26.4.17

A doce e amarga França



«A função presidencial em França foi feita à medida de Charles De Gaulle. A maioria era formada em função do Presidente. "Eu sou a República", diria mais tarde De Gaulle, talvez ecoando a vertigem de Luís XIV: "O Estado Sou Eu." Nada que tivesse exasperado os franceses, muitas vezes seduzidos pelo sonho do homem providencial. Não admira porque o Estado é tão incontornável em França. Mas os tempos de De Gaulle evaporaram-se: a "Doce França" que cantava Charles Trenet transformou-se num campo minado: uma dívida colossal e um défice excessivo (que a "punitiva" Europa só encontra nos países do Sul mas se esquece de ver em Paris), um desemprego brutal, uma economia anémica, uma classe política exangue e uma sensação de insegurança (derivada da emigração e do terrorismo) que cresce. Há barris de pólvora com menos hipóteses de explodir. A Europa bem comportada pensa, com a provável vitória de Macron, que as sombras do apocalipse foram afastadas. Estão equivocados. Nem Macron já ganhou, porque estamos a sobrevalorizar o sentido da lógica neste mundo cada vez mais extremado, nem Marine Le Pen pereceu em combate. Tudo por uma simples razão: Le Pen tem um projecto mobilizador, Macron tem uma salada russa de ideias feitas à vontade dos fregueses.

A colisão dos titãs na doce França pode ter sido retardada, mas vai acontecer: as forças do nacionalismo e do elitismo centralizado (disfarçado de liberalismo) estão à espera da batalha final. Os adeptos desta Europa mais ou menos unida pelo euro podem achar que uma vitória de Macron será uma trégua definitiva entre as duas visões da sociedade. Não é. O radicalismo poderia ajudar o poder europeu (e a elite que se acolhe atrás de Macron) a regenerar-se, ou seja a reformar as instituições políticas e a actualizar o contrato da sociedade de bem-estar. Não parece que estejam dispostos a isso. Por isso, a tendência para o desastre vai crescer, porque Macron parece representar mais do mesmo, ainda que com artimanhas de marketing. A doce França está cada vez mais amarga.»

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