10.1.25

A discussão sobre segurança que a direita não quer ter

 


«Acho que se está a falar mais na segurança em Portugal nestes últimos meses desde que a AD é Governo e o Chega elegeu 50 deputados do que durante todos os anos de democracia. Entre "sensações", "percepções", aumento da criminalidade violenta denunciado por políticos, mas que não aparece nas estatísticas (está a polícia a mentir e a ocultar algo tão grave?), o assunto ocupa o espaço público, não porque exista uma mudança social, mas porque há uma mudança política.

Assisti ao debate sobre segurança que decorreu esta semana na Assembleia da República, a pedido do Chega, e à vergonhosa manifestação de André Ventura na Assembleia da República a apelar aos gritos a que se "encoste à parede" os "gandulos que destroem autocarros", os imigrantes ilegais, "pedófilos que atacam crianças", os que "roubam e destroem" – num objectivo apelo à pena de morte, como já aqui assinalou João Miguel Tavares. No que João Miguel Tavares erra é quando dá a entender no seu texto que as manifestações do Chega anti-imigração e as manifestações que visam combatê-lo são iguais.

Aliás, Tavares chama à manifestação "Não nos encostem à parede", organizada por pessoas de várias cores políticas mas onde o PS está representado em força, uma manifestação do "Bloco e Companhia".

Um dia gostava de apresentar ao João Miguel Tavares o Eurico Brilhante Dias, um socialista da ala direita do PS que já foi secretário de Estado da Internacionalização e que é um dos organizadores da manifestação "Não nos encostem à parede". Isto para ver se os nossos cronistas de direita perdem a obsessão de reduzirem qualquer manifestação anti-Chega a iniciativas do Bloco.

Fora do radar do debate sobre segurança está a segurança das mulheres (a menos que tenham sido vítimas de ataques de imigrantes não brancos).

Esta quinta-feira, no Barreiro, uma mulher de 46 anos foi assassinada com uma tesoura pelo marido (segundo a Judiciária) em frente aos dois filhos menores, de seis e 14 anos. O "sistema" já sabia de episódios de violência doméstica, mas a queixa da vítima contra o marido, em 2022, acabou arquivada.

No ano passado, foram assassinadas 25 mulheres, 20 das quais vítimas de violência de género – dentro da família. As mortes por violência de género, segundo o Observatório de Mulheres Assassinadas da UMAR, estão a aumentar.

A segurança das mulheres não está na agenda política porque não faz parte da agenda do Chega. Entre os milhões de pessoas que Ventura quer "encostar à parede" não estão os homens que assassinam as mães dos seus filhos, em frente a eles.

Que o resto da direita embarque na teoria de que existe um problema de segurança no país, omitindo deliberadamente o problema maior da segurança das mulheres, é um triste sinal.

Ah, o assassino era "um homem calmo". Foi o que disse na televisão quem o conhecia. São sempre. Na volta, ainda era "um português de bem".»

Ana Sá Lopes
Newsletter do Público, 09.01.2025

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