3.6.25

Os “expatriados” de que ninguém fala

 


«Há uma divisão curiosa no mundo da mobilidade humana: aquela que distingue os “imigrantes” dos “expatriados”. Já repararam que, de uma forma geral, um americano ou um britânico são “expatriados” em Portugal, mas os brasileiros, moçambicanos, indianos e paquistaneses são “imigrantes”? Diz-se que a diferença está relacionada com as qualificações profissionais, mas temos de admitir que também está com a diferença de riqueza entre o país de origem e o país de acolhimento. É engraçado como estes termos, que têm zero significado jurídico, são passivamente aceites e usados, legitimando-se como que uma distinção entre “imigrantes de primeira” e de “segunda categoria”.

Muito nos temos preocupado com os imigrantes, e pouco se fala dos expatriados. Muitos deles procuram o nosso país para trabalhar remotamente, gozar a reforma ou investir. Os discursos utilitaristas do “precisamos de imigrantes”, e a permanente tabela de “entradas e saídas de dinheiro” nas nossas contas públicas devido à imigração, nada falam das contribuições desta outra imigração. E tal estudo seria importante, já que muitas destas pessoas beneficiam de regimes de IRS mais favoráveis, mas poderão ter um poder de compra muito superior ao dos cidadãos que cá trabalham e descontam.

O algoritmo do Instagram, por me saber interessada em matéria de imigração em Portugal, impinge-me constantemente inúmeras páginas de Real Estate que garantem que está aqui o Eldorado para ganhar o “Passaporte Europeu”: “What’s the NUMBER ONE Way to Gain Access to Europe Without Moving there Full Time? – Welcome to Portugal’s Golden Visa” (retirado de um anúncio real). Como este há muitos mais. Influencers pululam no Instagram a garantir as maravilhas do nosso país, desde trabalho remoto e ausência de impostos, até ao serviço nacional de saúde, bom tempo, vida calma e escolas que servem sopa ao almoço. Não é por acaso que a revista The Economist reportava que Portugal seria um dos 12 países escolhidos por licenciados americanos se estes quisessem abandonar o seu país. Os anúncios do Instagram continuam. Diz outro: “Did you know that Portugal’s Golden Visa Leads to Citizenship?”. É certo que explica que se tem de estar 5 anos a “residir cá”, sendo que a “residência” não custa muito: promete o anúncio que basta cá passar de 7 a 14 dias por ano no território.

Os regimes de vistos gold há muito que são polémicos e levaram, em abril, a que o Tribunal de Justiça da União Europeia condenasse Malta por conceder a nacionalidade a troco de investimentos no país. Luxemburgo considerou que se tratava de uma venda da cidadania da União Europeia. Ora, já há uns anos, o Parlamento Europeu aconselhou a que pura e simplesmente se abandonassem estes regimes em todos os Estados-membros.

Estamos tão preocupados em demonstrar que os trabalhadores brasileiros contribuem para as contas nacionais, que nos esquecemos de procurar que efeitos estão estes “expatriados” a produzir nas mesmas. E, já agora, noutros pontos não menos importantes da nossa sociedade, como a habitação ou a sobrecarga de serviços públicos. Tal como se faz em relação aos imigrantes, era bom que se começasse a pensar os efeitos que os “expatriados” produzem. É verdade que estão a contribuir para que tudo aqui encareça – casas, restaurantes, bens de consumo – tornando Portugal um país impossível para os portugueses e imigrantes viverem? É verdade que os “expatriados” contribuem para as nossas contas públicas e para um PIB melhor? E já agora, estão também a afundar a AIMA? Quase nada se sabe, mas era urgente perceber, afinal, o que é, o que faz e que efeitos potencialmente negativos produz esta imigração no nosso país.»


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