«O anúncio do apoio do governo à candidatura de António Costa à presidência de Conselho Europeu teve a falta de gravitas a que a política nacional nos começa a habituar, confundindo-se o plano partidário com o institucional. Como deixou claro que essa decisão estava tomada há muito, não há dúvidas sobre a razão para o fazer num naquela circunstância: Luís Montenegro precisava que o foco das atenções se afastasse da sua derrota eleitoral (por um voto se ganha, por um voto se perde, como ele incessantemente nos tem explicado para tentar governar como se a diferença de 50 mil votos lhe desse uma maioria absoluta) e tirou Costa da cartola. De caminho, afastou Bugalho das televisões, naquela noite, no que foi uma humilhação escusada.
Apesar de ficar mais claro porque António Costa não participou na campanha do Partido Socialista, o anúncio do apoio do atual primeiro-ministro é indiferente. Os portugueses gostam de ter personalidades que ponham Portugal “no mapa” e não havia como não retribuir o que os socialistas fizeram por Barroso. O que defendem é indiferente, desde que sejam portugueses. O que diz bem da falta de europeísmo dos políticos europeístas. Até chegarem ao lugar, claro. Como se viu por Barroso durante a crise financeira.
A candidatura de Costa tem tudo para correr bem. O presidente do Conselho tem de ser socialista, Sanchez é mais costista do que qualquer ex-ministro de Costa e, com a hecatombe do SPD, o PSOE passou a dividir com os italianos a liderança dos socialistas europeus. Sendo que, ao contrário dos democratas italianos, governa. Mas mesmo que assim não fosse, Olaf Scholz também apoia o ex-primeiro-ministro português. Dos quatro lideres de governo socialistas, três querem Costa. A que se junta um provável apoio de Macron.
A questão é a de sempre: para além do orgulho de uma Nação que adora ser notada, ganhamos alguma coisa com a esta presidência? Talvez o facto de Costa ser um socialista do Sul da Europa e a proximidade com o governo espanhol possa ser positiva nos debates sobre o alargamento e a nova organização política da União, quando esta se descentra para leste. Talvez as cautelas que Costa mostrou perante o voluntarismo de Ursula von der Leyen possa vir a ser útil, pelo menos como forma de pressão política. Tudo depende se Costa quer fazer política, como Guterres faz, ou fazer pela vida, como Barroso fez.
Por fim, a ironia de tudo isto: os mesmos que quiseram tramar Costa, fazendo com ele o que não fizeram com Marcelo no caso das gémeas, acabaram por lhe dar uma ajuda – sem a queda do governo, o calendário eleitoral não lhe permitiria concorrer a este cargo, que tanto desejava – e exibir a leviandade da justiça portuguesa em toda a Europa. Tramou-se o país, que trocou uma maioria absoluta por uma crise política que pode tornar-se estrutural.»
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