15.6.24

A exigência é uma bola

 


«O Europeu de futebol ainda não tinha começado e metade do país já arrumara na cabeça a convicção de que a seleção tem de ser campeã - incluindo-se, neste lote de irritantes otimistas, o mais alto magistrado da Nação, Marcelo Rebelo de Sousa, e o líder do Governo, Luís Montenegro. “Só esperamos a vitória” é um clássico das narrativas lusitanas quando o tema é o desporto-rei. A catarse coletiva chega a ser infantil, porque fazemos equivaler os méritos da pátria ao número de golos marcados pelos deuses que vestem calções. Na verdade, é assim entre nós como em múltiplas latitudes, mesmo em países mais frios (no clima e nas expectativas) e supostamente mais desenvolvidos.

Todavia, esta propensão para nos entregarmos a atos de fé revestidos a autoconfiança não encontra paralelo noutras áreas de atividade. Se os portugueses fossem tão exigentes em tudo o resto como o são com a seleção nacional de futebol estaríamos, provavelmente, a ombrear nas estatísticas de bem-estar com os finlandeses ou com os suecos. Mas basta percorrer um pouco do Mundo para se ter uma noção de como o futebol é, hoje, porventura, o maior embaixador da portugalidade. Ignorar o seu poder afrodisíaco é um exercício falhado de autismo. Esta anestesia a que nos entregaremos durante semanas é benigna (é o ópio do povo, certo?), mas não podemos deixar de lamentar que o nível de exigência que colocamos no futebol não se estenda a outros campos em que vamos progredindo. A bola, ao contrário do que sucede na vida, é resultadista. Ou se ganha ou se perde. Vive desse pragmatismo forrado a palpitações fortes. Ora, salvo honradíssimas exceções, Portugal continua a conviver pacificamente com o mantra do poucochinho. Demos o nosso melhor, mas infelizmente não conseguimos. O “anda bater que tu bates bem” será apenas uma memória.»


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