JOÃO FAZENDA
«É azar. O primeiro-ministro não soube do e-mail que Hugo Mendes enviou à CEO da TAP a sugerir que a companhia mudasse um voo para satisfazer a conveniência do Presidente da República. Se tivesse sabido da iniciativa do ex-secretário de Estado, diz-nos agora António Costa, “demitia-o na hora”. Vejam como são as coisas. Eduardo Cabrita arrastou-se no cargo até sair pelo seu próprio pé, muito contrariado, e Miguel Alves também não teve outra alternativa senão demitir-se, depois de saber que estava acusado de prevaricação. Quando, finalmente, António Costa acha que há razões fortes para demitir um membro do Governo, ele já se demitiu há três meses. Costa nunca é firme no presente, mas teria sido no passado, se soubesse o que sabe hoje.
A situação do Presidente é parecida. Marcelo considera que o Governo não é bom, mas acha a oposição ainda pior, e além disso receia que a conjuntura nacional e internacional seja complicada. Percebe-se que, noutras circunstâncias, dissolvia o Governo, mas neste momento não. Ou seja, reunidas as condições certas, o primeiro-ministro demitia o secretário de Estado e o Presidente dissolvia o Governo. Talvez Portugal tivesse uma hipótese de melhorar no passado, mas agora não. Esta mania de vivermos no presente está a prejudicar o país. Se a nossa vida decorresse no pretérito imperfeito, curiosamente, seria mais perfeita. Costa demitia e Marcelo dissolvia. No presente, nem um demite nem o outro dissolve.
Ainda bem, acho eu. Se calhar sou o único, mas tenho pena que Hugo Mendes se tenha demitido. Quando os jornais noticiaram a indemnização de €500 mil a Alexandra Reis, o ministério das Infra-Estruturas emitiu um despacho a pedir à TAP informações sobre o acordo de cessação de funções. Ora, de acordo com o que a comissão parlamentar de inquérito apurou, nesse mesmo dia o secretário de Estado das Infra-Estruturas ajudou a redigir as respostas às perguntas que o seu ministério tinha feito. Isto não é apenas revelador de voluntarismo e capacidade de trabalho. É uma demonstração de eficácia rara em Portugal. Quem poderia conceber melhores respostas do que a entidade que fez as perguntas? Quando quem pergunta e quem responde é a mesma pessoa, temos a certeza de que a resposta vai satisfazer todas as inquietações da pergunta. O esclarecimento cabal de todas as questões talvez passe por aqui: Hugo Mendes, tendo saúde para isso, ocupava todos os cargos do Estado. Interrogava o Governo e respondia à oposição, reivindicava junto dos ministérios e estabelecia acordos com os sindicatos, fazia perguntas aos administradores de empresas públicas e esclarecia a tutela. Muitos cargos, um só titular; inúmeras funções, um só salário; várias cadeiras, um só rabo. Por mim, era assim que se fazia. Infelizmente — lá está — no pretérito imperfeito.»
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