11.4.23

Um crime contra a TAP

 


«Não me vou pôr a discutir se foi Christine Ourmières-Widener que decidiu demitir e indemnizar Alexandra Reis. É certo que esse processo resultou de uma exigência sua, que ouviu advogados em quem decidiu confiar e que teve autorização ministerial. Nem a responsabilidade política e formal é sua (só o acionista pode despedir administradores), nem, como quis vender, se limitou a acatar decisões de outros num processo que foi ela e apenas ela que desencadeou.

Nada do que a CEO da TAP disse na comissão parlamentar de inquérito, acompanhada pelos seus advogados, pode ser ouvido sem ter em conta que prepara o processo judicial que vai pôr ao Estado por um despedimento anunciado na televisão como sendo por "justa causa" e que muito provavelmente foi ilegal. Caso o Estado seja lesado no pagamento de uma indemnização, veremos se isso marcará o destino de Fernando Medina. Sendo que, ao contrário da indemnização a Alexandra Reis, nem por um segundo se pode defender que esta decisão foi tomada para criar condições de coesão na gestão da TAP. Foi tomada para o ministro das Finanças se salvar a si mesmo, afastando o rosto que sobrava de uma polémica política que, como se viu, nem por isso iria arrefecer.

É à luz da litigância entre o Estado e Christine Ourmières-Widener que devemos olhar para a divulgação da inaudita troca de mails entre a CEO e o ex-secretário de Estado sobre o voo do Presidente da República. Porque raio uma CEO de uma companhia aérea pergunta a um secretário de Estado o que fazer a um voo quando, ainda por cima, sabe e deixa por escrito a resposta que deveria dar à agência de viagens? Porque raio Hugo Mendes lhe dá aquela inacreditável e desabrida resposta? Ou porque é que, mais tarde, Hugo Mendes colabora na resposta que a administração da TAP dá ao seu próprio Ministério sobre a indemnização de Alexandra Reis? De onde veio esta proximidade e confusão de papéis?

Basta rever a absurda polémica sobre a frota de carros da TAP e como, em três tempos, o ministério foi obrigado a responder politicamente por uma decisão de mera gestão interna da empresa, para perceber de onde vem esta promiscuidade entre política e gestão. A politização de todos os pormenores de gestão da empresa foi alimentada pela comunicação social e pela oposição (que agora a lamentam) e ninguém, na TAP e no ministério, teve coragem para a travar. Pelo contrário, banalizaram-na, na vã tentativa de se protegerem.

Mas aquilo a que assistimos desde a mudança no ministério ou, para ser mais rigoroso, desde que Fernando Medina tomou conta da pasta, nada tem a ver com a tentativa de defender a TAP do cerco político que lhe foi montado. A secundarização dos interesses da TAP fica evidente com o despedimento absurdo e provavelmente ilegal de quem apresentou bons resultados. A tragédia da TAP foi ter-se transformado numa questão partidária para quem a privatizou e para quem, dentro do PS, está concentrado na luta pela sucessão de António Costa.

O que o Governo e a oposição estão a fazer à TAP, empresa onde metemos mais de três mil milhões para ser (como foi) salva, é um crime. Não se trata de contestar o justificado escrutínio à TAP, em que nos deveríamos concentrar em decisões políticas como privatização e nacionalização e em atos de gestão que possam ter lesado o Estado ou a companhia, como as compras dos Airbus, o aluguer de aviões à Azul ou a indemnização a Alexandra Reis, para pegar em exemplos das gestões pública e privada. Andarmos, à boleia da lavagem de roupa suja entre duas administradoras, a ler mails ou ouvir insinuações sobre decisões que nem sequer foram tomadas e que, por isso, não causaram qualquer dano a seja quem for, é causar, agora sim, dano a uma empresa do Estado. Como parece acontecer sempre, perdeu-se o foco.

Se se aplicasse este tipo de escrutínio à Caixa Geral de Depósitos, onde por acaso até se deram várias indemnizações semelhantes à recebida por Alexandra Reis, o banco público ficaria em risco. Qualquer empresa, pública ou privada, dificilmente resistiria. Felizmente a CGD tem como CEO um ex-ministro de Pedro Passos Coelho, o que a tira do radar político. Não é o interesse público que preocupa líderes partidários, ministros, jornalistas e comentadores. Basta ver como, a partir do momento em que deixou de ser politicamente interessante, Alexandra Reis passou de besta a bestial.

O que está em causa é o que sempre esteve: para os responsáveis pela desastrosa privatização, a gestão pública da TAP não podia correr bem. E se correu bem nos resultados, o critério mais objetivo de avaliação, tem de ser uma catástrofe no resto. Uma administração em que egos se confrontaram, um Governo em lutas internas pela sucessão no PS, um ministro conhecido pelo seu imprudente voluntarismo, um primeiro-ministro conhecido por preferir empurrar tudo com a barriga e muitos disparates no meio chegaram para apertar o cerco.

Mais ou menos graves, os episódios não nos devem fazer perder a visão panorâmica do que se passou com a TAP. A companhia foi privatizada por uma decisão, essa sim, estritamente ideológica, sem qualquer racional associado, por um governo que sabia que se ia embora. Esse governo decidiu vender a TAP a quem nem dinheiro seu lá pretendia pôr. Na semana passada, Pires de Lima, que também foi responsável pela ruinosa privatização dos CTT, foi capaz de dizer que é “altamente improvável" que tenhamos sido "enganados no processo da compra de aviões” airbus, quando David Neeleman comprou o cão com o pelo do cão. Se a TAP fosse o que realmente interessa, isto seria tema. E seria tema o que soubemos sobre o rasto de pré-reformas, consultadorias e salários milionários que a administração privada deixou para ajudar mais um pouco às dificuldades que levaram à inevitabilidade da renacionalização.

Depois de uma falsa nacionalização, a TAP foi realmente nacionalizada quando ficou evidente que o acionista privado não tencionava pôr lá um cêntimo seu. Era isso ou a falência. Foi uma decisão pragmática. E a verdade é que, anos antes do que era previsível, a TAP tem melhores margens de rentabilidade do que as companhias que a querem comprar. Provou-se que a TAP era viável e isso é insuportável para quem não se importa de ver mais uma grande empresa nacional ir para o buraco para manter o seu ponto. Estranhamente, os resultados da TAP parecem ser o que menos interessa à oposição e ao Governo, que até fez tudo para não lhes dar grande relevo público.

Podemos contestar a forma como se salvou a TAP, com cortes nos salários e no pessoal, seguindo o exemplo de muitas outras companhias. Mas não podemos exigir, como temos exigido, uma gestão que tem os objetivos de um privado, mas com os critérios que aplicamos ao público. Essa é a quadratura do círculo em que andamos a trabalhar. O que foi pedido é que se salvasse a TAP para, do meu ponto de vista, se salvar o hub em Portugal. O primeiro objetivo foi atingido. Depois, puniram-se todos os responsáveis por isso, fossem gestores ou políticos. É caso de estudo.

Todos, da oposição ao primeiro-ministro, se têm dedicado há meses a desvalorizar a TAP para ganhos políticos. Depois de ver toda a vida da empresa devassada para lá do que é razoável ou relevante, só um maluco aceitaria gerir aquela empresa. Depois do despedimento por justa causa de quem conseguiu excelentes resultados nem um maluco aceitaria. O que foi feito a uma TAP que, ao contrário do que aconteceu com administração privada, foi gerida com resultados satisfatórios, é a exibição de um propósito: fazer da impossibilidade de uma gestão pública eficaz de qualquer empresa um dogma, independentemente dos resultados. É uma sabotagem política. Que, como sempre, contou com a desastrada ajuda do PS.»

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