18.9.25

O Chega pode ganhar nas presidenciais? Por Ventura, pode

 


«A entrada — cada vez mais provável, mas convenientemente adiada — de André Ventura nas presidenciais acabará por baralhar todas as contas que fizemos até aqui. É bem possível que ele seja um dos dois candidatos a passar à segunda volta e, quem quer que seja o outro — as sondagens já não garantem que será Gouveia e Melo —, o seu adversário acabará eleito Presidente da República. Numa volta só a dois, Ventura é o adversário ideal para dar a vitória nem que seja ao rato Mickey, mas ele agradece essa derrota. Quer ser primeiro-ministro e não chefe de Estado. Daí que ter numa segunda volta das presidenciais entre 30 a 40% seja a grande vitória com que sonha.

Ventura irradia confiança, olha para o que se passa lá fora e sabe que é uma questão de tempo até a democracia soçobrar aos seus encantos populistas. Mágico das redes sociais, mentiroso encartado, sedutor de canais de televisão viciados em doses cada vez maiores de insultos aos jornalistas da casa, Ventura está absolutamente convencido de que o dia em que já não haverá mais alternativas está cada vez mais perto. Nessa altura, nem os que agora parecem ser seus aliados terão mais do que um lugar na bancada para aplaudir o salvador. Não será diferente do que vemos acontecer com Trump nos Estados Unidos, como já tinha acontecido com Orbán na Hungria.

Sobrevalorizam-se os méritos de Ventura e subvalorizam-se os deméritos alheios. Ele aproveita, sabe que o nada que tem para oferecer é muito melhor do que a acumulação de falhanços de quem governa. “A culpa é do Passos”, que vigorava nos governos de Costa, ou “o PS esteve lá nove anos e não resolveu”, que vigora nos governos de Montenegro, apenas confirmam a tese do Chega: algum dia terá de ser a vez deles. Antes que esse dia chegue, como acontece em muitas outras latitudes, a extrema-direita começa por influenciar a agenda de quem governa. Tem sido assim, por exemplo, na imigração em muitos países da Europa, esteja a direita ou a esquerda no poder.

Por cá, o mais recente campo de influência de Ventura é a legislação laboral. O Chega acabará por estar ao lado da ministra do Trabalho aprovando alterações que flexibilizam como nunca os despedimentos, mas apressou-se a anunciar o chumbo às alterações ao direito à amamentação e ao luto gestacional, propostas que só conheceram a luz do dia para desviarem a atenção do essencial e poderem ser apresentadas como recuo do governo.

O CONFORMISMO TRADUZ-SE EM DESESPERANÇA

Tenho colecionado conversas com gente assustada com o que vê acontecer à volta do mundo, demasiado parecido com o que aconteceu há cem anos. Gente com filhos, presa na dúvida quanto ao tempo que vai durar este tempo de trevas em que a violência atrai violência e a extrema-direita, como um cancro, vai corroendo por dentro as democracias. Conformam-se, quando se autoconvencem de que tudo o que vemos acontecer não pode ser senão um intervalo na longa época de bem-estar que se seguiu à Segunda Guerra. Como se a história não nos apontasse uma conclusão em sentido contrário: a exceção é a paz e a democracia.

Por exemplo, a China nunca conheceu a democracia e só entrou para a ONU em 1971, ocupando o lugar de Taiwan. A Rússia experimentou, por um breve período, ser um país democrático e não se deu bem. Sobre o dia inicial de uma verdadeira democracia — a Declaração Universal dos Direitos Humanos —, na Índia, o sistema de castas, ligado ao hinduísmo, está proibido na Constitção desde que o país se tornou independente, mas continua a ter um forte impacto social. Os Estados Unidos eram o porta-estandarte das democracias ocidentais e hoje, só com muita boa vontade, se pode olhar para Washington como uma democracia plena. Na Europa, não para de crescer a lista de países onde a extrema-direita nacionalista impõe as regras.

É um desconsolo pensar que é o voto democrático que dá força a partidos que não prezam a democracia, mas o único caminho possível para diminuir o poder de partidos de extrema-direita, populistas e nacionalistas é seduzir os eleitores para projetos mais tolerantes, mais verdadeiros e mais justos. As presidenciais podem ser um passo importante para a caminhada do Chega até ao poder executivo, mas só se os que se dizem democratas estiverem mais interessados em lutas de caserna.»


0 comments: