11.6.24

A França no caminho do nosso futuro

 


«O resultado das eleições europeias em Portugal é uma boa notícia. O PS e o PSD, os partidos fundadores da nossa democracia liberal, continuam a representar cerca de 60% do eleitorado e a extrema-direita desce em relação às legislativas. Teríamos razões para celebrar se o nosso destino dependesse apenas das opções do eleitorado português. O nosso destino, porém, passa pelo futuro da União Europeia.

Fiquemos, para já, pelo futuro da democracia no nosso continente. E aqui, só podemos estar profundamente inquietos com a vitória esmagadora da extrema-direita em França, com 31,3 % dos votos – mais do dobro do Renaissance, o partido da maioria presidencial, que ficou em segundo lugar, com 14,6%.

Apesar das vitórias da extrema-direita em França e na Itália, e do seu avanço na Alemanha, há quem se congratule com a composição do Parlamento Europeu, onde os grandes partidos – PPE, Socialistas, Liberais e Verdes – mantêm uma maioria confortável.

Mas celebrar esta vitória é esquecer que a Europa é uma união de Estados onde a França é um país-chave, pelo seu peso demográfico, pela sua força militar e pela convicção europeísta de uma parte dos seus dirigentes políticos. Se a extrema-direita vier a vencer as eleições presidenciais de 2027, a própria existência da União Europeia estará em risco. Com Marine Le Pen no Eliseu, regressaríamos à Europa dos nacionalismos identitários, as relações entre a França e a Alemanha sofreriam uma fratura mortal e Putin teria um aliado em Paris.

É bom lembrar que enfrentamos uma guerra de agressão na Ucrânia e que a França é a primeira potência militar da União. Macron tem manifestado um apoio incondicional aos ucranianos, o que tem levado França a estar na mira de uma violenta campanha de desinformação e das ameaças de Putin. A gravidade da situação foi bem compreendida pelos ucranianos que manifestaram a sua inquietação com o futuro do apoio europeu, sobretudo numa altura em que se perfilam as eleições americanas de novembro.

Chegados aqui, tentemos perceber o que se pode passar em França. O Presidente Macron dissolveu o parlamento e convocou eleições antecipadas. A aposta de Macron é que volte a funcionar, pelo menos na segunda volta, o princípio do apelo ao voto no candidato do arco republicano com maiores possibilidades de vitória. Foi esse princípio que dificultou, no passado, a eleição de deputados da extrema-direita. Foi o arco republicano que permitiu a Macron derrotar Marine Le Pen, em 2022, por 58% dos votos contra 41%.

A aposta de Macron é extremamente arriscada e perigosa. O partido de Le Pen tem hoje apoios mais amplos na sociedade francesa, com uma agenda que já se banalizou. Depois de duas derrotas frente a Macron, Marine Le Pen iniciou um bem-sucedido processo de “desdiabolização”. Mesmo assim, ainda pode ser derrotada se a esquerda se unir à volta do programa do Partido Socialista (13,8% dos votos nas europeias) e dos ecologistas (5,5%) e assumir o princípio da desistência republicana, incluindo para os candidatos do LR (7,2%), o partido da direita democrática. A dificuldade vem do partido da esquerda radical de Jean-Luc Mélenchon (LFI, 10%), que defende uma linha de rutura do arco republicano, na esperança de conseguir chegar à Presidência no meio do caos. Sem ele a aliança da esquerda é fraca, com ele é hoje extremamente difícil.

Até há pouco tempo, a esquerda esteve unida na NUPES, sob a liderança do LFI, graças aos bons resultados de Mélenchon nas presidenciais e o fracasso absoluto da candidata socialista, que não atingiu nem 2% dos votos em 2022. A NUPES rompeu-se com a dificuldade da LFI em condenar o ataque do 7 de outubro do Hamas.

Com o Partido Socialista a liderar uma união de esquerda, há possibilidade de emergência da necessária aliança entre a esquerda e o centro, à volta de um programa ecológico, de combate à desigualdade e solidário com o futuro dos ucranianos e dos palestinos, que permita a derrota de Le Pen já nas legislativas de 20 de junho.

A dissolução tem ainda outra faceta. Se a extrema-direita alcançar a maioria absoluta na Assembleia, um primeiro-ministro lepenista irá inevitavelmente sofrer com o desgaste da governação, o que pode impedir a vitória de Marine Le Pen nas presidenciais. Como a política externa e de defesa são competência presidencial, um governo de extrema-direita pode ser um mal menor. Este é um cálculo ainda mais arriscado e incerto. Com enormes fricções entre o Presidente e o Governo, seria muito provável que os franceses atribuíssem os insucessos do executivo a Macron, um Presidente impopular.

A decisão de Macron é muito arriscada, mas tem, pelo menos, o mérito de vincar que a polarização do campo democrático não travou a ascensão da extrema-direita – pode mesmo ter sido a menos má das opções possíveis.

O futuro de França e da Europa joga-se na esperança de um compromisso da maioria dos franceses com os valores da liberdade, da igualdade e da fraternidade, que se traduza em alianças e políticas capazes de os fazer perdurar.»


1 comments:

Niet disse...


Emmanuel Macron perdeu miseravelmente as Europeias por um desaire assustador. De jacto,dissolveu a Assembleia Nacional e tem que convencer um parceiro para ir jogar as novas Legislativas que terao a segunda volta no dia 5 de julho,amanha. Havia a NUPES mas Melu envelheceu e esta muito so por leninismo agudo e autoritario...Mas a nova geracao esta consciente do terrivel perigo da eleicao de madame Le Pen filha...E como a arma dos Le Pen e a mentira e a duplicidade permanentes conjugada com a grosseria dos esquemas vendidos com expedientes,tudo pode acontecer.
Ou a Esquerda se une ou o Caos da hipotese de vitoria eleitoral do magma que se move em torno da herdeira primogenita do famigerado Kapo Le Pen lhe abrira as chances de vitoria nas Presidenciais de 2027.Mas JLMelenchon nao entusiasma agora as classes em luta e Glucksman apostou na burocracia de um PS comatoso e a Extrema Esquerda tera que ter muita imaginacao para ultrapassar pontos de actuacao menos estimulantes.Existe uma grande entrevista de Alain Minc que aconselha Macron a elaborar um acordo de Governo com o partido gaulista Os Republicanos *LR* sem vaidades e depressa... Niet