27.11.23

A hipérbole “moderada” do vendedor de promessas

 


«Na desesperada tentativa de recuperar o voto dos reformados, que tão maltratou, o PSD promete aumentar as pensões mais baixas para um valor igual ao que é hoje o salário mínimo nacional. Valor que resulta, é bom recordar, de sucessivos aumentos a que se opôs, garantindo que teria um efeito desastroso no emprego e nas empresas. Agora, mais perto das eleições, diz que foi boa ideia.

Já ouvimos estas promessas muitas vezes. Depois de feitas, em campanha, o PSD chega ao governo e explica-nos que terá de ser tudo ao contrário. Foi assim com Passos Coelho, que mentiu durante a campanha, dizendo que nunca faria o que sabia perfeitamente que iria fazer. Já tinha sido assim com Durão Barroso, que inventou uma crise artificial com o discurso da “tanga”, cometendo a proeza de, com uma austeridade desnecessária, colocar Portugal em recessão, quando Espanha, o nosso maior parceiro económico, crescia quase 3%. Ainda se lembram do choque fiscal? Nunca o viram, claro está.

Se alguém acredita numa expansão do Estado Social com um governo com a Iniciativa Liberal atrelada e liderado por um passista é porque quer mesmo ser enganado. Serão os mesmos partidos que se opuseram aos sucessivos aumentos do salário mínimo nacional que farão a pensão chegar onde achavam que o salário não podia ir? Alguém acredita nisto?

No que toca a ideias, estamos conversados: as promessas de sempre, que serão esquecidas como sempre. Montenegro também não faz mira ao PS por causa do processo judicial. Não é que eu ache que devesse fazê-lo, mas conhecendo a história do PSD sabemos que, se este líder se sentisse confortável no debate ético, não perderia esta oportunidade. Deixará isso para outros, que nunca se preocupam com os seus telhados de vidro, porque se sentem inimputáveis. Como em oito anos os portugueses ainda “não absorveram na sua plenitude a força do PSD”, Luís Montenegro resolveu regressar à receita que, nestes oito anos, nunca parece ter resultado, talvez porque seja contraditória nos seus termos: a arte da hipérbole para mostrar “moderação”. É ela que, na realidade, exibe a radicalização da direita.

Para Montenegro, entre 2015 e 2019, para ficar pelos primeiros quatro anos de estabilidade, crescimento económico e satisfação popular de uma geringonça regulada por acordos em boa hora assinados, vivemos um período de “gonçalvismo”. Esse terrível governo que registou, segundo o barómetro do European Social Survey que mede a satisfação dos cidadãos de 31 países com as suas instituições, a melhor avaliação desde o início do século. Na realidade, o único governo com avaliação positiva desde 2002.

Se aquilo que vimos foi o PREC, tempo longínquo que parece excitar cada vez mais uma direita presa nos fantasmas do passado (até os seus líderes do passado parecem ser os únicos capazes de mobilizar a militância e os eleitores), é natural que ache as tímidas propostas do governo, a léguas do que tantas democracias europeias experimentam perante a crise da habitação, “soviéticas”. É natural que quem perdeu de tal forma o sentido da proporção das palavras ache que qualquer proposta que se afaste das suas é radical. Se discorda, estamos a um passo da ditadura.

Já ouvimos esta conversa em 2015, quando Paulo Rangel andava pelos corredores de Bruxelas a pressionar para o chumbo do Orçamento português na Comissão Europeia e Pedro Passos Coelho anunciava o diabo. Também então, o radicalismo e a moderação foram o centro do debate e o PSD afundou-se no vazio das propostas para o país, enquanto o tal governo gonçalvista fez um trabalho que o povo apreciou. Foi quando o governo se tornou supostamente mais moderado, com a maioria absoluta, que as coisas começaram a correr mal. Porque a questão nunca foi moderação ou radicalismo. Dentro das baias europeias, a escolha nunca vai tão longe. Foi cumprir, por uma vez, as promessas que se fizeram na oposição. E naqueles quatro anos foi isso que se fez.

Hoje, o partido que se apresenta como casa segura para moderados é dirigido por uma figura do tempo em que se quis ir para além da troika, quer uma coligação pré-eleitoral com uma Iniciativa Liberal que, se impusesse as suas propostas fiscais e sociais delirantes, rebentaria com o Estado Social num mandato e mantém, nos Açores, uma aliança com o Chega e com a IL que ao fim de três anos vive crises que a geringonça nacional só conheceu depois de seis. Porque os partidos com que se entendeu são bem mais intransigentes nos seus programas de rutura social e política do que foi a geringonça. Provavelmente, até são radicais.

Esta é uma das principais características da direita atual: a radicalização do discurso serve para tentar mudar o lugar da moderação. Até lá caber quem festeja a vitória de um louco extremista na Argentina, mas não um socialista democrático, militante do PS desde os 14 anos. Não querem moderar a política, querem que pareça moderado o que nunca o foi.»

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