25.7.25

Eles comem tudo

 


«A indigitação de Álvaro Santos Pereira para governador do Banco de Portugal não surpreende nem choca. O economista cumpre os requisitos para o cargo: tem currículo académico, experiência internacional e passagem pelo Governo (se bem que não tenha deixado uma marca muito positiva como ministro, o que é atenuado por ter exercido o cargo num contexto económico muito adverso). Olhando para o percurso de Santos Pereira, não se pode dizer que não esteja qualificado para a função.

Mas o problema não está no nome nem no perfil do novo governador. O que está em causa é o padrão de nomeações que Montenegro tem vindo a seguir para as principais instituições do país. Nomeações que têm sido feitas em circuito fechado, sem diálogo institucional – nem sequer envolvem o Presidente da República –, e que privilegiam sistematicamente nomes próximos do PSD (muitas vezes antigos governantes) ou que têm mesmo relações íntimas com o partido. À primeira oportunidade, o PSD deitou para o caixote de lixo da sua própria história o tempo em que esbracejava de forma estridente contra a claustrofobia democrática.

Nunca, em 50 anos de democracia, tivemos um Governo tão minoritário – nas últimas legislativas, a AD alcançou uns extraordinários 32,7% dos votos, num contexto em que o PS colapsou – a agir com tamanha voracidade na ocupação do aparelho do Estado e das instituições independentes, que deveriam estar obrigadas a garantir margens de autonomia na sociedade portuguesa. E nunca tivemos uma tal concentração de poder num só partido: o Presidente da República é ex-líder do PSD, o partido governa o país, os Açores, a Madeira e preside ainda à autarquia da capital do país. Nem em tempos de maiorias absolutas se viu algo semelhante.

Esta pulsão para “comer tudo” é preocupante por si só. Mas torna-se ainda mais grave num contexto em que os mecanismos de controlo e equilíbrio de poder estão a ser sistematicamente enfraquecidos. A democracia vive de limites ao poder, não da sua concentração.

Se olharmos retrospetivamente, e por muito que isso tenha incomodado os governantes de turno, o país beneficiou objetivamente por ter presidentes do Tribunal de Contas com autonomia e espírito crítico face ao Governo (basta recordar o modo como Cavaco Silva via em Sousa Franco uma “força de bloqueio), em manter uma tradição de ter o banco público presidido por alguém mais próximo da oposição (Paulo Macedo, que tem tido um ótimo desempenho à frente da Caixa Geral de Depósitos, foi nomeado por António Costa) ou em ter provedores de Justiça vocais e sem receio de contemporizar com o poder político.

O tema é sério, tem consequências e rompe com uma tradição salutar da democracia portuguesa. Como é óbvio, a questão que se coloca não é de partilha de cargos entre partidos, é de sabermos como é que garantimos o pluralismo e disseminamos um sistema de contrapoderes, decisivo para a salubridade de uma democracia como a nossa (na qual os princípios liberais não estão suficientemente consolidados).

Desta feita, a história está claramente a ser outra. O Governo abdicou de promover um espírito de compromisso com uma sociedade que é, por definição, mais plural e, pelo contrário, está empenhado numa lógica de terraplanar tudo o que possa levantar ondas e limitar a sua vontade – como se viu na acrimónia com que lidou com Mário Centeno ao longo do último ano. O que serve para recordar que a democracia não se esgota no voto. Vive do pluralismo, da crítica e, fundamental, da limitação do poder.»


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