«Quando Gouveia e Melo diz que, como Presidente da República, usará da palavra com substância, ele não está, curiosamente, a dizer nada de substancial. Dizer “eu vou seduzir-te”, como sabemos, não seduz; e declarar “vou agora influenciar-te”, infelizmente, não atinge o propósito de influenciar. Do mesmo modo, anunciar que se vai usar da palavra com substância não se consubstancia em coisa nenhuma. É o mesmo que prometer: “Eu vou falar muito bem.” Os outros podem acreditar ou duvidar de que a promessa seja verdadeira. Ela só se concretiza se, no futuro, formos capazes de falar muito bem. Em todo o caso, não há dúvida de que usar da palavra com substância é uma ideia melhor do que usar da palavra sem substância. E, por isso, é improvável que outros candidatos estejam interessados em sugerir um modelo diferente. “Prometo falar à balda e dizer inconsequências” é uma proposta que, creio, continuará a não ser formulada.
No entanto, temos de admitir que algumas das suspeitas que tínhamos acerca de Gouveia e Melo começam a confirmar-se. O almirante sempre disse que era de centro. Que se situava politicamente entre o PS e o PSD. Olhando para os apoiantes que se sentaram na primeira fila da cerimónia de apresentação da sua candidatura, verificamos que a velha lei continua a ser verdadeira: quando alguém diz que não é de esquerda nem de direita, isso significa que é de direita.
Outra suspeita que se confirma é a de que Gouveia e Melo não sabe exactamente quais são as competências do cargo a que se candidata. Disse que o problema de Portugal são “as más decisões, as não-decisões, (...) e a falta de coragem para fazer o que tem de ser feito”, e concluiu que “está na hora de cumprir, de reformar e de realizar”. Sabendo que a Presidência da República não é um cargo executivo, e que o Presidente não tem poder para decidir, para fazer, para reformar e para realizar, é difícil perceber de que modo é que o almirante pode ser útil no Palácio de Belém. Talvez planeie convocar semanalmente o primeiro-ministro, que é quem tem essas incumbências, para lhe gritar, durante uma hora: “Realize, homem! Reforme! Decida! Faça o que tem de ser feito!” Nesse caso, talvez não seja ajuizado termos, na Presidência da República, um militar. Militares estão habituados a mandar, e a ver os outros a obedecer. Ora, não é essa a expectativa de um Presidente da República. Aquele cargo foi feito à medida de uma pessoa que esteja habituada a dar os melhores conselhos e a verificar que ninguém os segue. Que incentiva as pessoas a enveredarem pelo caminho correcto, mas seja capaz de se resignar quando elas optam por ignorar as suas sugestões. Belém não precisa de um almirante. Precisa de uma mãe.»
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