14.6.24

O dia seguinte

 


«As eleições foram para a “Europa”, mas os resultados parecem sempre ser adequados para leituras “nacionais”. Entre empates, vitórias e derrotas, os seus efeitos são relevantes para os próximos meses da política portuguesa.

O PS sai vitorioso. E isso tem como consequência que a estratégia de oposição e a própria liderança de Pedro Nuno Santos saiu reforçada. Os muitos que nos últimos três meses andaram a tentar forçar os socialistas a viabilizar políticas e orçamentos do governo das direitas, ficaram (momentaneamente) paralisados. O problema do resultado das europeias para o PS é hoje outro - é que para essa estratégia de alternativa ao grande bloco das direitas lhe faltam hoje parceiros com quem construir uma maioria social de esquerda.

Já a AD não conseguiu capitalizar os sucessivos anúncios de medidas pelo Governo de “dar tudo a todos” e a aposta em Sebastião Bugalho não rendeu - o jovem comentador não conseguiu trazer de volta ao PSD o voto tresmalhado dos jovens liberais. Pelo contrário, a IL conseguiu com Cotrim de Figueiredo ter o grande resultado da noite. A esquerda à esquerda do PS viveu (mais) uma noite difícil - e as palavras de alívio das lideranças do Bloco e do PCP aquando da eleição de cada um dos seus eurodeputados pareceram ignorar que a perda eleitoral se tem vindo a acentuar neste espaço político desde 2019. Creio que não é cedo para admitir essa perda, se houver coragem de assumir algumas mudanças políticas. Aliás, ou estas esquerdas encontram uma fórmula que lhes permita politizar e representar o mal-estar social que se acumulou na sociedade portuguesa nos últimos anos, ou ficarão reduzidas a franjas minoritárias, que pouco conseguem influir nas políticas e nos debates nacionais. Hoje, o risco não é a eventual perda de identidade política, é antes a irrelevância no quadro nacional.

Já a estrondosa derrota do Chega, reduzida a metade do resultado das legislativas, não pode deixar de ter consequências no curto prazo. Ao contrário da extrema-direita pelo continente afora, o Chega não tem, e não quer ter, um discurso ou sequer uma ideia digna desse nome sobre a questão europeia e da pertença ao euro. Também por isso, Ventura não conseguiu mobilizar o eleitorado que tinha ido buscar à abstenção nas legislativas. Mas o custo dessas ausências - de ideias e de eleitores - é que ficou com a sua estratégia nacional comprometida. A partir de dia 9 de junho, é ao Chega, e apenas a este partido, que passa a ser apresentada a fatura sobre a aprovação do próximo orçamento de Estado e vida futura do governo da AD.

No domingo, Ventura ficou entre a espada e a parede. Por um lado, até Outubro não há tempo suficiente para se instalar um clima de mal-estar à direita contra a AD, que aliás governará até lá em registo de campanha eleitoral permanente. Por isso, os custos de deitar abaixo um governo de direita e abrir a hipótese de regresso da esquerda ao poder podem revelar-se fatais para Ventura. A pressão para apoiar o Orçamento - e não chega sequer a abstenção - será significativa. Por outro lado, se viabilizar o Orçamento torna-se co-responsável pelos fracassos e fraquezas que, mais tarde ou mais cedo, o Governo da AD vai exibir. Portanto, é risco o voto de protesto que, na extrema-direita, é contra tudo e contra todos. Mesmo assim, se a cadência política se mantiver em velocidade de cruzeiro, o entendimento entre AD e extrema-direita parece hoje inevitável.

E de França, chega-nos o sinal. O líder d’Os Republicanos, a direita conservadora e tradicional francesa, anunciou a intenção de estabelecer uma coligação eleitoral com a extrema-direita de Le Pen, para as eleições relâmpago que Macron marcou no rescaldo das ondas de choque das europeias. Esse anúncio fez os republicanos entrarem em convulsão interna, mas a mensagem é clara - à direita acabou a estratégia do cordão sanitário.

Estranha é esta Europa. Parece hoje mais fácil abrir o caminho para poder aos nacionalismos neofascistas do que impor políticas sociais e redistributivas que respondam ao mal-estar acumulado pelos efeitos de quatro décadas de neoliberalismo.

Os tempos de escuridão aproximam-se. Preparemo-nos.

PS - A pedido da Direção do DN esta é a minha última crónica. Estou certa que nos encontraremos mais à frente. Foi um prazer ter estado aqui todas as semanas.»


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