«Quando editou, em 1964, The times are a’Changin, Bob Dylan previa o futuro. O seu e o da América. John F. Kennedy fora assassinado meses antes e Dylan rompia com o passado. Fora o trovador da renovação da música folk. Mais uns meses e transformar-se-ia num herético: deslumbrado por Rimbaud e pelo LSD, trocava a viola por uma guitarra eléctrica. Os tempos tinham mudado. Recorda agora isso numa canção sem fim, Murder Most Foul. Diz ele, que já viu tudo: “Thousands were watchin'/No one saw a thing”. Fala da morte de JFK em Dallas e da misteriosa digressão mágica das décadas de 60 e 70. Poderia estar a falar de um vírus invisível que dinamitou todas as certezas das sociedades modernas.
Tal como nesses dias, os tempos estão a mudar? É verdade.
Só que, agora, ninguém sabe onde colocar os pés: estes campos colocados à nossa frente, outrora floridos e globais, estão minados. Cheios de espantalhos, de Jokers, de Freddy Kruegers. Estamos num labirinto onde não vemos o Minotauro, mas sentimos a sua presença. Todos desejam respostas. Mas, no mercado, estão esgotadas, como as máscaras ou o álcool etílico. Em Delfos, os gregos perguntavam o futuro à pitonisa. Hoje o Google não nos dá respostas. Nem os políticos. Nem os mercados. Nem os videntes. Como será o mundo depois da covid-19? Sabemos apenas o que desejávamos ignorar. Seremos mais pobres e haverá uma astronómica dívida por pagar. Pior: até quando existirá dinheiro, em países que não emitem moeda, para pagar a paz social? O Estado não é o cofre do Tio Patinhas.
A história do coronavírus é um duelo entre a saúde e a economia. Desejamos que ambas sobrevivam. Mas, até lá, temos de lidar com os vencidos da vida. Do país outrora conhecido como Holanda e agora novamente chamado Países Baixos, esperávamos a subtileza dos quadros de Rembrandt, frutos belos de uma sociedade aberta ao mundo. Pelo contrário coube-nos, nestes dias mais sombrios, o sr. Hoekstra, holograma do sr. Dijsselbloem.
Julgou-se, por momentos, que o Ferrão dos “Marretas”, resmungão que vive num caixote do lixo, e que deseja que a sua vida seja o mais miserável possível, tinha agora assento no Eurogrupo. Não. Esta é uma personagem real, menos carinhosa do que o Ferrão e usa fato e gravata. Cómodo, com a barriga cheia, pensa nele. E não nos outros. Fez bem Portugal, por intermédio do sr. António Costa, em fazer ouvir a sua voz. Não se pode jantar com uma personagem destas. Jean Monnet disse que a Europa será forjada nas crises. O surto de covid-19 é uma dessas crises. É sanitária e económica. Será moral e ética. Não poderá perder tempo com personagens como o sr. Hoekstra.
Portugal vive um momento crucial. No meio da sensatez política, tem sobrado espaço para o dislate. Transformar o Hospital Curry Cabral, por desígnio político do sr. António Costa, numa unidade exclusivamente para o combater a covid-19 é um deles. Tal como foram, antes, as iniciativas políticas para acabar com o Laboratório Militar e o Hospital Militar. Colocar-se já na fila da frente para um sebastiânico governo de “salvação nacional”, como faz o sr. Rui Rio, é outro. Os políticos portugueses usam demasiadas vezes a improvisação como almoço. Raras vezes desenham estratégias. Os resultados costumam ser desastrosos.
Nada que os diferencie, aqui, da Europa dita comunitária. Há um velho ditado grego que apetece recuperar agora: “Aquele a quem os deuses desejam destruir, primeiro enlouquecem”. A Europa, antes de se destruir, está a enlouquecer. Os deuses europeus actuais simbolizam instituições pós-modernas: são indiferentes ao que os cerca. No centro de toda esta tragédia sem solução está uma União Europeia sediada burocraticamente em Bruxelas. E que reage em vez de agir. Poderá assistir, a prazo, a democracias mais musculadas. E quem pagará a crise? E como? E como será a gestão social de um mundo empobrecido, sem presente e com um futuro muito nebuloso? Uma roleta russa?
O mundo tem surfado pelo Instagram, pelo Twitter, pelo Facebook e pelo WhatsApp. Com cada vez menos contacto com a realidade. Algo vai mudar, mas talvez não tanto como alguns desejaríamos. A grande dúvida, no meio do cataclismo, será uma: ficaremos melhores ou piores pessoas do que antes da covid-19? Foi a forma como tentámos domesticar o planeta aos nossos interesses que nos tornou alvos mais fáceis de vírus como estes. Julgávamos ser os conquistadores. Acabámos encurralados. A globalização, o viver numa rede sem fim, fez agora reerguer fronteiras e desconfianças. A economia vencerá a saúde. Mas, mais ou menos mutante, o mercado regressará sedento, como salvador. O vírus será o culpado de todas as desgraças. E, como sempre, serão os mais frágeis que pagarão a crise, no meio das cinzas.»
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1 comments:
No final da Guerra de 1939~1945 o Mundo estava em ruínas e com 50 Milhões de mortos. Tragédia maior da História recente.
Países sem pedra sobre pedra beneficiaram do Plano Marshall e começou o progresso e a melhoria de vida para níveis nunca antes atingidos.,
Países incólumes,agachados no seu canto,entregues à miséria moral e física, sim,sim,refiro-me ao desgraçado Portugal de então, viu aparecer e crescer o buraco que o separou dos demais.
O desastre hoje é incomparavelmente menor.O caminho é investir,trabalhar,prosseguir, como a maioria da Europa e do Mundo fez naquela altura!
Choradeiras temerosas da recessão que,fatalmente,aí virá, são fruto de mentes doentes,medrosas,insuportáveis !
Coragem,toda a coragem que tivermos,que nos emprestem,que roubemos! Coragem e olhos enxutos!
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