14.5.23

Um plano de formação para o Governo

 


«Sendo agora seguro (?) que este Governo vai continuar em São Bento, ainda que sob vigilância reforçada de Belém – seja lá isso o que for –, e que no Ministério das Infra-Estruturas tudo continua como dantes, com excepção de um adjunto, proponho-me aqui fazer algumas recomendações a António Costa.

Perguntará o leitor: quem sou eu para dar lições ao líder político nacional mais experiente e bem-sucedido da última década? Poderia responder que qualquer pessoa bem-formada e educada já teria alguma coisa a dizer. Não para António Costa, a quem não faltou a melhor educação. Já quanto a vários dos seus ministros e outros membros do aparelho governativo, creio que apenas boa educação já faria diferença.

Alguns problemas poderiam evitar-se na escolha dos ministros e restante pessoal dos gabinetes. Não estando ao nosso alcance, uma vez que os que existem são um pressuposto, é preciso trabalhar com aqueles que temos.

É na qualidade de recém-chegada à área da formação no universo das empresas e das instituições que me proponho dar ajuda. Pergunto se tem o Governo um plano de formação quadrienal para a legislatura, a executar em planos anuais. Se não tem, devia. Um plano de formação abrangente, destinado a todos os membros dos gabinetes.

Poderão objectar-me que estas equipas já estão sujeitas aos mais exigentes ritmos de trabalho, com agendas impossíveis de cumprir em horário normal de expediente. Como hão-de ainda ter tempo para formação? Não me parece argumento.

Já tivemos governantes que aproveitaram a passagem pelo executivo para melhorar a sua formação por conta própria – em especial concluir licenciaturas e mestrados e até prosseguir doutoramentos. Se deu para compatibilizar Governo e universidade, também há-de haver tempo para formação in house.

Aconselho dar prioridade às temáticas de liderança, gestão de pessoas, gestão de equipas, resolução de conflitos. Também parece haver alguma necessidade de desenvolvimento comportamental, em especial de gestão interna de estados emocionais, para evitar casos de passagem ao acto. Como é sabido, líderes tóxicos, por muitas boas que sejam as suas qualidades, têm um efeito destrutivo nas organizações.

Também se recomenda formação nas ferramentas de Tecnologias de Informação, dos sistemas utilizados às regras comportamentais na utilização, com vista a melhorar a performance, promover a saúde e evitar histórias rocambolescas.

Há empresas que desligam o Facebook aos trabalhadores. Os ministros também deveriam ter períodos obrigatórios de pausa do WhatsApp. Desde logo quando participam em actos públicos ou quando estão a despachar. As aplicações de mensagens instantâneas favorecem a impulsividade, não a ponderação. Como devia saber qualquer aspirante a chefe (não tóxico), é melhor respirar fundo e deixar passar algum tempo antes de dar uma má resposta. Decidir depressa é qualidade indispensável a um líder, mas que não seja tão depressa como metaforicamente propôs o Chico Buarque.

Não faltam entidades às quais recorrer para dar corpo ao Plano de Formação do Governo. Desde consultoras de recursos humanos às escolas de gestão executiva, existe no país oferta de alto nível.

O executivo não olha a custos na hora de contratar os melhores para a coordenação política, comunicação estratégica e pareceres jurídicos. Não será difícil encontrar uma rubrica para formação de pessoas, como, aliás, a lei obriga as empresas. Por maior que seja o investimento, passará em qualquer análise custo-benefício.

É realmente necessário que este Governo se concentre nos enormes trabalhos em curso, naquilo que os cidadãos esperam dele – que gira a coisa pública – em vez de se perder na gestão dos conflitos entre equipas, chefes, aspirantes a chefes, estrelas, invejosos e incompetentes, que sempre os há em todo o lado. Pode deixar para a oposição o trabalho de fazer oposição.

Voltando ao Chico, é um bom conselho, ainda por cima de graça.»

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