11.8.22

Raça dura em pele mole e escura

 


«Corre o ano de 2022 e um diplomata português, Manuel Gomes Samuel, chefe da missão da embaixada portuguesa em Doha, no Qatar, decide recorrer à cor da pele, à biologia, para justificar formas de escravatura moderna nesse país. Resumindo: quanto mais a pele for escura, mais “eles” aguentam condições extremas de trabalho. Eles aguentam. Eles que no Qatar trabalham mais horas e são menos bem pagos justamente consoante a cor da pele. (…)

O nosso diplomata no Qatar não se ficou só por considerações biológicas, decidiu partilhar também o seu conhecimento cultural sobre pessoas que “possam ser homossexuais ou gostar muito de álcool”, apelando ao bom senso destas para que não propaguem o seu modo de vida ou lifestyle pela rua. (…) Vai para a festa! Mostra-se entusiasmado, nas suas declarações ao InsideQatar, com “a qualidade das infraestruturas e os compromissos a diferentes níveis da sociedade, para fazer desta uma grande festa, que prepara o palco de um torneio incrível que pode ser uma referência para o futuro”.

Não esperamos um livro de Manuel Gomes Samuel, mas esperávamos que pudesse ter arranjado um tempinho para ler com seriedade os comunicados e relatórios internacionais sobre direitos humanos das Nações Unidas, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da Amnistia Internacional ou ainda das associações feministas, antiracistas, LGBT+ e ecologistas sobre a realização vergonhosa do Mundial de futebol no Qatar. Como dizia o Hervé Bazin não se constrói felicidade (e já agora nem festa, nem Mundial) por cima das ruínas de uma longa miséria.»

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2 comments:

Leituras de Salto Alto disse...


Muito bom o artigo de Luísa Semedo, horrível Gomes Samuel.

nelson anjos

Maria disse...

O que ele disse em horário nobre é o que a maioria das pessoas pensa. Deixemo-nos de pruridos e de fazer de conta que isso não existe. Trabalho com pessoas que pensam dessa forma e sinto isso na pele quando comigo falam. A pessoa que preside aos desígnios desta casa ficou desagradada por estar a ser servida num almoço, por um empregado negro e pediu que o mesmo fosse retirado da sala, sob o pretexto de que "tinha cheiro". Vamos fazer-nos de ofendidos? Mentira. Aliás, quantas pessoas de cor limpam os escritórios onde a maioria trabalha? Quantas pessoas de cor estão em trabalhos considerados menores? Sou privilegiada por ter estudos e por nunca ter baixado a cabeça perante ignorantes, mas a sociedade protege-os e com ele vive e convive. Comentários, como estes, efetuados por um "diplomata" em nada envergonham o país. Apenas retratam aquilo que somos. Aquilo que verdadeiramente pensamos. Se calhar até tenho mais respeito por ele, porque diz em voz alta aquilo que acha certo. Este sei ao que vem e para onde vai. O problema são os que estão escondidos na sombra e que passam por "boas pessoas".
M. Lopes