsche como informou que é neto de um sapateiro).

Ora isto convive com outra inércia profunda: a que determina que os pobres não chegam à política (pago um almoço a quem me disser um primeiro-ministro ou Presidente que tenha nascido na pobreza - e não venham com o exemplo de Cavaco, que era filho de um dono de uma bomba de gasolina, e se isso é ser pobre...). Vivemos imersos num caldo cultural que mistura puritanismo hipócrita com elitismo puro e duro. Uma moldura onde encaixa o retrato de alguns setores do Ministério Público.»

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