11.1.23

Pagamos a casa com as nossas vidas

 


«Em Portugal, o preço da casa é a nossa vida. Esta é a conclusão óbvia sobre um país que esqueceu o direito fundamental a uma casa e que, assim, abandonou também a segurança (não é a casa a base dessa segurança?), a saúde mental (há saúde com casas sobrelotadas ou sem condições mínimas de dignidade?) e a autodeterminação pessoal e familiar de quem vive em Portugal (como atingimos os nossos objetivos ou como constituímos família gastando quase todo o salário com a casa?) como objetivos da nossa vida coletiva. Cada pessoa e cada família sente de forma diferente este problema, mas, no essencial, a razão é a mesma: é impossível pagar a renda ou comprar casa sem abdicarmos de nós.

A recente notícia de que, em Lisboa, a renda média ultrapassou os dois mil euros (aumento de 71,9%!) é apenas a confirmação deste facto. E é uma indignidade. Passear por Lisboa é perceber que toda a construção que está a ser feita é para um “segmento de luxo”, a que se junta um quadro legislativo que potencia um aumento desmesurado dos preços. A lista é velha e conhecida: benefícios fiscais para fundos imobiliários, "vistos gold", contratos de arrendamento curtos e nenhum limite ao aumento de rendas de novos contratos num maravilhoso mundo que nos mostra de forma brutal como o mercado livre destrói as nossas vidas.

A esta lista, juntam-se narrativas erradas (a que o Governo aderiu) de que tudo se trata de um problema de oferta e de procura. Não é. O ramo imobiliário criou o seu próprio modelo de funcionamento e apenas responde ao capital disponível para investimento, sendo que esse é ilimitado e global. A razão da venda do país ao investimento estrangeiro reside também aí: quer-se garantir a manutenção dos preços especulativos que asseguram o lucro que sustenta este negócio.

Pelo caminho, ficam as nossas vidas. A vida do jovem casal que quer constituir família e já não consegue viver na zona metropolitana de Lisboa, quanto mais mudar-se para uma casa maior. A vida da pessoa idosa que vê a sua pensão a desaparecer e procura toda a ajuda possível para poder continuar a pagar a renda. A vida do estudante que não vai para a faculdade porque não tem como pagar um quarto. A vida da mãe solteira que continua a tentar respirar entre trabalho e maternidade com uma renda que lhe leva o salário. São casos que têm tanto de duro como de real. Dizem-nos que não há nada a fazer, que aguardemos que isto pode melhorar. Mas as vidas - e as cidades - não nasceram para ser adiadas, mas sim vividas.

É necessário regular o autodenominado mercado da habitação, expressão que tem tanto de infeliz como de reveladora. Num país que assistiu a um congelamento de rendas de 40 anos, é preciso ter a coragem de falar em controlo de rendas, explicando que regular é diferente de congelar. Num país com tantos pequenos proprietários – fruto de uma escolha política que não deu outra opção às pessoas que não a compra de casa – é preciso falar dos imóveis vazios assumindo que a via fiscal se revelou incapaz de resolver este problema (em Lisboa, os números da câmara apontam para 46 mil casas vazias) e que temos de ter soluções que devolvam essas casas à sua função de habitação. E, claro, é preciso revogar as leis de verdadeiro privilégio que tratam ricos de uma maneira e pobres e classe média de outra.

Não há soluções milagrosas, dirá quem se conforma e quem lucra com esta indecência que é, por exemplo, exigir um salário mínimo por um quarto. O que não é solução é o ponto a que chegámos e para o qual não vemos fim. A casa devia ser paga com uma parte do salário, não com o adiar das nossas vidas.»

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1 comments:

António Alves Barros Lopes disse...

O curioso é que em Portugal e segundo os censos, há 700 000 (setecentas mil) casas devolutas!
Helena Roseta escreveu recentemente sobre isto.
Mas a bola de neve não pára!
Continua a construir-se mais casas onde já há casas a mais!
Nem o PRR dará resposta a esse problema estrutural!