6.7.23

TAP: fundiu-se a lâmpada no teatro de sombras

 


«Durante meses, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da TAP foi o centro da vida política nacional. No objecto de análise dos deputados estão acontecimentos que fizeram cair um ministro e dois secretários de Estado. Antes das audições da CPI começarem, houve um relatório da Inspecção-Geral de Finanças (IGF) sobre os acontecimentos que motivaram a sua constituição e que levaram ao despedimento da CEO da companhia aérea. Por causa dela, o Ministério das Infra-estruturas foi palco de um filme policial série B que acabou por suscitar uma clara clivagem entre o primeiro-ministro e o Presidente da República, que ainda dura. E não deve haver muitos portugueses que, de uma forma ou outra, não tenham sido impactados pelas longas horas de vívidas audições parlamentares.

E, apesar de toda esta sucessão de eventos, o que sobrevém do relatório preliminar ontem apresentado é uma enorme e corrosiva sensação de vazio. É como se ao trepidante teatro de sombras a que assistimos de repente tivesse fundido a lâmpada. Ficou tudo escuro e parece não haver nada que o trabalho dos deputados tenha iluminado.

Mesmo que a tutela esteja completamente por dentro das negociações da indemnização ilegal ou participe em reuniões da TAP para responder a perguntas do próprio ministério, não há ingerência política na gestão da companhia. Mesmo que se contrate novamente quem se indemnizou antes, não há lugar a censura. E se houve ou não intenção de ocultar matéria da própria CPI por parte de governantes, isso é uma questão para uma outra instância parlamentar ou então para instâncias judiciais...

É aceitável que, estando fora do objecto da comissão alguns dos temas mais quentes tratados na CPI, nomeadamente os que visavam o ministro João Galamba, a maioria se servisse disso para descartar esses assuntos e arrefecer o tom geral do relatório. Mas um resultado tão inócuo, que tão pouco acrescenta ao relatório da IGF, é algo demasiado descolado daquilo a que os portugueses assistiram no teatro de sombras da CPI. Como refere a advogada de Christine Ourmières-Widener, o que perdura é a sensação de que este é “um documento que serve o seu propósito”, o de culpar a CEO e ilibar os governantes.

Porém, se o documento ficar inalterável até à sua aprovação final, também há outro propósito que ele servirá: acabar de vez com a ideia que um dia António Costa tentou passar, de que “uma maioria absoluta não é poder absoluto, não é governar sozinho, é uma responsabilidade acrescida”. Aqui há muita pouco sentido de responsabilidade e muito poder absoluto.»

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