«O país está esquisito. Ou, pelo menos, olha com estranheza para o espetáculo de leviandade que lhe tem sido destapado a propósito da TAP, em que é difícil perceber o que é mais mesquinho, se a alegação de que é sempre assim e será para todo o sempre, se a falta de profissionalismo e a displicência com que se tratam questões importantes, desde uma indemnização de meio milhão até à contratação de secretários de Estado, se o uso e abuso da maioria absoluta.
Como isto vai do menor ao maior, desde as mensagens até às decisões, fica a dúvida sobre se há algum tino em quem nos governa – e essa suspeição degrada mais a vida pública do que as divergências de opinião sobre políticas. O Governo está a colocar-se na situação em que parece querer deixar de ser levado a sério e, se quem incensa o primeiro-ministro não é capaz de lhe dizer isso, convém que o saiba.
De facto, vistos um a um, cada um dos episódios é fácil de perceber. Os governantes, desde o primeiro ao último e com o exemplo a vir de cima, criaram um hábito de comunicação frenética por whatsapp, entre si e com outros, o que, além da desvantagem de, no dia em que um se zanga, ser tudo publicado, indica que não conversam com o cuidado necessário sobre o que decidem, o que é bem mais estranho. Comportarem-se como adolescentes ansiosos contribui para uma memificação da conversa dentro do Governo e mostra que faltam adultos na sala.
Será preciso que alguém explique que é a conversa que permite ouvir e mudar de opinião, ajustar e corrigir, encontrar convergências e soluções, ao passo que um fluxo de mensagens paralisa as opiniões, cristaliza as atitudes e radicaliza as contraposições, ou é simplesmente uma transmissão de ordens? Uma democracia de redes sociais é uma impossibilidade e, para o que aqui interessa, um governo que se governa a si próprio por mensagens é sempre uma crise anunciada. E, quando um governante partilha com uma gestora o seu estado de espírito sobre o Presidente e a engrenagem da relação institucional e da manobra política, bateu-se no fundo do poço.
Ora, se o Governo pensava que, ao despedir a CEO da TAP, isto não vinha tudo a público, seria falta de noção. A explicação para ter corrido esse risco é, pelo contrário, que o Governo queria que isto acontecesse, para assim continuar uma vingança pessoal contra o anterior ministro das Infraestruturas. Ou seja, o Governo responde à crise de confiança fazendo uma remodelação retrospetiva e cultivando os ajustes de contas que o secretário-geral vai fazendo contra os seus.
Ninguém se dará conta de que isto é precisamente a razão da desconfiança? Jorrar promessas e palavras sobre os problemas, a mais cansativa das formas de não os resolver, tem um custo ao fim de pouco tempo. O número de pessoas sem médico de família é o maior de sempre, mas está quase resolvido, se fossem levadas a sério as palavras do ministro – e serão? Os reformados e pensionistas tiveram “o maior aumento de sempre” e afinal estão a perder poder de compra – e acreditaram naquele Pai Natal? O preço da habitação nas nossas grandes cidades é o maior do sul da Europa – e alguém espera que as medidas anunciadas tenham algum efeito?
Ora, se no meio de tudo isto, o que parece ocupar o Governo é a justificação de que os problemas são culpa de quem foi escolhido para os ministérios ou as secretarias de Estado, não se aperceberá o primeiro-ministro de que se condena a si próprio? É indigna a sua tirada contra um secretário de Estado que já se demitiu ao assumir a responsabilidade de um erro grave. Se a autoridade do chefe do Governo se afirma garantindo que foi incapaz na escolha dos seus membros, espera mesmo encontrar nessa bravata a sua salvação?
Pior para a TAP, pois sabemos o que os privatisadores fizeram no verão passado, embora a nova venda corra para uma negócio que se fará ainda antes de haver conclusões políticas ou judiciais sobre a alegada perda de 444 milhões numa compra de aviões que o anterior proprietário teria manobrado, ao que nos contou este mesmo jornal. E pior para o Governo, que anuncia o castigo dos seus por via de remodelações já realizadas, evitando assim a remodelação que nunca quis fazer. Assim continuará, esperando ganhar credibilidade com o argumento de que é incapaz de constituir uma equipa que confie em si própria?»
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