29.12.21

Outra vez a caminhada arrogante para o desastre

 


«Há uma semana, num encontro da Juventude Socialista, uma das estruturas mais à esquerda do PS, António Costa anunciou que a "geringonça" acabou. Eu acho que ela acabou em 2019, quando Costa se escondeu atrás da indisponibilidade do PCP e recusou um acordo escrito com o BE que lhe daria uma maioria estável. Porque, como em qualquer acordo, implicava direitos e deveres. Mas como o líder do PS sempre defendeu – e conseguiu convencer quase todo o país – que o pântano que nasceu em 2019 também era a "geringonça", não é de acordos escritos que está a falar.

Nesta intervenção, voltou a defender o que tinha defendido em 2011 e o que desdisse em 2015: que nestas eleições o que se elege é o primeiro-ministro. Como as regras constitucionais e a ética política não se moldam aos interesses circunstanciais de cada um, ou nestas eleições se elege a mesma coisa que se elegeu em 2015 – um Parlamento de onde saem governos, como está na Constituição – ou António Costa não poderia ter sido primeiro-ministro na altura. Sou, como sabem, pela primeira hipótese. Em 2015, em 2019 e em 2021.

Mas Costa precisa de dizer isto. É a forma de retirar utilidade a qualquer voto à sua esquerda. Só que essa tática de campanha – depois das eleições Costa fará o que os resultados eleitorais ditarem que faça – criou um problema: adensou a suspeita de um bloco central informal. Até porque o PSD já disse que viabilizaria um governo do PS, se o PS ganhar sem maioria. Costa não pode prometer o mesmo porque já disse que se demitia se, como em 2015, não ficasse em primeiro. Seria a liderança seguinte que teria de tomar essa decisão.

Este discurso criou um novo problema a Costa: o eleitor que esteja indeciso entre o voto no BE ou no PCP e o voto no PS, por causa da pressão do voto útil, não sente grande entusiasmo ao saber que o seu voto pode servir para um entendimento com a direita por dois anos, como Marcelo já disse que exigiria. Costa, que por agora diz e desdiz o que for necessário sobre política de alianças, quis desfazer este medo para não desproteger o flanco esquerdo.

Esta semana, numa entrevista à CNN, garantiu que não haverá diálogo com o PSD. Nem qualquer acordo para dois anos. Usou, como argumento, o facto de a “geringonça” ter dependido de um acordo para quatro anos. Acordo que ele próprio recusou na legislatura seguinte, achando que nem acordo (para um, dois ou quatro anos) era preciso, o que torna toda a sua argumentação numa montanha russa. Explicou tudo isto com a mesma profundidade com que anulou qualquer possibilidade de depender do voto do PSD para aprovar orçamentos depois de até ter negociado medidas orçamentais com o PSD, em 2019. Sempre a tática.

Fazendo a equação das suas várias intervenções concluímos que Costa acha que já não há condições de diálogo com o BE e o PCP, e por isso estamos a escolher o primeiro-ministro, e que não há conversa com o PSD. Logo, ou lhe dão a maioria absoluta (coisa que pediu expressamente) ou terão o caos. Ou então dão-lhe uma derrota, claro. Como a maioria absoluta é, neste momento, um delírio, não serão poucos os eleitores a acreditar que encontrarão mais estabilidade com uma vitória da direita, apesar do fator Chega tornar isso obviamente falso. Por mais paradoxal que pareça depois desta crise, a solução mais estável ainda é a que tivemos nos últimos seis anos e que Costa só afasta do seu discurso porque quer esvaziar o voto à sua esquerda.

O que Costa está a fazer aos eleitores é o que fez aos seus supostos aliados: ou lhe dão mãos livres ou terão crise. Não percebeu o que aconteceu nas autárquicas. Não percebeu que, pelo contrário, precisa de passar uma imagem de humildade, mostrando disponibilidade para governar nas condições que o eleitor soberano lhe der, em vez de se dedicar a dinamitar todas as pontes para todos os lados. Costa está convencido que os eleitores darão uma lição ao BE e ao PCP. É provável que sim, e por saber disso nunca se desviou da rota que levaria a esta crise. Mas os eleitores também parecem estar cansados. E não é só da pandemia ou de seis anos de poder. Também é destes jogos. Se isto vai ser a campanha, não vai correr nada bem.»

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1 comments:

Monteiro disse...

Não lhe auguro nada de bom.