1.12.23

O corte de Pedro Nuno: carreiras e excedente

 


«Hoje foi o dia dos candidatos à liderança do PS entregarem as suas moções de estratégia. Há um corte epistemológico com o presente na moção de Pedro Nuno Santos: um corte com a santidade dos excedentes orçamentais e com a impossibilidade de devolver o tempo de serviço congelado aos funcionários públicos.

Defender a devolução do tempo de serviço congelado – ainda que faseadamente – a todas as carreiras da função pública, e não apenas aos professores, vai mais além do que alguém imaginaria. António Costa sempre se manifestou contra a devolução do tempo de serviço aos professores, argumentando com a desigualdade com os outros ramos da função pública – e que para compensar todos os ramos não haveria dinheiro.

Aliás, toda a gente se lembra de quando Costa ameaçou demitir-se quando uma "coligação negativa", que incluía o PSD de Rui Rio, aprovou na Assembleia uma proposta de devolução do tempo de serviço aos professores.

Mas esta promessa de Pedro Nuno Santos é indissociável de uma outra, que é resumida sob o título "Política Orçamental: um novo equilíbrio entre a redução da dívida e o investimento público e o estímulo à economia".

O que se propõe é combater a estratégia de excedentes orçamentais à conta da fraqueza dos serviços do Estado e dos ordenados dos seus antigamente chamados "servidores": "A estratégia de descida da dívida é essencial, mas ela não pode ser vista como uma prioridade isolada; necessita sempre de ser avaliada e ponderada face a outros objectivos e necessidades que o país enfrenta. Uma política de excedentes orçamentais acelera a redução da dívida pública, mas pode reduzir excessivamente o espaço orçamental que o governo precisa para fazer o investimento público em infraestruturas e em serviços públicos e para apoiar as famílias e as empresas".

Aqui está o princípio de um programa verdadeiramente social-democrata, uma política que ajudou a fundar a União Europeia e os estados sociais, mas que foi progressivamente perdendo terreno para políticas mais liberais e economicamente ortodoxas.

Ao anunciar estes dois princípios – e só me restrinjo a estes dois – Pedro Nuno Santos pode vir a ser capaz de dar o tal "novo impulso" de que o PS precisa para ir às eleições de 10 de Março. É que até o próprio António Costa reconhece que é preciso "um novo impulso" e a coisa não vai ser fácil.

Ao apresentar-se como o candidato da continuidade (mas só dos últimos anos da herança costista, já que rejeita repetir a geringonça) e ao escrever na sua moção que o PS será sempre "garante da governabilidade", só se pode concluir que, quando José Luís Carneiro admitiu na sua primeira entrevista viabilizar um governo minoritário do PSD, estava mesmo a falar a sério. Não se tratou de "um momento infeliz", como Maria da Luz Rosinha, da equipa de coordenação da campanha de Carneiro, tentou justificar.

O PS tem duas estratégias à escolha. E há ainda Daniel Adrião, o único que, de facto, não esteve durante um minuto ao lado de António Costa.»

Ana Sá Lopes
Newsletter no Público, 30.11.2023
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