26.12.21

Pobreza e sem-abrigo, impossível resignarmo-nos

 


«Marcelo Rebelo de Sousa voltou a encontrar-se no dia de Natal com pessoas que, pelas mais diversas razões, não têm uma casa para viver. O tema dos sem-abrigo tem sido recorrente na agenda do Presidente da República, que há anos faz uma enorme pressão para que esta constitua uma prioridade nacional — ou não seja o direito a ter um tecto um dos que estão consagrados na Constituição, como recordava, por exemplo, em 2017.

Esse foi o ano em que a nova Estratégia Nacional para a Integração de Pessoas em Situação de Sem-Abrigo foi aprovada, acompanhada da promessa de que o problema deveria ser erradicado até 2023. Mas neste sábado de Natal o Presidente da República visitou o centro de acolhimento do Quartel de Santa Bárbara, em Lisboa, onde estão acolhidas 83 pessoas sem casa, falou com algumas, serviu-lhes o jantar e reconheceu que a meta de 2023 é para esquecer.

Nas ruas apareceram, desde que estalou a crise da covid-19, “trabalhadores da restauração, de outros serviços e precários” e “isto fez com que as metas que se tinham apontado para 2023 ficassem mais para diante”, explicou Marcelo. Quanto mais para diante? “Depende de quanto durar a pandemia.”

O último levantamento feito em 2020 tem números impressionantes. Portugal teria nessa altura cerca de 8200 pessoas em situação de sem-abrigo. Mas Marcelo recordou neste sábado outros dados, divulgados recentemente pelo Instituto Nacional de Estatística: o primeiro ano de covid-19 fez mais 228 mil novos pobres em Portugal, o maior aumento desde 2003. Significa que temos quase 1,9 milhões de pessoas que vivem com rendimentos abaixo daquilo que é definido como o limiar de pobreza. A intensidade da pobreza aumentou — os pobres ficaram mais pobres — e a sociedade portuguesa tornou-se mais desigual.

Nos últimos dias, primeiro no PÚBLICO, depois no Jornal de Notícias, o Presidente escreveu dois artigos com duas ideias essenciais. Um: há que continuar a “olhar para os mais vulneráveis, os mais idosos, os cuidadores informais, os sem-abrigo, os que perderem o emprego”. Dois: a saúde mental não pode ser esquecida. Até porque, como já aqui escrevemos, pobreza e saúde mental andam frequentemente de mão dada.

Sabemos que a pandemia baralhou várias metas – mas não podemos resignar-nos. Numa entrevista sobre os desafios que temos pela frente, em 2022, nesta edição, diz-nos o economista Ricardo Paes Mamede: “As sociedades não aguentam níveis elevados de desigualdade muito tempo sem fortes problemas de instabilidade política.” É essencial que Marcelo mantenha a pressão, seja qual for o governo que se segue. “Mais para diante” não chega.»

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