«O momento mais triste do debate de quinta-feira foi quando, mesmo no fim, de uma forma um pouco infantil, António Costa exibiu a sua proposta de Orçamento do Estado para 2022. Esse gesto remetia para o que tinha sido dito uma hora antes, quando Costa mostrou aos portugueses a arrogância que muito provavelmente teve nas negociações: independentemente do resultado de 30 de janeiro, que traduzirá a vontade popular quanto à correlação de forças entre os vários partidos, se ele for, como indicam as sondagens, primeiro-ministro, o OE será exatamente aquele. Disponibilidade para negociar depois de ouvir o povo? Zero. Espero que quem tivesse dívidas quanto ao passado recente as tenha finalmente esclarecido. Talvez tenha sido este o tom no processo negocial.
A quem conseguirá Costa impor esta arrogância prévia? Aparentemente, sabe que a ninguém, por isso quer governar sozinho. Pode ser com maioria absoluta ou sujeitará o país ao pântano que escolheu, depois de quatro anos de estabilidade baseados em acordos escritos, em 2019. No meio, apela ao voto no PAN, o segundo momento mais absurdo do debate.
Sim, estou cansado de tanta arrogância. É ela que explica as críticas que desde 2019 faço a Costa, baseadas no pântano em que quer continuar a governar se não aceitarem a sua vontade. Pelo menos até haver uma vaga na Europa para fugir de um cargo de que parece estar farto. Mas há uma coisa que não faço: tomar este meu cansaço com o primeiro-ministro pelo estado de espírito da maioria país.
Nenhum dado em nenhuma sondagem (e nem me refiro especialmente às intensões de voto, mas mais a outras avaliações) nos permite concluir que o país está farto de Costa. O governo estará naturalmente mais desgastado, mas o primeiro-ministro não tem grandes índices de rejeição. E o problema de grande parte das análises que ouvi e li aos debates é basearem-se nesta convicção, que não tem outra fonte que não seja o sentimento dos próprios comentadores.
Costa sempre foi mau em debates (e em campanhas) e mesmo assim ganhou eleições. Na quinta-feira, foi péssimo a defender o legado deste governo. Mas o legado deste governo é amplamente conhecido e a avaliação da maioria parece ser consistentemente positiva. As incógnitas são outras: as condições políticas de governabilidade e o que tem o concorrente de Costa para oferecer. Quanto à primeira questão, Costa enfiou-se num beco ainda mais estreito. Os eleitores não costumam gostar de ser chantageados. Mas na segunda, as coisas não se podem resumir à desenvoltura da prestação de cada um.
Sim, Rui Rio esteve bem melhor do que é seu costume e as espectativas eram baixas. Ligo pouco a notas artísticas, mas até é possível que tenha estado melhor na forma do que Costa. Serve para animar os convencidos, é pouco relevante para o voto. Para o voto, quando se está a quase 10% de distância (em três sondagens de três empresas diferentes), conta a capacidade de atrair boa parte do eleitorado do lado de lá. Ou pelo menos desmobiliza-la, desdramatizando os riscos que dali pode vir. Tinha de se colocar ainda mais ao centro do que na campanha interna do PSD. Mais importante do que a posição geométrica: tinha de não assustar aqueles que votaram em Costa depois de quatro anos de geringonça e que até agora não mudaram de opinião. Não me parece que tenha conseguido conforta-los.
Não conseguiu quando manteve as críticas ao aumento do Salário Mínimo Nacional que não fez perder um emprego ou atrasou a economia, mas afastou milhares de trabalhadores da pobreza. E Costa até perdeu a oportunidade de o confrontar com a posição do PSD sobre a redução do passe social ou das propinas, apesar de as ter referido. É curioso, aliás, que estas bandeiras que o primeiro-ministro agita para sublinhar o aumento de rendimento indireto não estavam no programa do PS de 2015. São conquistas daqueles com quem não quer falar. Mas servem-lhe bem em campanha.Rio também não conseguiu falar para lá do seu campo quando prometeu uma queda do IRC (sem qualquer critério económico e social), deixando o IRS na mesma, aumentando assim o peso relativo do fardo fiscal sobre os trabalhadores. Não conseguiu quando Costa sacou da proposta de revisão constitucional e demonstrou que o PSD mantém a ideia de pôr fim ao SNS tendencialmente gratuito para a classe média – só assim pode ser lida a sua substituição pela garantia de que o “acesso a cuidados de saúde do SNS não pode em caso algum ser recusado por insuficiência de meios económicos”. E não conseguiu contrapor um horizonte com propostas concretas perante o estado de negação em que Costa vive em relação ao que está a acontecer no SNS. Tudo temas que dizem muito as pessoas.
A pergunta não é se os eleitores de Rio ficaram satisfeitos com a sua prestação, depois de 15 dias a fazer-se de morto. É se algum eleitor que em 2019 votou para reeditar uma aliança do PS com o BE e o PCP e que entretanto não mudou se opinião se sentiu confiante e confortável para mudar para Rio, mesmo que até o possa considerar mais genuíno (tanto que exibe sem filtros a sua ignorância em relação ao voto antecipado em mobilidade). Não o vi onde, sobretudo perante a distância que separa os dois. Terá sido ao agitar o “papão” de Pedro Nuno Santos? O maior desgaste a Costa foi causado pela arrogância de Costa. O que até pode ter causado mais estragos no flanco esquerdo do eleitorado do PS.»
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