«É óbvio que o cartaz do Chega sobre Montenegro é indecoroso e insultuoso. Não tanto como anos de perseguição e ódio a quem menos se pode defender, mas inaceitável. Compreenderia, por isso, um processo crime ou cível. Tenho muitíssimas dúvidas quanto ao recurso a uma providência cautelar para retirar, em pré-campanha, um cartaz de um partido da oposição que critica o primeiro-ministro. Forma tão expedita para um precedente tão grave só poderia ser usada com uma segurança férrea, o que não é o caso. E precisava, já agora, de alguma coerência por parte do queixoso.
Não sou dos que acham que a liberdade de expressão não tem limites, mas seria extraordinário que, depois de tanta propaganda com discurso de ódio, fosse o bom nome do primeiro-ministro a abrir este precedente complicado. Felizmente, os tribunais portugueses têm sido sensíveis à jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, equilibrado na defesa da liberdade de expressão e dos direitos dos cidadãos. Espero que a tenham em conta.
Tenho curiosidade por conhecer a posição de José Pedro Aguiar-Branco sobre os limites da liberdade de expressão do Chega. Será que o que se permite a Ventura no Parlamento é proibido na rua? Seria uma visão extraordinária do debate político, de facto.
Nada tenho contra a propaganda negativa. É normal que a oposição a faça. Pode ser mau ou bom para ela, mas é expectável que o tema que levou Luís Montenegro a impor umas eleições esteja presente na propaganda dos partidos. Nada tenho contra a propaganda negativa pessoalizada, tantas vezes usada pela Iniciativa Liberal, Bloco de Esquerda e, com menor frequência, pelo PCP. E pelas JSD e JS, para pouparem os partidos de poder ao desgaste desta linguagem.
Detesto o estilo (e o conteúdo) da comunicação do Chega, mas não é novo. Suponho que ainda se lembram do “Portugal precisa de uma limpeza” com cruzes que eliminavam caras de Ricardo Salgado, José Sócrates, António Costa e Fernando Medina. O paralelo, com que o PSD sempre flirtou, não incomodou então Luís Montenegro.
O problema não pode ser, portanto, a comparação com Sócrates. Até porque, no que à justiça diz respeito, Sócrates ainda é, aos olhos estritos da lei, tão inocente como Montenegro (ou como eu). Ser arguido ou acusado não é uma pré-condenação. E o próprio Montenegro, para poder partilhar a vitória de Miguel Albuquerque na Madeira, comparou a sua situação política à de um arguido.
O problema que sobra é a acusação de corrupção. E é difícil ignorar o que Pedro Nuno Santos recordou: o cartaz que a AD mandou pôr nas ruas na última campanha, depois da demissão de António Costa por uma suposta e nunca confirmada suspeita. “Corrupção e falta de ética já não dá para continuar”, lia-se. Até a expressão final era um sinónimo de “chega”.
É verdade que, ao contrário do cartaz simultâneo do Chega, o da AD não tinha a cara de António Costa no seu. Mas, se nos queremos prender ao formalismo, o atual cartaz do Chega também fala dos últimos 50 anos, indo para lá daquelas figuras. O objetivo e o significado do cartaz da AD eram precisamente os mesmos: o PS é corrupto e não tem ética. Num e noutro caso, joga-se com a ideia de corrupção moral para insinuar mais do que isso. Não é difícil adivinhar o que diria hoje Montenegro se o PS fizesse um cartaz a falar de corrupção, como a AD fez há um ano. Que usava a linguagem do Chega.
O PSD está a reescrever a sua própria história recente ao tentar interditar mensagens mais agressivas sobre este caso. Foi o próprio Luís Montenegro que, no rescaldo da demissão de Costa, acusou o PS de ceder “a esquemas de compadrio político”. Montenegro sempre centrou a sua oposição em casos e questões éticas.
Compreendo a indignação de Luís Montenegro. Mas nem bate certo com a doutrina do PSD e de Aguiar-Branco, quando eram outros os alvos do Chega, nem com o comportamento da AD na última campanha, depois da demissão de Costa.»
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