26.11.23

Fabricar um passado à medida

 


«Passaram quase 50 anos, durante essa eternidade ninguém, nem o engenheiro Carlos Moedas, sentiu uma grande necessidade de comemorar o 25 de Novembro de 1975 e muito menos de o erigir em momento fundador da liberdade em Portugal.

Ninguém convocou, em quase meio século, uma manifestação popular para vitoriar os vencedores do 25 Novembro, num país em que até os admiradores do golpe de 28 de Maio, que nos condenou a 48 anos de ditadura, fizeram jantares ou iniciativas alusivas à data ou ao nascimento do ditador António Oliveira Salazar.

Resumindo, ninguém se sentiu compelido, até muito recentemente, a discutir com paixão um dia que tinha ficado arrumado no passado.

É verdade que os setores políticos que triunfaram a 25 de Novembro tinham pouco a ver com os que hoje se atrelam, com ansiedade e fervor, à data. Mas isso não explica tudo.

A história costuma ser feita pelos vencedores, mas quem ganhou naquele dia tinha coisas mais urgentes em que pensar, e não viu necessidade de mudar a importância histórica do dia para que ficasse um momento diferente e muito mais importante do que tinha sido.

Aquilo que se verifica agora tem pouco a ver com recuperar o passado esquecido. Não se trata de ir assinalar uma data importante a que, por uma razão ou por outra, antes não se tinha dado o seu verdadeiro valor histórico. O que se faz, neste momento, é uma fabricação da história para a encaixar na nova correlação política de forças existentes, com o crescimento significativo de uma extrema-direita assumidamente contra o 25 de Abril. Estamos em plena criação de um passado feito à medida de uma operação política.

Do que nos querem convencer é que temos democracia apesar da Revolução do 25 de Abril de 1974 e não democracia porque houve a Revolução de Abril. Esta manobra permite excluir muitos e recuperar alguns para o eixo da governação. Fazer com que aqueles que combateram a ditadura portuguesa de 48 anos passem a ser vistos como revolucionários e poucos democráticos; e aqueles que se reconhecem no antigo regime sejam vistos, afinal, como uns democratas que pregavam a evolução na continuidade da ditadura para a democracia.

O presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas, aproveitou a convocação de uma comemoração, organizada pela edilidade, sobre o 25 de Novembro, para convocar a erupção de um "ativismo moderado". Esse apelo permitiu-lhe não ouvir o discurso de Luís Montenegro, em que este afirmou que Pedro Nuno Santos era "gonçalvista"; mas politicamente significou uma manobra arriscada do ponto de vista político.

Adotar ideias históricas ou partes programáticas da extrema-direita, para travar o seu aumento e incorporar os seus votos nunca costuma resultar. Os eleitores conseguem distinguir a cópia dos originais e votar nestes últimos. Aquilo que costuma fazer é normalizar pontos de vista que antes era inaceitáveis.

Namorar setores anti-25 de Abril pode construir maiorias parlamentares aritméticas, mas pode, também, levar os autores a deitarem pela borda fora a história desta democracia. Esta iniciou-se a 25 de Abril de 1974 e com milhares de portugueses a irem para rua saudar os carros de combate que derrubavam a ditadura.»

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