«Nos trinta anos depois da II Guerra, França viveu um boom económico que levou a uma forte necessidade de mão-de-obra. Como sempre aconteceu e acontecerá, esta necessidade resultou em imigração em massa para o território. O que, associado a uma crise habitacional e à falta de planeamento urbanístico, levou ao surgimento de bairros de lata que, em França, ganharam o nome de bidonville. Construídos com material precário, sem água potável, saneamento ou eletricidade, eram bairros informais que se multiplicaram nas periferias de Paris. O bidonville de Champigny era onde havia mais portugueses. Mas não era o único.
Primeiro foram os imigrantes vindos das ex-colónias francesas, sobretudo da Argélia saída da guerra, depois, em fuga da miséria e da guerra colonial, os portugueses. Entre 1957 e 1974, cerca de 900 mil portugueses foram para França. Mais de meio milhão ilegalmente. Os homens trabalhavam na construção civil e nas fábricas, as mulheres limpavam casas. Na altura, como hoje, foram alguns setores da Igreja, ativistas de esquerda e intelectuais, os que recorrentemente são acusados de não conhecerem o “País real”, que prestaram atenção à vida miserável nos bidonvilles.
Em meados da década de 70, o governo francês lançou um programa de demolição dos bidonvilles, incluindo o de Champigny, deslocando os imigrantes para zonas segregadas, o que veio a marcar o péssimo modelo urbano e de integração que, duas décadas depois, Portugal viria a imitar.
Houve protestos contra as demolições, liderados por movimentos sociais (que também terão sido tratados como criminosos), por organizações religiosas e por intelectuais. Aconteceram porque eram desfeitas relações de vizinhança, porque não eram oferecidas alternativas imediatas ou porque as alternativas eram péssimas. Os moradores, que contribuíam, com o seu trabalho, para a prosperidade de França, não achavam que ali estivessem por favor. Achavam que, trabalhando para a riqueza francesa, mereciam respeito e direitos. Os protestos atingiram níveis bem mais vocais do que os liderados pela “Vida Justa”, um movimento que um tristemente célebre autarca “socialista” a Loures tratou, copiando também aqui os tiques da extrema-direita, de tentar criminalizar.
Na CNN, Filipe Santos Costa foi buscar “Allez Paris”, trabalho de António Pedro Ferreira (uma das fotos acompanha este texto). Está no Arquivo Municipal de Lisboa, até setembro, e serve de lembrete para não nos esquecermos de onde viemos.
Hoje, somos “europeus”. Queixamo-nos da invasão de imigrantes que aqui vêm contribuir, fazendo o trabalho que já não queremos, para a prosperidade nacional. Os que aqui chegam sem papéis são criminosos. As barracas que erguem, porque não nos preparámos para o facto indesmentível de precisarmos de mais pessoas, são a prova da sua criminalidade. Os autarcas prometem mão forte. Como estamos mudados, esquecendo o lugar onde já estivemos.
Olhamos de cima para os que nos limpam as casas e os escritórios, tratam dos velhos, erguem os prédios, pavimentam as estradas, colhem os alimentos. Somos, finalmente, “civilizados”. E como quase todos os que subiram há pouco tempo, mas preferem esquecer de onde vieram, somos especialmente cruéis na nossa superioridade. Diz o povo, na sua infinita sabedoria, “não peças a quem pediu, nem sirvas a quem serviu”. O povo é que sabe.»

0 comments:
Enviar um comentário