«Perdidos no tempo, sensação intruja de que as coisas se sucedem com sentido, que estamos em controlo, que somos poder. Que mandamos no devir, que ele se submete, faz figas e nós desatamos, dá nós mas nós desfiamos. Omnipotentes seguimos, sempre a lembrar-nos, queridos, da nossa pequenez. De como somos formigas no universo, vírgulas no tempo, lapsos que preenchem frestas. Nunca desarmamos de tão humildes. Passou o dia em que nos despedimos de um ano marcante e anónimo, repleto de coisas que não foram feitas e outras que se perderão para sempre. Hoje são só despedidas e votos. O último dia foi ontem.
Tenderemos a sair da nossa vida aos fascículos para viver uma vida inteira? Acumular memórias pode ajudar na tomada de decisões. 2022 será um ano resolutivo, estupendo para falhanços, milagres e júbilos oriundos das mais diversas proveniências. Família, emprego, sociedade, eleições, normalidade ou o que resta dela, a crise. As respostas que temos à mão são, curiosamente, eternas e insatisfatórias. Produtos de suposições, das variantes e da fé, dos imbecis e dos enganados, soluções gratas pela demarcação das conspirações e dos conspiradores e teólogos da destruição pelos "chips", o que vamos dizer e contrapor no ano novo é um refugo velhinho e acabado, reciclado das piores espécies destes últimos meses. Ou a natureza nos livra do mal ou continuaremos a repartir o mundo entre os bons e os maus, dividindo-o entre a espécie humana e uma subespécie de gente que focinha entre teorias. Que bondoso seria deixar as trincheiras e sair disto melhor. Lamentavelmente, se isto acabar, a que nos vamos agarrar para continuar a negar que somos todos da mesma gente? A nova divisão será pior, ensandecida, ainda mais viral e pesará com mais gravidade. E continuaremos convencidos, à partida, que o amor vence.
"E como foi o teste?", a interrogação apressa-se a substituir o já longínquo "como tens estado?". De certa forma, a nova tomada de perspectiva sobre o bem do outro é mais abrangente porque, derivando igualmente do interior, apresenta chancela médica. Gravamos hoje os derradeiros minutos, celebramos, apertamos as mãos entre a indecisão de como se faz, como se só soubéssemos o que fazer depois do outro nos mostrar como. Uma miríade de sinais para garantir que estamos juntos, que vamos ficar bem, que o pior já passou, derivações sobre a falta que faz o abraço. Estamos entregues ao requinte de não termos de escolher senão entre os próximos. Os que estão mais perto. Igualmente bem de saúde, obrigado. Agradecemos sempre. Sempre.»
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1 comments:
Miguel Guedes escreve bem mas sempre que o leio não deixo de perceber, de apalpar quase toda uma mundovisão que mais do que cercá-lo, possuí-o antes, sem licença, para enfrentar os ventos, às vezes os mais agressivos…!
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