28.11.23

Da Argentina a Portugal: Milei e o voto jovem

 


«Depois de irromper no firmamento mediático argentino, em 2016, com afirmações inusitadas e inflamadas, Javier Milei tornou-se o economista mais entrevistado nas televisões e rádios do país, bem como a personalidade mais pesquisada na Internet pelos seus compatriotas. Entre a tragédia e a farsa, o economista pop, celebridade mediática e influencer digital conquistou a presidência com a sua excentricidade visual, comportamental e ideológica.

Na era da economia da atenção e da crise de representatividade, Milei apresentou-se com uma performance diferenciadora. O homem praticante de cosplay e com tiques de roqueiro fez da cabeça do leão a sua imagem de marca (a farta cabeleira lembra uma juba e recorda que ele aspira a dominar, qual rei da selva) e da motosserra o símbolo do seu plano político (destruir o banco central, a moeda nacional e a maioria dos ministérios). Num tempo em que as margens das vitórias são cada vez mais reduzidas, venceu com 11 pontos de diferença. O oponente ajuda a explicar o resultado: Sergio Massa é ministro de um governo com uma das popularidades mais baixas do mundo e ocupa a pasta da Economia num país em colapso económico. Por outro lado, sabemos como a incapacidade crónica de os sistemas democráticos gerarem soluções beneficia candidatos anti-sistema.

Será importante sublinhar o papel dos jovens nesta mudança radical; de facto, o extremismo de Milei parece ter conseguido cativar uma geração que encontrou esperança naquele discurso demolidor. O que este apoio revela acerca de uma parte significativa da juventude argentina ultrapassa as fronteiras do país: as especificidades nacionais são impossíveis de ignorar, mas interagem com factores internacionais e canais globais de comunicação que aproximam a juventude argentina da de outras geografias, como Portugal.

Nas sociedades em processo de “desconsolidação” democrática, encontramos uma geração que, em maior ou menor grau, cresceu em contextos de crise crónica: económica, política, de refugiados, climatérica, pandémica, inflacionária, etc. Não conheceram outra realidade e chegaram à maioridade sem expectativas de estabilidade profissional e financeira numa sociedade agressiva e impiedosa. Por isso, muitos destes jovens não acreditam no sistema político mainstream: acham-no envelhecido, corrompido e incapaz de atender às suas necessidades e interesses. Por aversão à política formal, envolvem-se noutras formas de participação, como o protesto violento ou a desobediência civil. Agem investidos da legitimidade da frustração e imbuídos da lógica das redes sociais.

Usam as redes para socialização, entretenimento, informação e politização, e fazem-no de modo interligado: ao mesmo tempo que vêem um vídeo divertido no TikTok e recebem a notificação de um reels, lêem algo sobre o mais recente acontecimento político e põem um like numa fotografia de um colega de faculdade. Em vez de notícias, preferem ler os comentários dos amigos ou de influenciadores a essas notícias. Estes atalhos informativos têm implicações na sua politização: os conteúdos que consomem estão permeados de opiniões alheias sem verificação e autoridade, o que aumenta a probabilidade de terem pouca qualidade ou estarem impregnados de desinformação. Com a organização algorítmica dos fluxos informacionais, aprenderam que a política é um campo de batalha indissociável das dinâmicas da polarização: é divisão, agressão e intransigência.

Estes jovens procuram o que lhes parece autêntico, novo e diferente do institucional – diferente do que provém de instituições que não respeitam. Gostam da política antielitista e provocadora, jovial (independentemente da idade dos políticos) e bem-humorada. Querem ser arrebatados por performances aguerridas e politicamente incorrectas ao abrigo da liberdade de expressão individual – valor central para estes jovens e que tantas vezes consideram ser a única forma de definir a democracia. Isto torna-os vulneráveis a propostas mascaradas de liberdade, mas verdadeiramente perigosas. Javier Milei é a caricatura sul-americana da política anti-sistema em expansão pelo mundo e que as dinâmicas informacionais e de politização dos jovens através das redes sociais ajudaram a ganhar. Parte da juventude portuguesa está “no ponto” e apenas à espera de quem a saiba armadilhar.»

.

1 comments:

Fenix disse...


O mais triste de tudo isto é que deixamos de ter necessidade de "consumir" a ficção científica.

É tudo mau demais para ser verdade, e no entanto é, e com tendência a piorar!